Brasil e Índia: as conexões emergentes
Apesar do crescimento
recente na relação bilateral Brasil-Índia, o relacionamento entre as
nações antecede a independência de ambas, mesmo que de maneira informal. Oficialmente, as relações
diplomáticas entre o Brasil e a Índia foram estabelecidas em 1948. Os esforços
dos dois países na cooperação multilateral materializaram-se em relações
exteriores importantes, como a ampliação das trocas comerciais e a criação de
órgãos como o IBAS (Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul) em 2003 e,
posteriormente, o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que passou a se chamar
BRICS com a adesão da África do Sul ao grupo.
Par e
passo as constantes crises econômicas ao
redor do mundo, a Índia mantém um forte crescimento econômico – sinalizado
pelos altos índices de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), pelo aumento da
renda real por pessoa, pela moderação das taxas de inflação e pelo
significativo crescimento das vendas de produtos e serviços para o exterior
– e deverá se tornar a terceira maior economia do mundo até 2027, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
A Índia passou por
importantes reformas nas décadas de 1980 e 1990, que abrangeram aspectos da
política comercial, cambial, industrial e incorporaram novas regras para os
Investimentos Estrangeiros Diretos (IED’s), para o setor financeiro e para o
mercado de capitais. Os primeiros resultados se deram a partir do aumento
massivo dos investimentos estrangeiros, o que dinamizou o desenvolvimento
econômico indiano ainda nos primeiros anos pós-reformas.
No entanto, não há
como atribuir o contínuo sucesso da Índia apenas às reformas econômicas aqui
abordadas. Embora estas tenham propiciado uma ascensão na capacidade
competitiva e produtiva do país, na tese do economista André Nassif foi o uso
estratégico do aparato estatal para viabilizar uma integração internacional de
longo prazo que foi decisiva em questões referentes ao desenvolvimento
econômico e social, manifestado, na prática, a coordenação das políticas
macroeconômicas com enfoque nas flutuações cíclicas e na estabilidade do nível
geral de preços – que evidencia a natureza da política monetária, fiscal e
cambial.
O crescimento médio de
7% ao ano na última década transfigura a Índia como uma das economias que mais
crescem no mundo. Diante disso, o mercado de consumo indiano carrega a aposta
de se tornar o próximo motor econômico global. Tais expectativas se fundamentam
especialmente nas seguintes dinâmicas: a) uma segunda fase de urbanização, de
cidades médias e pequenas, em zonas mais remotas; b) uma nova ascensão à classe
média, especialmente em razão do crescimento do setor de serviços de tecnologia
durante a pandemia; c) uma pirâmide etária favorável, com a chegada de dezenas
de milhões de jovens à idade de consumo.
·
Relações comerciais
indo-brasileiras
O início das relações
comerciais entre o Brasil e a Índia foi incentivado pelo fim da antiga União
Soviética em 1991, haja vista que o país asiático passou a necessitar de
alternativas para repor os antigos parceiros soviéticos. Assim, na busca por
novos mercados, a Índia identificou o Brasil como a parceria mais estratégica
da América Latina.
Um importante marco no
início da relação comercial bilateral foi a visita, em 1996, do então
presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, à Índia, sinalizando uma
resposta brasileira positiva à aproximação indiana. Já com a virada do século,
a década de 2000 representou uma forte aproximação entre os dois governos,
sendo patrocinada pelo alto escalão político de ambos os países.
Além disso, um
estratégico acordo comercial foi firmado entre os países membros do Mercosul e
a Índia em 2004 em Nova Delhi: o Acordo de Comércio Preferencial (ACP)
Mercosul-Índia, que garante a preferência comercial entre as partes envolvidas
e taxas alfandegárias mais atrativas. Em especial para a relação bilateral
indo-brasileira, o acordo possibilitou o estabelecimento de laços mais
profundos entre os dois países, embora tenha entrado em vigor apenas em 2009
devido ao atraso na tramitação para sua ratificação pelos congressos dos quatro
países. A criação do acordo fez parte da tentativa brasileira de aproximar o
bloco sul-americano do IBAS e de projetar a imagem brasileira de forma mais
ativa no cenário internacional, especialmente ao que dissesse respeito ao
diálogo Sul-Sul.
