Samuel Gallo: ‘Educação e informação - das
palavras geradoras à alfabetização midiática’
Paulo Freire, na
década de 1960, no Rio Grande do Norte, desenvolveu um método de alfabetização
que estimulava os adultos a aprender através de palavras que faziam parte do
dia a dia dos alunos, como lavoura, enxada, tijolo, palha, já que aqueles que
assistiam suas aulas eram agricultores, pedreiros e domésticas. Esse método foi
chamado por Freire de palavras geradoras, escolhidas para despertar a
consciência crítica dos alunos sobre sua realidade.
Apesar das aulas serem
voltadas para adultos, a prática de Freire também despertou a curiosidade de
crianças e jovens. Isso demonstra que talvez a maior dificuldade da educação no
Brasil não sejam as “ferramentas”, mas sim como elas são utilizadas.
A educação sempre
esteve em segunda prioridade no Brasil, enfrentando inúmeros desafios
históricos e a falta de investimento e interesse por parte dos governos. O
Plano Nacional de Educação (PNE) previa o gasto público em educação de 7% do
PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024. De acordo com o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil investiu
apenas 5% na educação pública em 2022 [o relatório do 5º Ciclo de Monitoramento
de Metas do PNE está disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/gestao-do-conhecimento-e-estudos-educacionais/estudos-educacionais/relatorios-de-monitoramento-do-pne].
O Plano, que teve
início em 2014, expirou em junho deste ano, atingindo parcialmente somente
quatro das 20 metas estabelecidas. O prazo final do atual Plano foi prorrogado
para dezembro de 2025, e o novo PNE para a próxima década está em discussão na
Câmara.
Mas por qual motivo
não temos um sistema educacional de melhor qualidade? É óbvio. A educação
possibilita um pensamento crítico e isso é um problema grave para o sistema.
Descaso com a educação, desigualdades sociais e raciais, falta de interesse,
carência de programas de incentivo por parte do governo, desentendimento entre
o professor e o aluno e problemas estruturais são alguns aspectos que
interferem no processo educacional, principalmente nas instituições mais
carentes.
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Mídia, jornalismo e educação
As relações entre as
áreas de comunicação e a educação têm sido decisivas para a configuração atual
das sociedades e das novas gerações em formação, visto a inegável influência
dos meios de comunicação na educação e na formação de hábitos e valores da população,
principalmente da TV, que desde seu surgimento esteve em nossas vidas.
A mídia sempre esteve
presente no campo educacional, mesmo que exista certa repressão em relação à
sua aplicação nas escolas. Porém, as novas tecnologias ocasionaram
transformações sociais e mudanças nos processos de comunicação e produção de
conhecimento. Hoje, adquirimos mais informações com mais velocidade e
instantaneidade. Mas isso não quer dizer que estamos mais inteligentes, muito
menos que podemos adquirir conhecimento apenas pelo computador.
Com a tecnologia
presente nos dias atuais, o método tradicional de educação perde força, pois a
tecnologia possui vários conteúdos que são mais atraentes ao público do que uma
simples aula em uma escola. O imediatismo e a vastidão da internet tornam-se mais
interessante aos alunos, porém muitos professores ainda não se sentem
preparados para explorar este campo, mantendo o sistema de ensino arcaico.
A educomunicação é uma
área do conhecimento que surgiu com as novas tecnologias digitais. É um campo
teórico-prático que propõe uma intervenção a partir de algumas linhas básicas
como: “educação para a mídia; uso das mídias na educação; produção de conteúdos
educativos; gestão democrática das mídias; e prática epistemológica e
experimental do conceito” (SOARES et al., 2017).
A internet no processo
educacional deve ser utilizada como mecanismo de desenvolvimento crítico,
mediada pelos educadores. Estes não têm apenas a tarefa de ensinar e transmitir
conhecimento, mas também de atuar como intermediários entre os alunos, utilizando
os meios eletrônicos de comunicação como base para o compartilhamento de
ideias. Paulo Freire apresenta a televisão como sendo uma coisa fantástica, mas
é preciso que as pessoas a encarem de forma crítica, assim como devemos fazer
com as novas tecnologias.
O jornalista, como
representante da mídia, também está presente no processo de comunicação e
educação. Ele atua como uma espécie de professor ao explicar determinados fatos
ao público, oferecendo elementos para a formação de opiniões e apresentação dos
fatos. Sim, o jornalismo pode ajudar a transformar a educação.
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Alfabetização midiática e informacional
Para combater as fake
news com mais precisão, cito como exemplo a Finlândia, que possui um
programa de combate onde as escolas ensinam a reconhecer as notícias falsas.
