Luís Felipe Miguel: A desistência de Joe
Biden
Demorou, mas Joe Biden
curvou-se aos fatos e retirou sua candidatura. Está em campanha para que sua
vice, Kamala Harris, assuma seu lugar na chapa presidencial.
O apoio de Joe Biden –
mas ainda não de pesos-pesados do Partido Democrata, como Barack Obama e Nancy
Pelosi – e de muitos doadores milionários torna Kamala Harris franca favorita
para a indicação, mas não são favas contadas.
O que causa espanto é
ver uma parte da esquerda brasileira embarcando precocemente num triunfalismo
pró-Harris.
Talíria Petrone, por
exemplo, publicou no Twitter: “Um passo a frente! Derrotar Donald Trump é uma
missão mundial e a escolha de Kamala Harris é acertada. Não devemos titubear em
eleger a primeira mulher presidente dos EUA”.
A imagem de Kamala
Harris, uma mulher com ascendência indiana e africana, agrada aos
progressistas. Sua atuação como vice-presidente, no entanto, foi apagada. E,
quando apareceu, frustrou quem imaginava que ela teria posições mais avançadas
em temas como imigração, encarceramento, racismo das polícias ou política de
drogas.
Sem falar, é claro, na
política externa.
Donald Trump é um
fanfarrão golpista sem qualquer das qualidades intelectuais ou morais que
permitiriam exercer uma função de poder. Desde que demonstrou ambições
políticas, não fez nada além de degradar o debate público e debilitar as
instituições da democracia liberal. Um tipo, em suma, bem conhecido de nós,
brasileiros.
A despeito das
diferenças, porém, Donald Trump tem muito em comum com Kamala Harris, assim
como tinha com Joe Biden. Como o apoio incondicional a Israel e ao genocídio
que ocorre hoje na Faixa de Gaza.
Joe Biden patrocinou
as ações de Benjamin Netanyahu desde o começo, armou e financiou Israel, vetou
ações de organizações internacionais, colaborou na campanha de difamação e
corte de financiamento da agência da ONU que dá assistência aos refugiados palestinos.
Kamala Harris secundou todas essas ações. Não chega ao ponto de classificar a
si mesma como “sionista”, como faz Joe Biden, mas não fica longe.
Diante disso, Donald
Trump não tinha resposta melhor do que “xingar” seu então adversário de
“palestino” e prometer ainda mais apoio ao genocídio.
Joe Biden e Donald
Trump, candidatos, mostraram ser racistas, despreocupados com os direitos
humanos mais elementares, desprovidos de sentimento de humanidade.
O problema não está
só, nem sobretudo neles. É o sistema político estadunidense, movido, como se
sabe, pela força do dinheiro.
Só o AIPAC, o lobby sionista
oficial, está despejando 100 milhões de dólares em campanhas de democratas e
republicanos, com o objetivo de sufocar o debate sobre a Palestina. Muitos
grandes doadores privados, vinculados ao sionismo, agem na mesma linha.
O AIPAC, aliás, que
financiou a carreira política de Kamala Harris com mais de cinco milhões de
dólares. E recebeu, em troca, apoio veemente à máquina de guerra israelense.
Por isso, no establishment político
estadunidense, bem como na mídia, a tragédia do povo palestino ecoa tão pouco.
Mesmo que apenas uma minoria da opinião pública seja favorável ao apoio militar
a Israel, a prioridade é não desagradar os grandes financiadores de campanha.
O Partido Democrata
tem a chance de escolher um candidato que se oponha ao genocídio. Mas é
improvável que o faça.
A se confirmar este
cenário, para o eleitor, a escolha em 5 de novembro promete ser dramática.
Optando por Kamala Harris ou optando por Donald Trump, estará validando o
massacre de um povo.
Nos anos 1930, seria
razoável, em nome do “mal menor”, escolher um entre dois candidatos que
apoiassem ativamente a Alemanha nazista e o holocausto judeu? Como nós
encararíamos, hoje, uma escolha assim, feita naquela época?
Ao contrário da
deputada do PSOL, sei que não voto nos EUA e que meu pitaco sobre a “missão
mundial” de derrotar Donald Trump não tem nenhuma importância. Mas lembro que
nas eleições estadunidenses existem opções, embora sem chances de vitória. Jill
Stein, do Partido Verde, e Cornel West, independente, são os dois candidatos
“nanicos” que se opõem ao massacre em curso em Gaza e expressam corajosamente
essa posição.
