Yara
Frateschi: Universidade, excelência e compromisso social
Em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 15 de junho, o professor de literatura geral e
comparada da Unicamp, Marcos Lopes, se dispõe a refletir sobre os “Limites e
riscos da universidade redentora”. Para ele, a universidade torna-se
“redentora” quando assume a missão de promover justiça social. Haveria uma
novidade aí, na medida em que buscar justiça social seria uma “nova atividade”,
que vem acompanhada de um decréscimo no investimento na formação intelectual e
científica de excelência. Ou seja, Lopes sugere haver um antagonismo entre compromisso
social e formação de excelência. Se aceitamos que a universidade tem esse
compromisso, segue-se a consequência inevitável e indesejável da perda de
qualidade. É um típico argumento ladeira abaixo, escorregadio e falacioso, que
merece a nossa atenção.
Antes,
é importante dizer que não se trata propriamente de uma novidade o compromisso
da universidade com a sociedade e com a melhoria da vida humana. Para ficar no
campo das humanidades, que é citado por Lopes, cumpre lembrar que no interior
das universidades públicas brasileiras as diversas áreas desse campo têm
produzido pensamento crítico, diagnósticos empiricamente embasados e propostas
para a superação das injustiças múltiplas que acometem sociedades profundamente
desiguais, como a nossa. Que se tome como exemplo as áreas das humanidades da
Unicamp, universidade na qual leciona Lopes, e que, desde a sua fundação, busca
esse ancoramento. Pesquisas longevas, com resultados sólidos, amplamente
discutidos pela comunidade científica e construídas em rede internacional são
produzidas no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. No entanto, é evidente
que o compromisso social não é exclusividade desse Instituto, basta olhar para
as pesquisas e ações realizadas no Instituto de Economia, nas Faculdades de Educação
e Ciências Médicas e na área ambiental, para citar alguns exemplos. Além de não
ser uma novidade, estamos falando de institutos, faculdades e centros de
pesquisa que produzem, não é de hoje, pesquisas de excelência com
responsabilidade social, o que é suficiente para desvelar a falácia do
argumento segundo o qual engajamento destrói qualidade.
A
novidade é outra. É inegável que a composição do espaço das universidades
públicas federais, em especial do corpo discente, começa a se transformar de
maneira bastante significativa a partir de 2012, com a chamada “Lei de Cotas”,
ou seja, com uma política de ação afirmativa em âmbito federal, que finalmente
passa a olhar para estudantes oriundos da escola pública, pretos, pardos,
indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. Sabemos que a inclusão desses
grupos não aconteceu no mesmo ritmo, algumas são ainda muito precárias,
contudo, algo mudou. Na Unicamp, que eu tomo novamente como exemplo por ser a
universidade na qual leciona Marcos Lopes, a política de inclusão com recorte
social, racial e étnico demorou mais para chegar, mas chegou. Como mostra o
Anuário Estatístico, em 2024, quase metade dos alunos ingressantes na graduação
(47%) vieram da escola pública e 32,6% dos ingressantes se enquadram na
categoria PPI – pretos, pardos e indígenas –, os mesmos que, em 2015, eram
apenas 15,7% do corpo discente.
Em
vez de olhar para esses dados e notar aí um avanço, Lopes está preocupado em
denunciar que “o esforço atual das instituições de ensino recai cada vez menos
na formação intelectual e científica de excelência”. Seria importante que essa
denúncia ganhasse forma científica, o que demandaria prova. Enquanto não ganha,
proponho olhar para o esforço que as instituições de ensino superior estão
fazendo para democratizar o acesso – tornando-o menos discrepante com relação à
composição da sociedade brasileira – e também para o esforço de diversos cursos
e docentes para se abrir para as novas demandas científicas que surgem com a
entrada em cena de novos atores, antes alienados do espaço de produção de
conhecimento (não sem reação, como podemos ver pelo texto de Lopes). Aqui temos
uma novidade. Por exemplo, é evidente que o enegrecimento do corpo discente e a
presença de alunos indígenas na sala de aula provoca o corpo docente,
hegemonicamente branco, a ampliar a própria mentalidade, a entrar em contato
com perspectivas diversas da sua, a olhar para demandas que antes recebiam
pouca ou nenhuma atenção, a enfrentar o problema do racismo estrutural e a
questão indígena, a entrar em contato com outros saberes e a ampliar a
literatura. A novidade é que a pluralização do corpo discente pode levar a uma
reeducação do corpo docente e eu ouso dizer que, a passos lentos, isso está
acontecendo de algum modo, sobretudo nas humanidades. Contudo, Lopes está
preocupado com as investidas contra a “aura do professor”.