Através da alfabetização jornalística, os alunos aprendem como identificar
manipulações de imagens e vídeos, perfis falsos e a falta de informação
pessoal. Lançada em 2014, a iniciativa visa ensinar não apenas estudantes, mas
também jornalistas e políticos. O país está combatendo as fake news graças
à força dos jornais tradicionais.
A Alfabetização
Midiática e Informacional (AMI), conceito apresentado pela Unesco, tem como
finalidade contemplar a capacitação de educadores e jovens para o uso crítico
de novas tecnologias e produção de conteúdo. Para o jamaicano Alton Grizzle, da
Unesco, “todo cidadão precisa desenvolver competências para entender o papel da
mídia numa sociedade democrática”. Grizzle tem uma contribuição significativa
na promoção da educação para a mídia e a informação, ajudando a capacitar
indivíduos para compreenderem, analisarem e utilizarem criticamente as
informações que recebem através de diversos meios de comunicação.
O Brasil também tem
muito a aprender com o exemplo da Finlândia. Cada vez mais, instituições de
ensino precisam adotar métodos que promovam uma forte ligação entre a prática
educomunicativa e a produção de conteúdo educativo.
O programa
“Educamídia”, desenvolvido pelo Instituto Palavra Aberta em parceria com o
Google, oferece formação e recursos para professores, promovendo a educação
midiática nas escolas. Já o projeto “Vaza, Falsiane!”, utiliza uma abordagem
lúdica e interativa para ensinar crianças e adolescentes a identificar notícias
falsas e desenvolver uma postura crítica em relação às informações. Ambas as
iniciativas têm um impacto significativo na formação de uma sociedade mais bem
informada e democrática.
Ao incorporar esses
métodos, o Brasil pode caminhar na direção de uma educação mais inclusiva e
adaptada aos desafios contemporâneos da comunicação e da informação. Entender o
papel fundamental das mídias e da informação para a sociedade é somente o início.
A tecnologia não causa mudanças apenas no que fazemos, mas também em nosso
comportamento e na forma de como adquirimos conhecimentos no relacionamento com
o mundo. São mudanças colhidas pelo processo de globalização, do qual buscamos
um entendimento dos fenômenos na sua totalidade.
Em seu livro “Extensão
ou comunicação?” (Chile, 1968), Freire diz que a educação é um processo
contínuo de adaptação e evolução cultural, não uma fixação de valores
estáticos: “A educação ‘dura’ na contradição permanência-mudança. Esta é a
razão pela qual somente no sentido de ‘duração’ é possível dizer que a educação
é permanente. Por isto mesmo, permanente, neste caso, não significa a
permanência de valores, mas a permanência do processo educativo, que é o jogo
entre a permanência e a mudança culturais”.
E que assim, educação
e informação – lado a lado – possam criar cidadãos críticos e conscientes,
capazes não apenas de assimilar conhecimentos, mas de transformar suas
realidades e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e
igualitária.
¨ A desinformação como modelo de negócio. Por Ergon Cugler
Em 2020, o mundo
assistiu perplexo ao avanço não apenas do vírus sars-cov-2 durante a pandemia
da covid-19, mas também aos efeitos da desinformação e da desordem
informacional tomando conta das arenas públicas. Eis então que o termo
“infodemia” é alavancado, representando um grande fluxo de informações que se
espalham através do ambiente digital e sobrecarregam a sociedade com distintas
e antagônicas “versões dos fatos”.
O problema é que essa
sobrecarga de informações trouxe efeitos nocivos às pessoas que sequer
conseguem mais saber o que é real em meio a tanta desinformação. Exemplo disso
é o levantamento da American Journal of Tropical Medicine and Hygiene,
que aponta que informações falsas (como as de uso de supostas medicações
caseiras contra a covid-19) foram diretamente responsáveis por ao menos 800
mortes, além de outras 5.800 hospitalizações, só em 2020.
Se por um lado a
desinformação traz efeitos nocivos às nossas vidas – levando ao consumo de
substâncias que podem custar a nossa saúde, por exemplo -, por outro tem-se
tornado evidente o quanto ela também pode beneficiar grupos maliciosos que
lucram com a sua disseminação. Em meio às teorias da conspiração contra as
vacinas e promessas milagrosas de supostos medicamentos de cura universal, nos
resta questionar, “quem lucra quando a mentira avança?”.