A prioridade dada à
luta contra a extrema direita tem, como primeira consequência, a redução do
campo que se opõe a ela ao seu mínimo denominador comum – isto é, aos seus
integrantes mais atrasados. Há uma redução da qualidade do debate sobre a
sociedade e o mundo em que queremos viver. Esse é o primeiro grande serviço que
a extrema direita presta ao conservadorismo.
Mas onde fica a linha
divisória? Podemos fechar os olhos para um genocídio, em nome das
conveniências? Vamos proclamar que as vidas dos palestinos valem tão pouco que
nem vamos lutar por elas? Que não valem nem o repúdio a quem patrocina o
massacre, com dinheiro, com armas, com desinformação?
Há limites que não
podem ser cruzados. Há valores que se impõem diante do pragmatismo. A vitória
de Donald Trump acelera, sim, a decadência da democracia estadunidense. Mas
sinalizar que o genocídio do povo palestino não é admissível, que nossa
humanidade comum nos obriga a erguer nossa voz em solidariedade, é o imperativo
maior na atual quadra histórica.
¨ A nova estratégia democrata. Por Bruno Fabricio Alcebino da
Silva e Julia Protes Lamberti
A desistência de Joe
Biden da corrida pela reeleição marca um momento crucial na história política
recente dos Estados Unidos. Esta decisão, embora surpreendente para alguns, é
coerente com uma tradição de presidentes que, em diferentes circunstâncias, optaram
por não buscar um segundo mandato.
Historicamente, a
decisão de um presidente em exercício de não buscar a reeleição tem sido
influenciada por uma variedade de fatores – problemas de saúde, baixa
popularidade, crises econômicas ou simplesmente um desejo pessoal de não
continuar no cargo. Exemplos notáveis incluem Lyndon B. Johnson, que, em 1968,
decidiu não buscar a reeleição em meio à turbulência da Guerra do Vietnã
(1955-1975) e à crescente insatisfação pública.
A decisão de Lyndon B.
Johnson refletiu uma combinação de exaustão pessoal e pressão política. De
maneira similar, Joe Biden, enfrentando desafios de saúde e uma crescente
pressão política, decidiu não continuar no pleito, optando por se concentrar em
cumprir seu mandato atual.
O democrata anunciou
sua desistência através de uma carta pública e uma mensagem nas redes sociais,
destacando que acredita ser do melhor interesse do partido e do país que ele se
retire da corrida eleitoral. Em sua carta, o mandatário agradeceu à vice-presidente
Kamala Harris por seu apoio e parceria, e expressou gratidão ao povo americano
pela confiança depositada nele. A decisão foi influenciada por vários fatores,
incluindo questões de saúde que se tornaram mais aparentes nos últimos meses.
Joe Biden, com 81
anos, enfrentou dificuldades físicas e cognitivas visíveis em eventos públicos,
levantando preocupações sobre sua capacidade de cumprir um segundo mandato.
Além disso, a suspensão das doações à campanha do democrata refletiram uma
crescente falta de apoio financeiro, o que agravou ainda mais o cenário
desafiador para sua reeleição.
Além dessas questões,
as pesquisas mostravam que Joe Biden não era competitivo em uma possível
disputa contra o ex-presidente Donald Trump, que lidera as intenções de voto
entre os republicanos. A possibilidade de uma derrota para Trump também pode
ter influenciado a decisão de Biden, considerando o impacto que isso teria
tanto para seu legado quanto para o Partido Democrata.
Com a saída de Joe
Biden, Kamala Harris emerge como a principal candidata do partido. Primeira
mulher negra e de ascendência indiana e jamaicana a ocupar a vice-presidência,
Kamala Harris tem uma carreira marcada por posições de destaque no judiciário e
no Senado dos Estados Unidos. Apesar de ter enfrentado críticas por algumas de
suas posturas como procuradora, Kamala Harris se estabeleceu como uma defensora
de direitos reprodutivos e de políticas progressistas, o que pode atrair
eleitores jovens e de minorias.
Além de Kamala Harris,
a disputa interna do Partido Democrata levanta alguns outros nomes, dentre eles
a ex-primeira dama Michelle Obama, que registra grande popularidade por sua
figura na mídia; Gretchen Whitmer, que se destaca por sua popularidade nos
chamados “swing states” – os estados que, tradicionalmente, apresentam
um eleitorado bem dividido entre democratas e republicanos, e acabam
apresentando eleições bem acirradas que costumam oscilar de partido vencedor; e
o atual governador da Califórnia Gavin Newsom, figura presente na corrida
eleitoral de Biden.
