Isenções fiscais: Assim o “mercado” drena o
Brasil
Pelas regras da
política de benefícios fiscais vigentes no Brasil alguns setores ficam isentos,
ou pagam menos impostos, por determinado período, normalmente assumindo em
termos genéricos, contrapartidas, como a realização de investimentos. Estes
devem produzir benefícios para a região escolhida, gerando empregos,
tecnologia, atraindo outros investimentos etc., gerando assim um círculo
virtuoso. Ou seja, a ideia da renúncia fiscal é atrair um volume de benefícios
socioeconômicos para determinada região, de magnitude superior à perda de
arrecadação do ente estatal em função da isenção. A rigor qualquer renúncia
fiscal autorizada deveria ser precedida por um estudo econômico que indicasse
os seus prováveis efeitos socioeconômicos na região impactada. Mas muitas vezes
não é isso que acontece.
Segundo levantamento
da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil), que em junho último publicou uma atualização do seu estudo sobre a
questão, a renúncia fiscal da União em 2024 chegará a quase R$ 790 bilhões. No
estudo esse valor inclui renúncias instituídas ao longo das últimas décadas,
além de impostos que, apesar de previstos, não foram regulamentados. Conforme o
levantamento, o valor de renúncia fiscal para este ano aumentou 46,9% em
relação ao valor das isenções de 2023 (R$ 537,5 bilhões). O total considerado
pela Unafisco inclui todas as isenções, anistias, remissões, subsídios e
benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, conforme os dados
do Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT) da União.
No estudo, a entidade
qualifica como privilégios tributários, as renúncias fiscais concedidas sem
contrapartida adequada e comprovada para o desenvolvimento econômico
sustentável ou a redução das desigualdades sociais. Segundo a Unafisco, os
principais privilégios tributários no país seriam:
<><>
1.Isenção dos Lucros e Dividendos Distribuídos por Pessoa Jurídica. Total
renunciado: R$ 160,1 bilhões;
<><> 2.Não
Instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Total renunciado: R$ 76,46
bilhões;
<><>
3.Benefícios da Zona Franca de Manaus. Total renunciado: R$ 30,99 bilhões;
<><> 4.
Programas de Parcelamentos Especiais (Refis). Total renunciado: R$ 29,37
bilhões;
<><>
5.Simples Nacional. Total renunciado: R$ 125,36 bilhões. Segundo a Unafisco,
embora este valor esteja sendo considerado parcialmente um privilégio, é um
incentivo relevante para micros e pequenas empresas. A crítica aqui é a de que
algumas empresas com faturamento alto, que não geram empregos, pegam carona no
Simples;
<><>
6.Desoneração da Cesta Básica. Total renunciado: R$ 38,99 bilhões (parcialmente
considerado privilégio). Segundo o estudo, a desoneração da cesta básica é
também considerada privilégio, em parte, pois beneficia empresas com maior
capacidade contributiva, que se aproveitam da brecha fiscal;
<><>
7.Benefícios para Entidades Filantrópicas. Total renunciado: R$ 19,75 bilhões;
<><>
8.Benefícios concedidos à SUDENE e SUDAM. Total renunciado: R$ 23,58 bilhões
(SUDENE) e R$ 15,42 bilhões (SUDAM). Para a Unafisco, esses benefícios são
enquadrados como privilégios porque não existe a comprovação devida de geração
de empregos nas localidades atingidas;
<><>
9.Benefícios para Produtos Químicos e Farmacêuticos. Total renunciado: R$ 10,80
bilhões. Aqui também, os benefícios fiscais concedidos são tidos como
privilégios por falta de comprovação de contrapartidas socioeconômicas
adequadas.
Segundo o estudo,
entre janeiro de 2012 e dezembro de 2023, as isenções cresceram 212,44%. Como,
no que se refere a orçamento público, não existe milagres, o crescimento das
isenções tem como contrapartida a redução de investimentos federais em outras
áreas chaves. Por exemplo, o investimento do governo federal em “Gestão de
Risco e Desastres” reduziu 5,44% no mesmo período apontado, entre 2012 e 2023.
