Estudo vê chance de recuperação de meio
milhão de hectares de caatinga
Um levantamento feito
pela fundação holandesa IDH, com apoio do instituto de pesquisa WRI Brasil,
mostra que há, pelo menos, meio milhão de hectares de caatinga com potencial de
restauração. Segundo o estudo, divulgado nesta terça-feira (23), em São Paulo,
as áreas ficam no Cariri Ocidental, na Paraíba; no Sertão do Pajeú, em
Pernambuco; e no Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte.
A pesquisa destaca que
a vegetação nativa restaurada poderá
oferecer oportunidades econômicas sustentáveis, proporcionando renda e empregos
para as populações locais. Entre outros benefícios, a restauração da mata local
traria regulação hídrica, estabilização do solo e controle da erosão.
“A conservação e a
restauração da paisagem na caatinga são cruciais para a resiliência climática,
a segurança hídrica e a sobrevivência de suas comunidades”, diz a coordenadora
de projetos do WRI Brasil e uma das autoras do trabalho, Luciana Alves.
Os arranjos de
restauração mais indicados para os territórios analisados são o Sistema
AgroFlorestal (SAF) forrageiro, tendo a palma forrageira (Opuntia fícus-indica)
como espécie principal; o SAF Melífero, focado em espécies para apicultura e
meliponicultura; o SAF Frutífero, combinando árvores com espécies frutíferas,
forrageiras e agrícolas; a Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) de
caprinocultura com produção de forragem e árvores; a Regeneração Natural
Assistida (RNA); a Restauração Ativa, com plantio de mudas e sementes; e a
Restauração Hidroambiental, baseada em intervenções para reverter a degradação
e restaurar solo e vegetação, indica a
pesquisa.
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Recursos internacionais
“Pela forte
intersecção com a agenda climática, a restauração da caatinga poderá se
beneficiar significativamente de recursos internacionais e privados destinados
ao fortalecimento dessa agenda”, destaca Luciana.
Dos seis biomas que
ocupam o território nacional, a caatinga é o único exclusivamente brasileiro.
Ocupando aproximadamente 850 mil quilômetros quadrados, é a região do semiárido
mais densamente povoada do mundo porque aproximadamente 27 milhões de pessoas
vivem nela.
Em junho deste ano, o
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) anunciou a seleção de 12
projetos prioritários para a criação de unidades de conservação federais no
bioma caatinga, a serem implantadas até 2026, que resultarão no aumento de mais
de um milhão de hectares das áreas protegidas.
• Desmatamento da Amazônia é mais
impactado pelo centro-sul do que pelas exportações
A Amazônia Legal
Brasileira (ALB) – que compreende toda a parte da Bacia Amazônica situada no
Brasil e vastas porções adjacentes do Cerrado, estendendo-se por nove Estados –
soma mais de 5 milhões de quilômetros quadrados (km2) e corresponde a quase 60%
do território nacional. Atualmente, 23% dessa área já foi desmatada e mais de 1
milhão de km2 encontram-se degradados, colocando a região em risco de atingir
um ponto de inflexão ecológica que poderia colapsar os ecossistemas e liberar
bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Algumas regiões da ALB,
especialmente nas franjas do Cerrado e no chamado “Arco do Desmatamento”, já
são emissoras líquidas de carbono. A manutenção da área preservada e a
recuperação de porções degradadas são necessidades urgentes, que mobilizam
diferentes atores da comunidade global.
A demanda estrangeira
por commodities é frequentemente considerada a motivação principal do
desmatamento. Mas, embora esta constitua um fator muito relevante, os mercados
domésticos exercem pressão ainda maior. Foi o que constatou um estudo realizado
por Eduardo Haddad e colaboradores, publicado na revista Nature Sustainability.
“O desmatamento é
frequentemente avaliado a partir da perspectiva da oferta, ou seja, quais
setores produtivos estão promovendo a substituição das florestas por outros
usos da terra, como agricultura e pecuária. A metodologia que adotamos permite
ver o fenômeno do desmatamento também a partir da perspectiva da demanda,
identificando as fontes de estímulos econômicos para que os setores produtivos
se envolvam no desmatamento. Com base nesse critério, nosso estudo mostrou que
83,17% do desmatamento foi desencadeado por demandas de fora da Amazônia e
apenas 16,83% por demandas da própria região. Na composição dos 83,17%,
verificamos que 59,68% foram decorrentes de demandas do restante do Brasil e
23,49% de demandas do comércio internacional”, relata Haddad.