Gavin Newsom se
destacou na mídia internacional no mês de julho após um embate online com o
bilionário Elon Musk, que anunciou a decisão de mover a matriz de sua empresa
‘X’ para fora da Califórnia, devido a discordâncias com o governador a respeito
de leis que protegem a privacidade de adolescentes LGBTQIA+ nas escolas da
Califórnia.
Nas redes sociais, Joe
Biden já anunciou publicamente seu apoio à candidatura de Kamala Harris. No
entanto, a escolha do vice na chapa de Harris será crucial para consolidar seu
apoio dentro do partido e entre o eleitorado. Um vice-presidente escolhido estrategicamente
pode fortalecer a chapa, atrair diferentes segmentos de eleitores e ajudar a
construir uma coalizão sólida para enfrentar os desafios da eleição.
Alguns nomes possíveis
para compor a chapa com Kamala Harris incluem figuras proeminentes do Partido
Democrata. Pete Buttigieg, ex-prefeito de South Bend e atual secretário de
Transportes, é conhecido por sua habilidade de comunicação e por atrair eleitores
moderados. Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, que, apesar de ter assumido
o cargo recentemente, é visto como uma estrela em ascensão. Formado em direito
e ex-procurador-geral do estado, Shapiro tem um histórico de vitórias contra
republicanos em um estado crucial para os democratas.
Outras opções incluem
Andy Beshear, governador de Kentucky, que se destacou em um estado fortemente
republicano por seu trabalho na criação de empregos, apoio à educação pública e
expansão do acesso à saúde, além de seu posicionamento firme contra leis que
restringem direitos reprodutivos e cuidados de afirmação de gênero para jovens
transgêneros. Roy Cooper, governador da Carolina do Norte, também é uma
possibilidade. Cooper é elogiado por seu foco no desenvolvimento econômico e
por manter índices de aprovação relativamente altos em um estado politicamente
competitivo que pende para o lado republicano.
A decisão de Joe Biden
de não buscar a reeleição não apenas altera a dinâmica dentro do Partido
Democrata, mas também provoca reações intensas entre os republicanos. Donald
Trump, aproveitando a oportunidade, não tardou em criticar o mandatário,
chamando-o de “o pior presidente da história” e afirmando que enfrentar Kamala
Harris será mais fácil.
A renúncia de Joe
Biden é vista pelos republicanos como uma confirmação de suas críticas à
capacidade do presidente de liderar o país, líderes republicanos, como Mike
Johnson, pediram a renúncia imediata de Joe Biden do cargo presidencial,
argumentando que ele não está apto para servir.
Essa discussão sobre a
renúncia de Joe Biden reflete um cenário político polarizado, onde cada
movimento é escrutinado e utilizado como munição para a próxima batalha
eleitoral. Para o Partido Democrata, a tarefa agora é unir-se em torno de
Kamala Harris ou outro candidato forte, garantir que as divisões internas não
prejudiquem a campanha e apresentar uma plataforma que possa enfrentar a
retórica agressiva dos republicanos e as dificuldades econômicas e sociais que
o país enfrenta.
A decisão de Joe Biden
de não buscar a reeleição é um momento de redefinição para a política
americana. Essa virada destaca a importância de uma liderança adaptável e
responsiva às necessidades do momento, e coloca em foco a próxima geração de
líderes que moldarão o futuro do país. A habilidade do Partido Democrata de
navegar este período de transição e anunciar a nova chapa eleitoral do partido
será crucial para determinar seu sucesso nas eleições de 2024.
Ao mesmo tempo, o
debate sobre a renúncia de Joe Biden e suas implicações continuará a ressoar no
discurso político, influenciando a percepção pública e o curso da política
americana nos próximos meses. Com todos os olhos ao redor do mundo agora
totalmente voltados à corrida eleitoral dos Estados Unidos, surge a grande
pergunta: os democratas conseguirão realizar uma campanha bem sucedida contra
Donald Trump em tão poucos meses?
¨ Por que Obama ainda não endossou Kamala Harris
Entre os vários nomes
importantes do Partido Democrata que desde domingo (21/7) têm manifestado
publicamente apoio à vice-presidente americana, Kamala Harris, para ser a candidata do partido na eleição de 5 de novembro,
uma ausência é notada: a do ex-presidente
Barack Obama (2009-2017).
Logo após anunciar que havia decidido abandonar sua campanha pela reeleição, o presidente Joe Biden declarou
"total apoio e endosso" à vice para substituí-lo na disputa contra o
ex-presidente Donald Trump.