Ao que tange os
valores oriundos da relação bilateral indo-brasileira, observa-se um grande
salto entre os anos 2000 e 2010, saindo de US$271 milhões para US$4,2 bilhões.
Mais recentemente, evidenciou-se uma nova gama de oportunidades a serem
exploradas no que diz respeito à relação comercial, que atingiu a máxima
histórica de US$15,2 bilhões em 2022, apesar da queda de 31% desse valor em
2023. Nesse mesmo ano, três produtos dominaram as exportações brasileiras para
a Índia: açúcar (26%), óleos vegetais (27%) e petróleo bruto (13%). Por outro
lado, as principais exportações da Índia para o Brasil foram componentes para
medicamentos (18%), remédios (7,7%) e pesticidas (8,3%).
Esses números foram
responsáveis por colocar a Índia na quinta posição enquanto parceira econômica
mais importante do Brasil, ficando atrás apenas da China, Estados Unidos,
Argentina e Alemanha. Ademais, o crescimento da relação comercial bilateral não
é explicado apenas pelo fortalecimento da troca comercial, mas também pelas
externalidades do cenário internacional, como a pandemia de covid-19 e a guerra
russo-ucraniana. Essas mudanças nas cadeias globais de valor favoreceram o
fortalecimento das relações entre os dois países como alternativa às crises
impostas.
Em relação aos
investimentos estrangeiros, o Brasil não fez grandes progressos nos últimos
anos. Por outro lado, estima-se que a Índia tenha elevado seu investimento em
solo brasileiro para US$8 bilhões até o final de 2022, segundo levantamento do
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Apesar desses aspectos
conjunturais favoráveis, muitos dos obstáculos nas relações entre Brasil e
Índia ainda persistem. Faltam diretrizes claras nos objetivos estratégicos de
ambos os países para nortear a cooperação bilateral.
·
Oportunidades de
cooperação entre Brasil e Índia
Identifica-se na
agenda bilateral áreas de complementaridade econômica e tecnológica que
começaram a receber maior atenção, particularmente em setores sensíveis para
ambos os governos, como o energético, aeroespacial e de defesa.
No campo das energias
renováveis, a cooperação entre o Brasil e a Índia mostra grande potencial,
especialmente nas áreas de energia solar e biocombustíveis. O Brasil pode
aproveitar o conhecimento indiano na produção e transmissão de energia solar,
enquanto a Índia tem interesse em aumentar a utilização de etanol em sua matriz
energética. Em 2022, reafirmando seu compromisso com as energias renováveis, o
Brasil ratificou sua participação na Aliança Solar Internacional. Na esfera da
energia nuclear, a cooperação entre os dois países ganhou novo fôlego após o
apoio brasileiro à candidatura da Índia ao Grupo de Fornecedores Nucleares em
2016.
No setor espacial, a
Índia está se consolidando rapidamente como um importante centro global para a
fabricação e lançamento de satélites, impulsionada por políticas do governo
Modi que incentivam a participação privada. O Brasil, que atualmente depende muito
da colaboração com a China para seu programa espacial, poderia se beneficiar
enormemente de uma parceria mais estreita com a Índia. O Brasil poderia
aprender com a experiência indiana para fortalecer seu programa espacial, que
atualmente enfrenta sérios desafios financeiros.
Na área de defesa, há
grandes oportunidades para a relação bilateral, considerando que a Índia possui
o quarto maior orçamento de defesa do mundo, com US$81,4 bilhões, enquanto o
Brasil ocupa o 17º lugar, com US$20,2 bilhões.
