terça-feira, 23 de julho de 2024

A calma providencial de Haddad

Com o Congresso em recesso desde 18 de julho - e suas excelências deputados (as) e senadores (as) só retornam ao batente em 5 de agosto, depois de darem impulso a seus candidatos nas eleições municipais -, as próximas semanas (com o Judiciário também em recesso) terão as atenções voltadas para as ações do governo Lula, em especial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que divulga nesta 2ª feira, 22 de julho, junto com o relatório de receitas e despesas do 2º trimestre, o detalhamento de onde virá a contenção orçamentária de R$ 15 bilhões, antecipada na noite de 5ª feira para esvaziar as especulações com o dólar. Acompanho, desde os anos 60, os czares da economia no Brasil (Delfim, Simonsen, Malan e Paulo Guedes) e me surpreendo a cada dia com a tranquilidade e a eficiência do ministro Haddad para cumprir as promessas, de modo calmo e providencial, sem se abalar ou abalar os agitados mercados.

Segundo antecipou o ministro, R$ 11,8 bilhões serão bloqueados para respeitar o limite de despesas públicas para este ano, e os outros R$ 3,2 bilhões serão contingenciados para que a projeção de resultado primário do ano fique dentro da banda de tolerância da meta fiscal. Os dois mecanismos reduzem, na prática, os recursos disponíveis para gastos pelos ministérios. Para o Itaú, “as iniciativas para conter os gastos são vitais para evitar o rompimento do limite de gastos em 2024 e para sinalizar a sustentabilidade do quadro fiscal”. Mas o maior banco privado do país considera “necessário um congelamento orçamentário maior, de cerca de R$ 25 bilhões, idealmente R$ 30 bilhões, para que o governo cumpra a meta fiscal deste ano”.

O mercado financeiro tem sempre visto com ceticismo as medidas tomadas por Fernando Haddad para inverter a carga fiscal do país – revertendo o peso dos impostos indiretos no consumo, que onera os mais pobres e a classe média, e ampliando a tributação sobre aplicações financeiras de bilionários (fundos exclusivos no país que eram isentos de impostos) e milionários brasileiros que mantêm empresas “off-shores” no exterior. O Arcabouço Fiscal prometido por Haddad também focava na recuperação de impostos devidos por grandes empresas. Esta semana, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa de quase R$ 200 bilhões à União. O que terá forte impacto nas contas públicas. Mas o sistema financeiro, vale dizer, a Faria Lima, segue cobrando cortes nas despesas do governo para justificar as apostas contra o real.

O banco Itaú projeta um déficit primário de 0,6% do PIB para 2024 (R$ 75 bilhões) e de 0,9% do PIB para 2025 (R$ 105 bilhões). Em meio às elevadas incertezas fiscais, o real ficou pressionado durante a semana. Na 5ª feira (18), a moeda encerrou o dia cotada a R$ 5,58/dólar, e fechou na 6ª feira em R$ 5,60, com o dólar subindo em todo o mundo. Na semana anterior, fechou em R$ 5,43, depois de atingir recorde de R$ 5,70 no meio da semana.

O MMA de Trump...

O tom “paz e amor” do discurso lido no “teleprompter” por Donald Trump na convenção republicana no Milwaukee Arena, no Wisconsin, parecia obedecer ao “script”. O marqueteiro até rebaixou e desbastou o topete tradicional que denotava arrogância. Embora o ex-presidente estivesse mesmo emocionado por ter sobrevivido, por um triz, aos tiros de AR-15 disparados pelo jovem Thomas Matthew Crooks, que só atingiram sua orelha direita, mas a convocação do empresário do UFC (Ultimate Fighting Championship), Dana White, para fazer um dos principais discursos de saudação na arena, mais para o tom belicoso do calendário de MMA, sigla em inglês para a organização de Artes Marciais Mistas, revelou muito mais do que as aparências.

E ao fugir ao “teleprompter” e falar de improviso na segunda – e mais demorada parte do discurso – Trump, que convocou da plateia um famoso lutador de “telecatch”, só faltou vestir calção e botas de lutador para entrar no ringue. De terno e gravata, distribuiu uma saraivada de duras ameaças que ampliam em larga escala a convocação à luta que fez a seus apoiadores para invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 (ato que causou a morte de seis pessoas) para impedir, na marra, a diplomação do presidente eleito, Joe Biden, e da vice, Kamala Harris, pelo vice-presidente (e presidente do Congresso) Mike Pence. A história dirá, breve, se concorrerá contra Biden ou Harris.