Desde então, Harris
foi rapidamente endossada por figuras como o ex-presidente Bill Clinton
(1993-2001) e a ex-secretária de Estado e candidata do partido em 2016, Hillary
Clinton, além de diversos congressistas no Senado e na Câmara.
Vários governadores
democratas também já manifestaram seu apoio a Harris, entre eles Gavin Newsom
(Califórnia), Gretchen Whitmer (Michigan), J.B. Pritzker (Illinois), Andy
Beshear (Kentucky), Wes Moore (Maryland), Josh Shapiro (Pennsylvania), Roy
Cooper (Carolina do Norte) e Tim Walz (Minnesota).
Na segunda-feira
(22/7), a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que mantém forte influência no
partido, declarou seu apoio "oficial, pessoal e político" a Harris.
"É com imenso
orgulho e otimismo ilimitado no futuro de nosso país que eu endosso a
vice-presidente Kamala Harris para presidente dos Estados Unidos", disse
Pelosi em um comunicado.
O ex-presidente Obama,
porém, não citou o nome de Harris em um tributo a Biden — que foi seu vice —
postado no domingo.
"Navegaremos em
águas desconhecidas nos próximos dias", ressaltou Obama. "Mas eu
tenho confiança extraordinária de que os líderes do nosso partido serão capazes
de criar um processo do qual emergirá um candidato excepcional."
Obama descreveu Biden
como "um dos presidentes mais importantes da América, bem como um querido
amigo e parceiro" e "um patriota do mais alto nível" e disse que
o presidente tinha "todo o direito de concorrer à reeleição e acabar o
trabalho que começou".
"Joe nunca
desistiu de uma luta", escreveu Obama. "Olhar para o cenário político
e decidir que deveria passar a tocha para um novo candidato é certamente uma
das coisas mais difíceis de sua vida."
"Acredito que a
visão de Joe Biden de uma América generosa, próspera e unida, que ofereça
oportunidades para todos, estará plenamente visível na Convenção Democrata, em
agosto. E espero que cada um de nós esteja preparado para levar essa mensagem
de esperança e progresso até novembro e além", disse o ex-presidente.
·
Cautela em relação a
apoio a candidatos
O silêncio do
ex-presidente em torno de Harris chamou a atenção, mas analistas políticos
lembram que Obama adotou posição semelhante nas eleições de 2020.
Na época, Obama
resistiu a pressões para que declarasse apoio oficial a Biden antes que o então
pré-candidato Bernie Sanders abandonasse a disputa pela indicação do partido.
"Barack Obama tem
sido bastante cauteloso ao longo de sua carreira em relação a apoio (a
candidatos), especialmente na disputa presidencial", diz à BBC News Brasil
o cientista político Michael Traugott, professor da Universidade de Michigan.
"Portanto, não
acho surpreendente que ele ainda não tenha apoiado Kamala Harris. Mas não tenho
dúvidas de que ele a apoiará totalmente quando sua nomeação for
formalizada", afirma.
Traugott lembra que
Harris ainda não é tecnicamente a candidata democrata e ressalta que isso só
poderá ocorrer quando os 4.672 delegados do partido votarem.
"Quer isso seja
feito em algumas semanas ou dentro de um mês, na convenção em Chicago, tenho
certeza de que a essa altura Obama apoiará totalmente a candidatura dela",
reforça.
O apoio recebido por
Harris até agora é importante, mas não garante sua candidatura, e é apenas um
primeiro passo no processo que irá definir quem enfrentará Trump nas urnas em
novembro.
Líderes democratas
planejam se reunir nesta semana para discutir detalhes sobre como esse processo
será feito.
Enquanto Harris já
conseguiu o endosso de diversas figuras influentes no partido, muitos
democratas preferem um processo competitivo na convenção nacional, que ocorre
de 19 a 22 de agosto, em Chicago.
Um dos argumentos
seria o de que um endosso muito rápido poderia atrair críticas de que a
possível escolha de Harris foi feita às pressas e alimentar dúvidas sobre suas
habilidades como candidata.
Em um post na rede
social X após o anúncio de Biden, Harris disse estar "honrada por ter o
endosso do presidente" e que sua intenção "é merecer e conquistar
essa indicação (para ser a candidata democrata)".
Também no domingo, a
campanha democrata atualizou formalmente seus registros junto à Comissão
Eleitoral Federal e renomeou seu principal comitê como "Harris para
Presidente".
Fonte: A Terra é
Redonda/BBC News Brasil
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