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Dióxido de cloro (ClO₂)
O dióxido de cloro
(ClO₂) é originalmente utilizado pela indústria para o branqueamento de polpa
de madeira, mas é também visto no alvejamento de farinha e para a desinfecção
de água. Contudo, este produto, que funciona bem para a limpeza industrial, tem
sido disseminado falsamente como uma suposta “cura universal”, ou ainda como um
“detox vacinal”.
Vendidos em opções de
“MMS” e “CDS”, os frascos de dióxido de cloro são abertamente comercializados
em comunidades clandestinas do Telegram, além de estarem publicamente em sites
de e-commerce, como o Mercado Livre e a Amazon. Por trás daquilo que parece ser
uma inocente crença nos poderes terapêuticos de uma substância, organiza-se
todo um modelo de negócio que lucra conforme avança a desinformação sobre o seu
uso supostamente milagroso.
Dentre as promessas do
dióxido de cloro, temos mais de 90 doenças ou condições listadas como
supostamente “curáveis” por ele. Desde aids (HIV), até artrite reumatoide, ou
ainda autismo, cálculo renal, fibromialgia, tuberculose, tumor e tantas outras,
as propagandas disseminadas pelos produtores e comerciantes de dióxido de cloro
incitam quase que uma busca imediata para aqueles que estiverem desesperados
com a sua condição atual. No caso do “detox vacinal”, o dióxido de cloro
promete “desintoxicar” o usuário até de supostos nanorobôs e microchips das
vacinas, relacionando teorias da conspiração com a febre da substância.
Não bastasse lucrar
com a venda, as dezenas de milhares de usuários que compõem as redes no
Telegram, por exemplo, são expostos diariamente a ebooks e cursos sobre “as
melhores formas de se consumir o dióxido de cloro”. A monetização, portanto,
não se restringe ao frasco de ClO₂, mas inclui até a transformação desse
produto em um estilo de vida, oferecendo infoprodutos agregados. Em alguns
casos, é passada a ideia de um “detox matinal”, em que um coach propõe
que o usuário consuma o seu dióxido de cloro acompanhado de banhos frios e
caminhadas pela manhã.
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Lucro
Em 2021, um vazamento
revelou o que foi apelidado de “Facebook Papers”, um conjunto de documentos
provando que o Facebook ignorou inúmeras fake news apenas para preservar o seu
lucro, mantendo conteúdos nocivos na plataforma, mesmo após serem notificados.
Somando-se a outras denúncias, o papel das big techs na
disputa da realidade ganhou ainda mais relevância.
Atualmente, o modelo
de negócio das plataformas baseia-se em manter o usuário o máximo de tempo
possível dentro delas. Se um usuário gosta de carros, por exemplo, os
algoritmos das plataformas irão preferir distribuir conteúdos relacionados a
carros para esse usuário. E o mesmo ocorrerá com usuários que gostem de
maquiagem, basquete, misticismo ou qualquer outro assunto. Contudo, uma
pesquisa do Instituto Think Twice Brasil revelou que, por exemplo, conteúdos
violentos são estimulados para jovens e adolescentes no TikTok, onde os
algoritmos aproveitam-se das condições dos jovens e adolescentes para que então
se viciem neste tipo de conteúdo.
Não muito distante,
quando buscamos sobre “dióxido de cloro” ou “detox vacinal”, é fácil encontrar
recomendações para compra logo na primeira página do Google, ou ainda
comunidades abertas em redes sociais, mantidas pelas plataformas. E mesmo com
constantes notificações do poder público, tais plataformas apelam pelo direito
a uma suposta liberdade de expressão, mantendo tais comunidades e afirmando
indiretamente que usuários maliciosos possuem uma intocável liberdade para
intoxicar os demais com substâncias químicas, lucrando com a mentira.
Quando vale tudo pelo
lucro, temos jovens e adolescentes radicalizados apenas por ser mais fácil
prender a atenção destes com conteúdos violentos. Ou ainda, temos curas
milagrosas causando danos à saúde das pessoas, apenas porque tais gurus pagaram
pelo impulsionamento ou por uma melhor posição na prateleira das big
techs.
Vale reforçar que,
mais do que aquele que comercializa o dióxido de cloro, lucra também aquele que
propaga desinformações contra as vacinas, pois este cria demanda para o ClO₂
entrar em cena como uma solução milagrosa para o problema apresentado. Enquanto
alguns defendem que a internet seja terra sem lei, outros lucram com um modelo
de negócio que aprendeu a criar a própria demanda com o caos social e com a
desinformação, propiciando, em seguida, uma oferta mentirosa que se transforma
até mesmo em infoprodutos e em estilo de vida.
Fonte: Jornal GGN/Jornal
da USP
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