Além de dizer que fará faxina no governo se eleito, retirando quadros que serviram a outras administrações, virou as costas para a globalização, prometendo impor pesadas barreiras tarifárias a produtos importados chineses e estrangeiros em geral, e compensar o aumento da arrecadação com redução de impostos para os ricos e empresas, e ainda prometeu fechar as fronteiras dos Estados Unidos à invasão de imigrantes (faria exceção aos ricos). O risco de, eleito, ignorar, como um ditador, o Congresso e o Judiciário, é alto.

Para fechar o rol de medidas de retrocesso tiradas do fundo do baú, disse que vai ignorar os protocolos ambientais (vale dizer o Acordo de Paris), para a redução das emissões de CO2, reativar os incentivos à indústria do petróleo e gás e, coroando o retrocesso na roda da história, proibir o ingresso de carros elétricos nos Estados Unidos. O curioso é que um dos alvos atingidos por essa medida é a fábrica de carros elétricos da Tesla na China, controlada por um dos seus principais apoiadores financeiros, o bilionário sul africano com cidadania americana Elon Musk. A Tesla, que nasceu na Califórnia e se mudou para a China sonhando produzir mais barato, perdeu competitividade para os fabricantes chineses altamente robotizados, e decidiu voltar aos EUA (no Texas). Pelo visto, há um jogo de cartas-marcadas entre Trump e Musk.

·        ...e o 'telecatch' de Maduro

Enquanto o pronunciamento solene e belicoso de Trump na Milwaukee Arena tinha clima de MMA, na véspera, em discurso na Venezuela, o ditador Nicolás Maduro, que corre atrás nas pesquisas eleitorais (de transparência duvidosa), apelou para um clima de “telecatch”. Em cenário de comédia pastelão, Maduro me lembrava o veterano e temido “Verdugo”, que acabava apanhando do “mocinho” Ted Boy Marino nos “telecatchs-marmeladas” das TVs nos anos 60, ao ameaçar que, se for derrotado, a Venezuela poderá mergulhar, no futuro, em um “banho de sangue”. Espero que em 28 de julho vença a Democracia.

·        ZFM é pedra no sapato da Reforma Tributária

Um estudo do Banco Mundial do ano passado apontou as distorções que a Zona Franca de Manaus produz na vida brasileira. Criada em 1967, o regime de incentivos fiscais, que foi prorrogado por mais 50 anos (!) não se limita só a Manaus (7ª capital brasileira, com mais de 2 milhões de habitantes). Ele se estende a duas cidades do Amazonas (Tabatinga e Itacoatiara) e aos estados de Roraima, Acre, Rondônia e a duas cidades do Amapá (Macapá e Santana). A presença de um time de três senadores em cada bancada destes cinco estados forma um esquadrão de 15 senadores capitaneados pelos poderosos David Alcolumbre (do União-AP e futuro presidente do Senado) e Eduardo Braga (MDB-AM), com apoio das bancadas de deputados federais. No ano passado, o país abriu mão de R$ 30 bilhões em incentivos fiscais para empreendimentos locais. Falta transparência para medir a eficiência da renúncia fiscal.

Há de tudo, desde benefícios para a produção de carros, motos aparelhos eletroeletrônicos e celulares, a incentivos para as multinacionais dos refrigerantes (como Coca-Cola e Ambev) produzirem em Manaus os concentrados de refrigerantes (xarope) para distribuição para engarrafadores de todo o Brasil. O país levou um susto há duas semanas com os alertas de que os pães de forma contêm álcool (pela fermentação), mas é sabido que em dupla com os pães de forma e outros alimentos processados com alto teor de gordura trans e sódio, os refrigerantes são vilões que conduzem a população para a obesidade que gera grandes problemas de saúde e onera as redes do SUS com filas e despesas financeiras desnecessárias.

A aprovação da PL 68/2024 pela Câmara dos Deputados promete aumentar benefícios fiscais, ao ampliar as disparidades no mercado de refrigerantes. Era de se esperar que o adiamento das decisões no Senado para agosto permitisse tempo para um estudo mais racional. Mas há uma teia de interesses que permite o passeio de quase R$ 10 bilhões em notas fiscais frias da ZFM para outros estados do país. Nos refrigerantes, a bancada dos refrigerantes no Senado está desfalcada do ex-senador Tasso Jereissati, um dos maiores engarrafadores de Coca-Cola do mundo, que atua em mais de 10 estados. Mas o “lobby” segue forte até na discussão de mais ou menos açúcar nas bebidas.

