O casal que desafia a morte escalando os
prédios mais altos do mundo
Um jovem casal se
entreolha no sol da manhã. O homem se move para erguê-la, mas ela hesita.
"Relaxa, estou segurando."
Ele a tranquiliza, enquanto a levanta sobre a cabeça, repetindo a famosa cena
de Patrick Swayze e Jennifer Grey, no filme Dirty Dancing: Ritmo Quente (1987).
O casal compartilha
com o mundo este íntimo momento romântico no novo documentário da Netflix,
Skywalkers: Uma História de Amor. Mas há um detalhe que pode revirar o estômago
dos espectadores.
A cena tem lugar no
alto de um edifício de 678,9 metros de altura – no topo de um pináculo com
apenas 1,8 metro de largura.
Se Ivan Beerkus deixar
Angela Nikolau cair, os dois irão despencar pelo abismo de cem andares.
O filme conta a
história da dupla de rooftoppers – o nome em inglês dos escaladores de
arranha-céus, que desafiam as alturas sem equipamento de segurança. A produção
é repleta de mergulhos e quedas livres, que fazem o próprio espectador achar
que também corre o risco de perder seus calçados para a gravidade.
O casal russo Angela
Nikolau e Ivan Beerkus formam o primeiro casal a praticar juntos esta
atividade.
E, certamente, eles
são agora os mais famosos, principalmente depois que afirmaram terem adentrado
(ilegalmente) e escalado, em dezembro de 2022, o pináculo do segundo edifício
mais alto do mundo – a torre Merdeka 118, na Malásia. Eles postaram imagens comprovando
a façanha.
Skywalkers: Uma
História de Amor cobre, em parte, a jornada até escalar aquele arranha-céu.
Mas, ao longo do filme, Nikolau e Beerkus mostram seu talento visual e sua
aparente insanidade na sua ânsia por correr riscos.
Eles escalam
guindastes cobertos de gelo suspensos em grande altitude sobre uma cidade e
mostram o pôr do sol e a paisagem urbana de pontos assombrosamente
privilegiados, acessíveis a poucos seres humanos.
O crédito do casal no
documentário menciona "cinematografia extrema", já que grande parte
das filmagens com drones das suas escaladas foi feita por eles próprios.
Não surpreende que a
primeira imagem do documentário seja um alerta, dizendo: "Este filme
contém atividades ilegais e extremamente perigosas. Não tente imitá-las."
Contada pelos
diretores Jeff Zimbalist e Maria Bukhonina (ele, americano e ela, russa), a
história começa com os protagonistas adolescentes e mostra como eles começaram
as escaladas.
O rooftopping faz
parte da subcultura desde os anos 1990. O diretor Jeff Zimbalist conta que
praticou a atividade nos Estados Unidos quando era jovem.
Ivan Beerkus começou a
escalar nos anos 2010, em Moscou, na Rússia, onde a atividade de escalada de
prédios estava em crescimento. Aliás, alguns dos momentos mais facilmente
identificáveis do filme ocorrem quando os pais de Beerkus imploram a ele que
consiga um emprego "estável".
Beerkus conta no
documentário que "quanto mais alto eu ia, mais fácil era respirar".
E, para a BBC, ele declarou que a busca de adrenalina faz parte da sua
identidade.
"Ela me dá
inspiração, ela me dá motivação para viver", ele conta. "Depois que a
descobri, ela passou a vir naturalmente."
Angela Nikolau é filha
de artistas circenses e frequentou a escola de artes. Com o crescimento do
Instagram e, depois, do TikTok, nos anos 2010 e 2020, os rooftoppers usaram
essas plataformas potencialmente lucrativas para postar vídeos.
Mas ela diz que a
motivação do casal vai bem além de conseguir cliques e fama nas redes sociais.
"O rooftopping é
a minha forma de arte", declarou ela à BBC. "Ter sido a primeira
mulher a praticar me motivou e eu sempre me interessei em fazer algo novo no
espaço artístico."