Em
lugar de olhar atentamente para a abertura de novos horizontes – algo
imprescindível para o avanço da ciência e do conhecimento – ele prefere
denunciar, sem prova, a suposta queda de qualidade. Enquanto testemunhamos
docentes de áreas diversas aceitando o desafio colocado pela entrada em cena de
novas demandas e perspectivas, Lopes vê professores confirmando “crenças
trazidas pelas experiências sociais dos alunos”. O argumento é mais uma vez
escorregadio: por que interessar-se pelas experiências sociais dos alunos leva
à confirmação das suas crenças? Novamente seria importante que o impressionismo
cedesse ao rigor. Enquanto isso não acontece, proponho olhar para o ingresso de
novas experiências sociais no espaço da universidade de outro modo, não como a
porta de entrada de crenças a serem confirmadas por docentes acanhados, mas
como a oportunidade para o aprofundamento do exercício crítico, que se torna
mais rico e complexo quando fruto do diálogo entre pessoas com experiências
sociais distintas.
Por
não ver o potencial crítico desse possível diálogo – de docentes entre si, de
docentes com alunos, alunos entre si, da universidade com a sociedade – e o
impacto que pode ter na produção do conhecimento, Lopes prefere acusar o novo
“papel redentor” da universidade. Ao invés de se engajar em refletir sobre as
difíceis, sem dúvida difíceis, condições dessa conversação no espaço de
produção de conhecimento e ciência, ele prefere passar a mensagem de que seria
melhor mandar os alunos para as igrejas, afinal, elas cumprem melhor a tarefa
redentora. “Esse papel redentor não poderia ser assumido por instituições mais
aptas?”. Ele mesmo responde: “As igrejas fazem mais pela inclusão do que
sindicatos e universidades”. O argumento é, no mínimo ininteligível, pois as
igrejas – não importa a função social que cumprem – não são instituições de
ensino e pesquisa.
Salta
aos olhos o tom reativo ao que ele chama pejorativamente de lutas identitárias.
Têm sido chamadas com frequência de “identitárias” as lutas dos outros quando
se quer colocar em questão a sua legitimidade. No texto de Lopes é como se
demandas das pessoas negras, indígenas, quilombolas, das mulheres (vale
inclui-las, todas), do público LGBTQ, fossem a causa do desvirtuamento do fim
último da universidade e da baixa qualidade da vida intelectual. Entretanto,
não há uma palavra sobre a escassez de investimento público, sobre as
dificuldades enormes enfrentadas pelas universidades federais, sobre o problema
da permanência estudantil, sobre a evasão escolar, sobre a composição do corpo
docente (ainda majoritariamente branca e em algumas áreas absurdamente desigual
do ponto de vista do gênero), sobre o ataque fulminante e constante da extrema
direita às instituições de ensino. Claro, se fizesse isso, Lopes acabaria
engajado naquilo que denuncia.
As
pautas específicas que surgem de experiências sociais distintas são, sem
dúvida, um desafio a ser enfrentado. Muitas delas estão relacionadas a
problemas estruturais, dignos da atenção das humanidades e da universidade como
um todo. Será sim uma perda se se transformarem em “particularidades
irredutíveis” e levarem à fragmentação. Contudo, o novo pacto que Marcelo Lopes
pede entre docentes e discentes, para ser efetivamente um pacto, deve envolver
todos os contratantes, e não cabe, no século XXI, sugerir a igreja para quem
luta por reconhecimento. Esse novo pacto interno é um dos desafios – há tantos
outros, externos e bem mais ameaçadores – a ser enfrentado pela Universidade,
essa “velha senhora”, para continuar a ser relevante. Não é opondo justiça social
e excelência ou invocando a aura sagrada do professor que seremos capazes de
cumprir a nossa parte na tarefa.
¨
Oportunismo, doença
infantil do esquerdismo. Por Herlon Miguel
O
governo do PT proporciona um momento importante às mobilizações, organizações e
à luta pela ampliação dos direitos. A história política recente do Brasil tem
sido marcada por essa dinâmica, onde a sociedade civil se mobiliza em busca de
avanços sociais.
Nesse
contexto, a greve surge como um instrumento essencial da luta política. O
capitalismo, com sua estrutura de exploração, fundamenta-se em leis que
sustentam os privilégios das elites. Portanto, é crucial que os trabalhadores
se organizem e recorram à greve para reivindicar seus direitos e enfrentar as
injustiças sociais.