¨      Lula enfatiza a volta da política de correção do salário mínimo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve um encontro com representantes de 70 organizações de movimentos sociais, populares e sindicais na tarde desta sexta-feira, 19 julho, em São Paulo. Na conversa com integrantes da sociedade civil organizada que representam entidades conectadas ao ambiente urbano e rural, o presidente fez um balanço dos quase 19 meses de gestão do Governo Federal.

Lula ressaltou a retomada de programas sociais importantes, enfatizou a volta da política de correção do salário mínimo, o aumento da faixa de isenção do imposto de renda e o momento econômico promissor, com o mercado de trabalho formal com os melhores resultados dos últimos dez anos, o desemprego em baixa e a inflação controlada. "Para fechar a sexta-feira, um encontro com lideranças dos movimentos sociais para ouvir as demandas de cada segmento. Obrigado pela recepção, companheiros e companheiras", escreveu o presidente em seu perfil na rede social X.

Segundo o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, foi um momento de reforçar a importância estratégica da participação social na formulação e condução de políticas e de enfatizar o diálogo permanente do Governo Federal. "Um capítulo importante das mudanças que estamos fazendo no Brasil", disse o ministro.

PAUTA ATENDIDA

Juvandia Moreira, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), lembrou que movimentos representativos da classe trabalhadora entregaram uma pauta de reivindicações ao governo no início da gestão e que foi significativo identificar que muitas das ações já foram implementadas pelo Governo Federal. "A política de valorização do salário mínimo, a ênfase em recuperar o mercado de trabalho, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda são conquistas que mostram que o governo atendeu e respeitou nossas reivindicações", disse, enfatizando que as medidas são essenciais para jovens, estudantes, negros, negras, do campo e da cidade.

CONJUNTURA POLÍTICA

Para João Paulo Rodrigues, representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o encontro foi um momento de discutir conjuntura política, avanços sociais e reivindicações das organizações sociais. "Encontramos um presidente super otimista. Ele nos falou das políticas, da herança, das dificuldades de composições e ajustes para aprovar os projetos no Congresso. E está tranquilo de que o governo será tão bom quanto os passados dele", afirmou, reforçando que ficou acertado com o Governo Federal a realização de novos encontros para acompanhar os avanços da gestão nos próximos meses.

 

¨      Conflitos de repertório. Por Antonio Machado

As últimas semanas têm sido pródigas em situações de dissonância cognitiva no coração da governança da macroeconomia. O presidente Lula voltou a dar entrevistas frequentes e, em todas, não esconde a vontade de exaltar as maravilhas da economia, ao mesmo tempo em que se obriga a não exceder o seu entusiasmo para não desautorizar o discurso de austeridade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Economia puxada há mais de quatro décadas pelo consumo mantido de forma crescente a duras penas, já que dependente de transferências de renda do orçamento federal em grande parte de curso obrigatório e indexada à inflação, cada governante eleito adia a discussão que se faz necessária sobre a qualidade da política econômica. E o faz ou por desconhecer as soluções ou por temer mudanças.

Compreende-se a angústia dos governantes e políticos ao tratar da austeridade fiscal cobrada, sobretudo, pelos detentores de papéis da dívida pública, o tal “mercado financeiro”, ou “farialimers”.

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Do total de 176 milhões de pessoas ativas no país, das quais 109 milhões na força de trabalho, mais de 80 milhões recebem recursos públicos todos os meses, a maioria de programas sociais como Bolsa Família, BPC, INSS, seguro-defeso, além de 12 milhões de funcionários do setor público. Sai desses dinheiros boa parte do movimento total da demanda, que representa cerca de 60% do PIB.

Os governos que tentaram pôr a mão nesse vespeiro o fizeram meio sem fazer. Temer impôs o teto de gasto federal na Constituição com apoio do Congresso. Bolsonaro passou quatro anos sem reajustar o funcionalismo e sem aumento real do salário mínimo. Lula pôs fim ao teto de gasto, outra vez com apoio do Congresso, trocado pelo tal “arcabouço fiscal”, que permite ao governo gastar algo mais, desde que o déficit anual não exceda 0,25% do PIB e tenda a zero.