"Sempre que
definimos uma imagem, nós a desenvolvemos como uma obra de arte. Eu escolho as
cores e o que irei vestir. Ivan escolhe onde ficarão os drones e como a imagem
será fotografada. Nós fazemos uma pintura no ar, todas as vezes."
Com sua combinação de
imagens de cair o queixo e atraentes protagonistas jovens, Skywalkers: Uma
História de Amor possui todos os elementos para ser um sucesso – como o filme
Free Solo (2018), da National Geographic, sobre a tentativa do alpinista Alex Honnold
de escalar uma face rochosa vertical de 900 metros no Parque Nacional de
Yosemite, na Califórnia (Estados Unidos), sem equipamento de segurança.
Voltando um pouco
mais, ele relembra o documentário O Equilibrista (2008), do diretor James
Marsh, que mostra a façanha de Philippe Petit em 1974, realizando acrobacias
sobre um arame esticado entre as Torres Gêmeas, em Nova York (EUA).
Free Solo e O
Equilibrista ganharam o Oscar de melhor documentário e foram grandes sucessos
comerciais.
Será que existe alguma
atração especial em filmes que mostram pessoas se arriscando a cair de grandes
alturas, para nós que observamos em piso firme?
"É como uma
montanha-russa", conta Nikolau. "Quando você anda nela, irá
experimentar uma série de emoções."
"Achamos que o
nosso filme irá gerar esse tipo de emoções, pois não é apenas sobre a escalada
de um edifício. Você irá ver o lado negativo do esporte, os perigos e também os
altos e baixos do nosso relacionamento."
"As pessoas
costumam nos dizer que, depois de verem o filme, elas saem se sentindo mais
vivas do que o normal", segundo ele. "Talvez esse gênero forneça a
adrenalina que você conseguiria em uma montanha-russa, para se 'resetar' e se
sentir vivo de novo."
Free Solo também usou
como ponto focal da narrativa o relacionamento de Honnold com Sanni McCandless,
agora sua esposa.
Os diretores de
Skywalkers: Uma História de Amor também destacam que a emoção do filme é
fundamental. Segundo eles, não se trata de uma história sobre o medo de cair
das alturas, mas sobre o medo de se apaixonar.
Afinal, Nikolau foi
abandonada pelo pai quando criança e, muitas vezes, enfrenta dificuldade para
confiar no parceiro.
"A história de
amor foi nossa visão desde o princípio", conta ele à BBC.
"Existe uma
[sensação de] realização de desejos quando assistimos a seres humanos rompendo
fronteiras de formas surpreendentes", destaca ele. "É
inspirador."
"Mas não
queríamos nos concentrar nisso como um espetáculo de causar vertigens.
Queríamos direcionar o filme para o medo de se apaixonar e o que isso
significa. Sentimos que, se pudéssemos seguir nesta direção, faríamos algo que
atingiria o público que talvez não se interesse pelo visual do filme."
• 'Não havia motivo para esconder nada'
Existe muito mais
nesta história além dos arranha-céus.
O filme levou sete a
oito anos para ser feito. Neste período, o casal se conheceu e se apaixonou.
Eles saíram da Rússia
depois da invasão da Ucrânia, em 2022, quando o bloqueio das redes sociais no
país fez com que eles perdessem sua fonte de renda.
A pandemia de covid-19
também havia fechado a indústria do turismo e eles perderam seus
patrocinadores. Eles sobreviveram vendendo sua arte para compradores
particulares, mas admitem que escalar o Merdeka foi quase a sua última aposta.
O rooftopping não é
uma carreira que ofereça longevidade, em todos os sentidos da palavra. O filme
mostra o casal lamentando o destino de pessoas conhecidas que perderam a vida
na prática desta atividade.
Angela Nikolau não tem
medo apenas de confiar nas pessoas. O filme a mostra visivelmente com medo
durante suas proezas.
Enquanto treinava na
Tailândia para escalar o Merdeka, ela teve um ataque de pânico e congelou –
ficou "paralisada", segundo suas palavras, sobre uma estrutura que
tem menos de um metro de largura, em grande altitude sobre uma cidade.