Um dos problemas
centrais dessa política de isenções crescentes e pouco debatidas pela
sociedade, é que uma boa parte das renúncias corresponde a impostos que
financiam a Previdência Social. Informações do Tribunal de Contas da União
(TCU) dão conta que em 2023, as isenções subtraíram da previdência nada menos
que R$ 274 bilhões em receitas. O TCU observa que, considerando PIS/Cofins e a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a renúncia fiscal chegou a R$
274 bilhões no ano passado. Esses tributos, mais as contribuições de empresas e
trabalhadores ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), são as fontes de
receita mais significativas para a Seguridade Social. Essa política representa
uma verdadeira brincadeira na beira do abismo, em função da centralidade e da
importância da Seguridade Social no Brasil.
A Seguridade Social
brasileira acaba impactando a vida de cerca de 150 milhões de brasileiros, ou
mais, direta ou indiretamente. Seguridade Social não é só Previdência, mas
abrange Saúde e Assistência Social, áreas vitais para a sobrevivência da
população, especialmente a mais pobre. O sistema previdenciário brasileiro paga
todo mês cerca de 39,5 milhões de benefícios e representa uma injeção de mais
de R$ 70 bilhões mensais na economia do país, o que é fundamental para o
mercado consumidor interno. Quase 70% dos municípios brasileiros tem como
principal renda, os benefícios pagos pelo INSS.
Essas informações são
muito importantes porque já está se falando em realizar nova “reforma” da
previdência dentro de dois ou três anos, supostamente para “garantir a
sustentabilidade” do sistema. Ou seja, ao mesmo tempo em que quase não se fala
da escalada absurda das isenções fiscais no país nos últimos anos, vai se
intensificando uma campanha contra o “déficit” da previdência social (com
diagnóstico falacioso) e aos gastos sociais em geral. Como já ocorreu em outros
períodos, algumas matérias na mídia corporativa comparam a previdência social a
uma “bomba relógio”, em função dos benefícios e aposentadorias concedidas.
Porém, essa discussão nem menciona o impacto das isenções fiscais sobre a
arrecadação da Seguridade Social. Outras análises propõem o fim dos atuais
pisos de gastos para a Saúde e a Educação.
Alguns críticos estão
questionando inclusive a vinculação do reajuste do salário-mínimo com
benefícios como BPC (Benefício de Prestação Continuada), abono salarial e
seguro-desemprego, direitos históricos da população brasileira. O debate é
realizado fora de contexto e sem levar em conta a importância desses gastos
para atenuar a extrema concentração de renda, e para a própria alimentação do
mercado consumidor interno, essencial para qualquer país. Uma comprovação de
que essa discussão sobre o déficit da previdência, que é realizada de forma
superficial e enganosa, tem objetivos inconfessáveis, é que não se menciona o
problema dos gastos bilionários a cada ano, com a dívida pública. A “crise
fiscal”, que uma parte da grande imprensa tanto alardeia, claramente, está
sendo fabricada com objetivos políticos, em um ano em que a previsão de déficit
primário, por parte de todos os especialistas, é zero.
A associação dos
gastos com saúde, educação e bolsa família, ao déficit público, exerce ainda
uma outra função fundamental, que é encobrir o problema central das contas
nacionais: os gastos com a dívida pública. A Lei Orçamentária (LOA) de 2024
prevê despesas de R$ 5,5 trilhões. No entanto, a parte do leão é para o
refinanciamento da dívida pública. Com esta rubrica, a previsão da LOA é que
sejam gastos com a rolagem da dívida R$ 2,4 trilhões neste ano.
Enquanto com a
previdência social, segundo maior gasto do governo federal, deverão ser
investidos R$ 935 bilhões neste ano, com a rolagem da dívida serão
comprometidos nada menos que 44% do orçamento federal. O gasto com juros
previsto na LOA é de R$ 436 bilhões (está subestimado), mas a chamada rolagem
da dívida, isto é o seu refinanciamento, irá alcançar 44% do orçamento federal.