O pesquisador é
professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e
Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e consultor de agências
internacionais de desenvolvimento, como o Banco Mundial (BM), Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Joint Africa Institute (JAI).
A metodologia adotada
no estudo baseou-se principalmente na chamada Matriz de Insumo-Produto (MIP).
Criada pelo russo naturalizado norte-americano Wassily Leontief (1906-1999), a
MIP (Input-Output Matrix, em inglês) representa matricialmente as relações entre
os diversos setores da economia, registrando os fluxos de bens e serviços e
possibilitando conhecer os impactos que as alterações em um setor produzem nos
outros.
“No Brasil, a MIP mais
recente foi feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]
em 2015. Devido à complexidade matemática e à restrição de acesso aos dados de
milhões de empresas e suas estruturas comerciais, não houve atualização depois
disso. Usar dados de 2015 poderia ser inadequado se não fosse pelo fato de que,
infelizmente, a estrutura da economia brasileira mudou muito pouco desde então.
A década de 2010 foi a pior na série histórica de 120 anos do Produto Interno
Bruto do país, com crescimento de apenas 0,3% ao ano. Por isso, utilizamos a
MIP de 2015 adaptada para a Amazônia Legal Brasileira, combinada com dados
setoriais e regionais de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa,
para medir os impactos diretos e indiretos da demanda doméstica e internacional
por insumos e produtos finais da ALB, com foco em setores intensivos em
desmatamento, como a agricultura e a pecuária”, explica Haddad.
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Mudanças no uso da terra
A Amazônia passou por
enormes transformações no último meio século. Inovações técnicas, investimentos
em infraestrutura e mudanças políticas facilitaram a expansão do cultivo de
soja: da região central do Cerrado para vastos segmentos da ALB. A produção local
de soja, que era inferior a 200 toneladas em 1974, representando apenas 0,02%
do montante nacional, alcançou 50 milhões de toneladas em 2022, 41,5% do total
brasileiro. Igualmente vertiginoso foi o crescimento da pecuária: de 8,9
milhões de cabeças de gado em 1974 (9,5% do rebanho brasileiro) para 104,3
milhões de cabeças em 2022 (44,5% do total).
“A expansão da
pecuária atendeu principalmente ao crescimento do consumo de carne, produtos
lácteos e couro em outras regiões do país. Impulsionado pelo aumento da renda
média per capita e pela rápida urbanização, o consumo de carne no Brasil subiu
acima da média global após os anos 1960. Dos 1,4 milhão de hectares desmatados
pela pecuária, 61,63% visaram atender, direta ou indiretamente, à demanda
interna de fora da Amazônia e 21,06% à demanda internacional. O desmatamento
por atividades agrícolas mostra um padrão diferente, com 58,38% atendendo à
exportação e 41,62 ao mercado interno”, informa Haddad.
O estudo ressalta que,
apesar de afetar diferentes biomas da Amazônia Legal, o desmatamento ocorrido
até agora no Brasil se concentrou geograficamente nessa região. Em 2015, a ALB
respondia por 65,7% do total do desmatamento acumulado no país. A pecuária foi
a principal causa imediata (93,4% do total regional), seguida pela produção
agrícola, principalmente de soja, milho e algodão (6,4%), e pela mineração
(0,2%). A construção de infraestrutura e o processo intensivo de urbanização
também fazem parte dos fatores antrópicos diretamente ligados à eliminação ou à
degradação da cobertura vegetal original da Floresta Amazônica e do Cerrado.
“Atividades ilegais,
como a grilagem de terras, são muito relevantes no contexto. Um estudo recente
mostrou que metade do desmatamento da ALB nas últimas duas décadas ocorreu em
terras públicas ocupadas ilegalmente por grileiros. Disputas legais têm levado
décadas e não impedem que a maioria das áreas ilegais ou do desmatamento ilegal
em propriedades privadas participe tanto do mercado de terras quanto do
processo de produção”, acrescenta Haddad.