O público acompanha
sua sensação enquanto Beerkus move os membros dela, um de cada vez, para que
ela se sente, ainda vulnerável.
Em outros momentos
mais prosaicos, eles discutem no topo de uma torre, enquanto escalam em busca
da melhor imagem. Nikolau repreende Beerkus, dizendo que ele "sempre faz
isso". Em outro momento, ela se queixa porque ele ainda não tirou uma boa foto
das suas pernas.
"No início, nós
queríamos evitar mostrar um relacionamento imperfeito para as câmeras",
conta Nikolau. "Mas acabamos nos acostumando a passar tanto tempo com a
equipe e vê-los logo de manhã cedo até um pouco antes de ir dormir. Percebemos que
não havia motivo para esconder nada."
O relacionamento da
dupla começou em um compromisso comercial e ninguém duvida que ele seja real.
Mas eles são frequentemente acusados de publicar informações ou imagens falsas
– como ocorreu logo após a escalada do Merdeka.
"Ah, eu adoro
esses críticos do sofá", responde Nikolau. "Adoro quando as pessoas
começam a dizer 'não, deve ter sido tela verde. Você pode ver que havia um
telhado e um piso. Você pode ver que foi Photoshop ou que ela está usando um
cinto de segurança.'"
"Na verdade, isso
nos traz mais visualizações, mais pessoas online. Agora, fico feliz quando as
pessoas inventam novas formas de nos acusar de imagens falsas."
O documentário traz
uma solução inteligente para a questão dos idiomas: o casal fala principalmente
russo, mas a tecnologia faz com que o som apareça em inglês quando eles narram
as cenas (e, claro, a Netflix oferece o filme com legendas em português).
E o documentário
também dá crédito aos "produtores da história". Jeff Zimbalist, o
diretor, conta que informou aos interessados em apoiar o filme que Skywalkers
é, essencialmente, cinema de guerrilha.
A maior parte das
ações do casal era ilegal, incluindo a escalada do Merdeka 118. O documentário
mostra Nikolau e Beerkus passando cerca de 30 horas no edifício, filmando a si
próprios e se escondendo dos trabalhadores na construção.
Depois do sucesso da
cena no topo da torre, "fizemos Ivan mandar voando os cartões [de memória,
pelo drone] com a filmagem, para que eles não estivessem com os cartões, se
fossem pegos na descida do prédio", conta o diretor Jeff Zimbalist.
Em busca de novas
oportunidades, o casal se mudou recentemente para Nova York. É uma cidade de
arranha-céus, mas será que eles pretendem continuar com as escaladas,
especialmente agora, que muitos seguranças irão reconhecê-los, depois do
documentário?
"Realmente
esperamos que, agora que o filme está sendo lançado internacionalmente, mais
pessoas queiram colaborar conosco", afirma Ivan Beerkus.
"Talvez algo no
espaço comercial publicitário. Nós adoraríamos. Mas também estamos ansiosos
para fazer outras coisas. Angela é pintora, eu componho música. Estamos sempre
tentando pensar em novas formas criativas de continuar e ganhar a vida com isso."
Não importa o quanto
seus produtores tentem orientar o público para observar o relacionamento do
casal como a história principal de Skywalkers: Uma História de Amor. Uma
sensação predominante de assombro se mantém por todo o filme, quando assistimos
aos protagonistas trabalhando sob extrema pressão mental, em grandes altitudes.
Nas cenas filmadas no
alto do Merdeka 118, alcançando o céu e quase sem nada embaixo deles, Beerkus
demonstra sua concentração e determinação para aproveitar a chance única de
conseguir a imagem que ele tanto deseja.
"Eu senti que era
uma chance em um milhão", ele conta. "Toda a minha coragem estava
fluindo, eu acho. Eu sabia que não iria deixar Angela cair e estava pronto para
fazer aquilo que fomos fazer."
"Parecia um
momento perfeito. E, quando ergui Angela, eu me lembrei do silêncio. Devia
estar ventando naquela altura, mas não senti nada e não ouvi nada. Era
simplesmente o mais perfeito momento de silêncio e zen que já vivi."
Fonte: BBC Culture
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