Na rolagem da dívida, o governo emite novos títulos, paga os juros e resgates
com o dinheiro captado e assume uma nova dívida com novos prazos e condições. O
total dos títulos que continuam em aberto, ou seja, que ainda não foram
resgatados, compõem o “estoque” da dívida, formado pelo conjunto de obrigações
assumidos ao longo do tempo, inclusive, por governos anteriores.
Os juros nominais do
setor público consolidado, no acumulado em doze meses até maio, chegaram a
R$781,6 bilhões (7,04% do PIB). Fala-se em pagamento de juros e amortizações,
mas, apesar da fábula de dinheiro que é paga todo ano, a dívida só cresce. Ou
seja, amortização da dívida não passa de um sonho. A Dívida Bruta – que abrange
Governo Federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu 76,8% do PIB,
e equivalente a R$8,5 trilhões.
Os credores preservam
esse estoque de dívida porque eles representam uma verdadeira galinha dos ovos
de ouro. Não lhes interessa que a dívida seja paga. Os gastos com juros da
dívida em 12 meses descritos acima equivalem a mais de 83% dos gastos previstos
com a previdência para 2024. Com uma diferença crucial: os gastos com a
previdência social são fundamentais para cerca de 150 milhões de brasileiros
(direta e indiretamente); os gastos com a dívida pública é dinheiro jogado
fora: vai para o bolso de especuladores que não agregam nada à geração de valor
no país. Com o detalhe nada banal de que boa parte da dívida é ilegal, o seu
pagamento é completamente irregular, conforme comprovam os estudos da Auditoria
da Dívida Pública.
A dívida pública é um
sistema de drenagem de recursos públicos do Brasil, legalizado e com total
cobertura da grande imprensa. Uma breve análise do problema evidencia que esse
é o nó das contas públicas no país. Super ricos, com bilhões de reais no mercado
financeiro, e que se privilegiam da segunda maior taxa de juros reais do
planeta (em torno de 8%), são os mesmos que estão propondo o fim da política de
reajuste do salário-mínimo vinculado à evolução do PIB. O discurso hipócrita de
todos os conservadores da política e da economia é o mesmo: estão muito
“preocupados com a situação fiscal do país”.
• Lula defende corte bilionário no
Orçamento e critica BC
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva destacou, em entrevista nesta segunda-feira afirmou que o
governo está preparado para fazer congelamentos orçamentários sempre que
necessário.
“Sempre que precisar
bloquear nós vamos bloquear”, declarou Lula durante um encontro com jornalistas
de agências internacionais no Palácio da Alvorada.
Na conversa, Lula
mencionou o recente bloqueio de 15 bilhões de reais no orçamento de 2024,
enfatizando que esta não foi a primeira vez que tais medidas foram necessárias.
Ele alertou que
exceder as receitas pode levar o país a uma situação financeira crítica.
“Se gastar mais do que
arrecada, o país vai quebrar”, explicou, acrescentando que a necessidade de
futuros cortes dependerá diretamente do desempenho da arrecadação.
Além das questões
fiscais, o presidente teceu críticas ao presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, cujo mandato se encerra em dezembro deste ano.
Lula expressou
descontentamento com a atual liderança do Banco Central e sinalizou que a
escolha do próximo presidente da instituição será criteriosa.
“Eu espero que a gente
encontre uma pessoa que seja, do ponto de vista técnico, muito competente;
seja, do ponto de vista político, muito honesto e muito sério; e que seja uma
pessoa que efetivamente ganhe autonomia pela sua respeitabilidade, pelo seu comportamento”,
disse.
Lula também reiterou
sua posição contrária à autonomia do Banco Central, questionando a eficácia da
autonomia sob a gestão de Campos Neto em comparação com Henrique Meirelles, que
foi presidente do Banco durante seus primeiros mandatos (2003-2010).
Ele questionou a
postura de Campos Neto em relação aos aumentos salariais para as camadas mais
humildes da população.
“Como pode um rapaz
que se diz autônomo, presidente do Banco Central, estar incomodado com o fato
do povo mais humilde estar ganhando aumento de salário?”, indagou o presidente.
Fonte: Por José Álvaro
de Lima Cardoso, em Outras Palavras/O Cafezinho
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