O estudo em pauta
demonstra que a demanda econômica originada no centro-sul mais desenvolvido do
Brasil impõe uma pressão ainda maior sobre o desmatamento na Amazônia do que as
exportações internacionais. Esse conhecimento é muito relevante para orientar
políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para preservação ou
regeneração. E, como as mudanças no uso da terra, por meio da pecuária e da
agricultura, continuam sendo as principais fontes de emissões de dióxido de
carbono (CO2) no Brasil, o controle do desmatamento e da degradação torna-se
imperativo para que o país possa cumprir suas metas de redução de emissões de
gases de efeito estufa.
• Número de indígenas assassinados no
Brasil subiu 15% em 2023
Em 2023, primeiro ano
do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, 208 indígenas foram assassinados no
Brasil. O número é 15,5% maior em relação ao ano anterior, o último de Jair
Bolsonaro na Presidência da República, quando 180 indígenas foram mortos.
Os dados são do
relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado nessa
segunda-feira (22/07) pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Como em anos
anteriores, os estados que registraram o maior número de assassinatos foram
Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36), que representam 39% do
total.
"O conselho lança
esse relatório com profundo pesar", afirmou o presidente do Cimi e
arcebispo de Manaus (AM), Leonardo Steiner, na apresentação do documento.
"O ano de 2023
iniciou com grandes expectativas em relação à política indigenista do terceiro
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não apenas porque a nova
gestão sucedeu um governo abertamente anti-indígena, mas também porque o tema
assumiu centralidade nos discursos e anúncios feitos pelo novo mandatário desde
a campanha eleitoral", destaca o conselho.
O relatório cita a
criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI), à nomeação de
representantes de diferentes etnias para postos importantes, como o próprio
MPI, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Secretaria de Saúde
Indígena (Sesai), e a declaração de Emergência Nacional de Saúde na Terra
Indígena Yanomami, com a subsequente operação de retirada de não-indígenas,
sobretudo garimpeiros, da reserva.
As mortes por
desassistência à saúde mais que dobraram, com 111 casos registrados, ante 40 no
ano passado. O indicador faz parte da categoria de omissão do poder público,
que também aumentou na comparação entre o último ano de Bolsonaro e o primeiro
de Lula.
As mortes infantis,
também nesse grupo, somam óbitos de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade,
que chegaram a 1.040 em 2023. A maior parte desses óbitos foi considerada
evitável pelo Cimi, por estarem relacionadas a ações de saúde.
As disputas em torno
dos direitos indígenas representaram um cenário de continuidade das violências
e violações contra os povos originários e seus territórios em 2023.
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Impasses e contradições na política indigenista
O relatório sublinha
que o primeiro ano do novo governo federal foi marcado pela retomada de ações
de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas, mas
que "a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades
permaneceram insuficientes".
Isso favoreceu a
continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades e a
manutenção de altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade na
infância nessa população, diz o relatório.
No primeiro ano da
atual gestão, oito terras indígenas foram homologadas, número inferior ao
esperado, diz o Cimi.
"A disposição do
governo federal em explorar petróleo na foz do Amazonas, a priorização
orçamentária ao agronegócio e o apoio a grandes projetos de infraestrutura e de
exploração minerária em conflito com povos indígenas, como a ferrovia
'Ferrogrão' e as investidas de empresas estrangeiras sobre o território Mura,
no Amazonas, também compuseram este cenário", aponta a entidade.
O Cimi também critica
a atuação do Legislativo contra a garantia de direitos dos indígenas. No ano
passado, mesmo após entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) contrário à
tese, o Congresso Nacional incluiu em lei o marco temporal para demarcação de
terras indígenas.
Assim, os povos
indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam
em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Na prática, a
medida "busca inviabilizar novas demarcações e abrir as terras já
demarcadas para a exploração econômica predatória", diz o conselho.
Fonte: Agencia
Brasil/Agencia Fapesp/Deutsche Welle
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