Mas alto lá, que ninguém bate a cabeça na parede até sangrar. Na partida do teto, Temer aprovou aumentos salariais do funcionalismo – e Bolsonaro excluiu militares de restrições fiscais e se tornou subitamente populista, ao elevar a R$ 600/mês o Bolsa Família na véspera da eleição em 2022. Lula manteve e expandiu o pagamento.

E vamos, assim, inchando o gasto público, que definha o PIB – o desafio que direita e esquerda não se apresentam para resolver.

·        Excessos improdutivos

Esse é um balanço de soma zero. Se o consumo é mantido ou cresce como proporção do PIB (produto interno bruto), que por sua vez não avança pelo baixo dinamismo do investimento, o gasto obrigatório, representando 92% da LOA (lei orçamentária anual), é compensado pelo corte das rubricas deixadas ao arbítrio do governante.

Como a compensação orçamentária para evitar o acumulo de déficits recorrentes é sempre imperfeita mais devido a razões políticas que técnicas, as despesas excedentes às receitas são financiadas com a emissão de papéis de dívida do Tesouro Nacional. Sem problema se o recurso for usado com parcimônia, e, em especial, se o gasto não bancado por arrecadação tributária impelir investimento que cresça a base produtiva e sua produtividade, entre energia, transportes, processamento de dados, educação técnica etc.

Só que não tem sido assim. O excesso de gasto é em transferências que visam compensar a falta de empregos formais no setor produtivo e em custeios de má governança das atividades típicas de Estado e em sua administração. O que vai à faca dos ditos “ajustes fiscais” é o já parco dinheiro do investimento da LOA para obras públicas, o que impacta o crescimento e não alivia o investimento privado.

·        Entretenimento ensaiado

Os governantes desconhecem este quadro? Não, conhecem bem, mas ou por se sentirem impotentes ou por não lhes dar importância, apelam à ajuda de marqueteiros para construir narrativas convincentes.

O repertório de Lula é o de “levantador do PIB”; o do ministro da Fazenda é o do bom moço aflito com a dívida no banco. À exceção de Fernando Henrique, solidário com o ministro Pedro Malan nas bolas quadradas, os demais recorreram ao “nada a declarar”. Lula, não: comprou a briga entre gastar, que “é vida”, segundo sua ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente Dilma Rousseff, e gastar menos, como lhe pede Haddad no contraponto ensaiado para agradar farialimers.

Por ora tem funcionado, mas como uma boa narrativa requer vilão e culpados, ou o distração não funciona, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e a Selic elevada entraram no enredo. Ele deu motivos, ao aceitar ser homenageado pelos discípulos de Bolsonaro, que o indicou como primeiro chefe do BC com autonomia formal.

Nada disso fará o juro baixar, o gasto diminuir, a arrecadação de impostos crescer, o investimento produtivo bombar. Mas os memes da oposição e do governismo elevam o faturamento das redes sociais.

·        O debate interditado

Uma discussão para valer deveria assumir não o risco de solvência fiscal, que não existe, mas a qualidade da governança do setor público. Essa à reforma que importa. Discutir sobreposições, como a Constituição delimitar educação, saúde e segurança a estados e municípios, e o orçamento federal ser acionado para pagar a conta.

É preciso entender que o papelório do Tesouro absorve o grosso da tesouraria da banca, vitaminada pelo caixa de empresas e pessoas, levando a minguar o dinheiro alocado ao crédito e ao investimento.

É esse empoçamento que fortalece o poder dos traders de papéis da dívida pública, implicando taxas de juros sem paralelo no mundo, fruto do dinheiro tornado escasso – lato sensu, impagáveis.

É atentar para as grandes empresas de concessões, todas de fundos sem que nenhum tenha controle nem tenha expertise na área. Mais da metade da capitalização vem de fundos abertos, sujeitos, portanto, a saques devido às oscilações de mercado.

Tais estruturas de capital são precárias, estão no limite de seus balanços e só entrarão em novas licitações com funding barato e de longo prazo do BNDES ou com captações de investidores externos.

Os sinais todos são de exaustão fiscal, como o de transferências de renda, não por si, porque necessárias, mas por compensar e bem parcialmente a falta do dinamismo gerador de bons empregos. Só uma política econômica voltada à oferta dará conta. E juros em níveis iguais aos cobrados no mundo serão o detonador do processo. Até lá seremos entretidos com narrativas, memes e broncas ensaiadas.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB/Jornal GGN

 

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