Ao que tange às
oportunidades do agronegócio, os crescimento econômico e populacional
indianos acelerados geram, por consequência, aumento na demanda por alimentos.
Por sua vez, o governo indiano se mostra cauteloso com relação à sua própria
agricultura e sinaliza uma abertura controlada ao alimento importado. Qualquer
abertura comercial indiana deve gerar grandes oportunidades para o Brasil, haja
vista a relevância que o agronegócio brasileiro tem no cenário internacional.
Nessa óptica, uma das
oportunidades mais promissoras para o Brasil se encontra na exportação do
milho. Apesar de possuir políticas mais protecionistas, o governo indiano será
forçado a permitir importações com taxas reduzidas, uma vez que o uso do etanol
como combustível está em expansão no país, tendo em vista a cúpula do G20
onde Brasil, Índia e Estados Unidos firmaram uma aliança global de
biocombustíveis, se comprometendo a fomentar a produção de
etanol. Assim, apesar do país ser um dos maiores produtores mundiais de açúcar
e milho, o consumo interno do setor avícola somado à produção de etanol fará
com que as produções de milho e açúcar logo se tornem insuficientes para
sustentar o impulso na demanda, favorecendo os produtores brasileiros. Além da
exportação de matéria prima, a cooperação no setor de biocombustíveis acontece
também no intercâmbio de tecnologias com a introdução do motor flex fuel, tecnologia
em que o Brasil foi pioneiro.
A essa análise,
considera-se que o ACP, desde 2009, favoreceu de forma limitada o Mercosul com
a preferência comercial indiana, abrangendo apenas 450 dos mais de 10 mil itens
possíveis; ou seja, ainda há muitas oportunidades para serem aproveitadas pelo Brasil
e pela própria Índia através do acordo selado em 2004. Embora as condições do
próprio acordo não sejam as mais desejadas pelo Itamaraty, o ACP é um
investimento que pode se mostrar extraordinariamente benéfico e estratégico
para o Brasil no longo prazo.
Ademais, cabe pontuar
que há muito do que se beneficiar do forte ecossistema de startups da Índia, que hoje é potência em
inovação em setores como e-commerce,
pagamentos, transporte, educação e software as service (SaaS) . As startups
indianas têm feito avanços notáveis em agricultura de precisão, que utiliza
tecnologias como sensores e drones para monitorar e otimizar o uso de recursos
nas fazendas. Desta maneira, nota-se grande espaço para cooperação entre os
países no setor de culturas leguminosas, estratégias de aumento de
produtividade e eficiência no uso de água.
·
Conclusão
É possível analisar
que, apesar dos avanços notáveis no estreitamento de relações diplomáticas,
ainda existe um vasto potencial inexplorado nas relações indo-brasileiras. O
fortalecimento dos laços é constantemente dificultado pela distância
geográfica, pelas diferenças linguísticas e culturais, pelos desafios internos
de cada país e pelo desconhecimento mútuo predominante entre as sociedades
brasileira e indiana. O Brasil deve continuar a buscar ativamente maneiras de
superar essas barreiras.
Atualmente, a Índia se
destaca cada vez mais como uma nação de grande relevância política e econômica,
com uma rica herança de civilizações e culturas milenares. O país asiático
possui uma classe média emergente e um mercado consumidor em rápida expansão. O
Brasil, por sua vez, deve buscar relações bilaterais com a Índia que estejam
alinhadas e se beneficiem do nível de cooperação e dos acordos que ambos os
países defendem e participam em fóruns internacionais mais amplos, aproveitando
as potencialidades e complementaridades entre as duas economias.
Espera-se que os
avanços alcançados nas últimas décadas sejam o alicerce para construir e
aprimorar a parceria estratégica entre esses dois gigantes globais no século
XXI. A ampliação do comércio, investimentos mútuos e colaborações em setores
estratégicos serão fundamentais para fortalecer ainda mais essa relação,
beneficiando as sociedades de ambos os países.
Fonte: Observatório da
Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB)
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