Comparando
os governos, dados revelam disparidades significativas. No último ano da gestão
do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, as universidades federais receberam
apenas R$ 53,2 milhões em recursos, o menor valor desde 2013. Ao longo de seus
quatro anos de mandato, o ex-mandatário inaugurou apenas uma universidade, o
que contrasta com a política de expansão observada em governos anteriores. A
redução de investimentos durante o governo de Jair Bolsonaro gerou uma
precarização da pesquisa e do ensino nas universidades, com consequências
prejudiciais para a educação no país.
No
contexto das universidades, a mobilização durante o governo de Jair Bolsonaro
foi limitada. Infelizmente, poucas iniciativas foram tomadas. Setores
fundamentais da esquerda estavam apáticos. Agora, no terceiro governo Lula,
estão se mobilizando o que é positivo, mas qual a tônica da mobilização do
esquerdismo?
Atualmente,
vivemos os primeiros anos do novo governo Lula, em um momento de desafios
éticos e econômicos. As instituições enfrentam dificuldades para oferecer
serviços de qualidade devido ao desmantelamento do Estado. Recentemente, a
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB)
recebeu um investimento significativo, 9 milhões de reais, para retomada da
obra do campus, destacando sua importância na promoção da integração entre o
Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa.
Esse
investimento e um conjunto de outros que estão sendo feitos na educação como,
por exemplo, a construção de mais institutos federais, se relaciona com a
importância histórica que os governos do PT dão a educação, que vão de ações
pontuais até as mais estruturantes. Mesmo assim, reformar a educação é uma
tarefa muito complexa dado ao tamanho do setor, demandas históricas acumuladas,
expansão do conservadorismo no último governo federal, dentre outros problemas.
No
caso da Unilab-Campus Malês, no primeiro momento, não foi aprovada a greve.
Essa não aprovação teve dois pilares fundamentais: prejudicar a vida acadêmica
dos estudantes, alguns que sofrem com todas as dificuldades culturais,
econômicas e sociais para se manter na Bahia, e a necessidade de manter os
processos em curso que vão qualificar e melhorar esse campus que tanto sofreu
no último governo, e, nesse sentido, atrasaria processos, obras e entregas. No
segundo momento, a greve foi aprovada.
Talvez,
os professores que são contra a greve, de fato, estejam colocando seus
interesses individuais secundários, já que de fato, há uma defasagem salarial e
ajustes fundamentais que precisam ser feitos às carreiras. No entanto, é de uma
nobreza relevante esse sentimento de cuidado com o estudante e com o momento
histórico do Brasil.
No
caso da UFBA, e de acordo com a maioria que estava na assembleia de professores
organizada pelo sindicato, instaurou-se a greve. Legitimamente, mas engendrada
por sentimentos periféricos das disputas partidárias.
Participei
de lutas fundamentais na UFBA, já que lá era o ponto focal da parte das lutas e
mobilizações da universidade baiana. Das lutas que destacaria, lembro-me bem de
dois momentos. O primeiro se referia à Reforma da Universidade, proposta por
uma equipe muito qualificada (Tarso Genro, Fernando Haddad, dentre outros).
Essa
política tinha um conjunto diversificado de ações, das quais queria lembrar do
Programa Universidade Para Todos, o governo sugeria a transformação de impostos
não pagos em vagas para pessoas pobres. No segundo momento, o REUNI, programa
de reestruturação das universidades, hoje é responsável pela maior quantidade
de vagas, cursos e, consequentemente, de pessoas negras na universidade.
Em
ambos os momentos, o PSol, principal setor da atual oposição à APLB na Bahia,
foi contra, mobilizou-se e organizou um conjunto de iniciativas contra as ações
que posteriormente mudaram positivamente a vida de milhares de jovens. Esse
movimento deles (PSol) fez com que, no calor da radicalização, vários
professores sérios fossem iludidos. Na realidade, eles venceram um conjunto de
eleições e tornaram-se força hegemônica em organismos importantes como a ANDES.
Esse
mesmo setor foi um dos responsáveis, com suas pautas sectárias e disputas
erradas, por todos os movimentos que, juntamente com a direita, fortaleceram o
“Fora Dilma”.
Em
todos os casos, a comunidade acadêmica percebeu, após o funcionamento das
políticas e efetivação das ações, que as iniciativas propostas pelos governos
do PT eram boas e mudaram a cara da universidade. Mais que isso, percebeu-se
que as posições do PSol, em detrimento do que é bom para o povo brasileiro,
sobretudo nas ações do ativismo sindical, têm como base de suas narrativas
organizar argumentos oportunistas para disputarem aparelhos como DCEs e
sindicatos.
Infelizmente,
no calor das emoções e voltados por seus interesses individuais, muita gente
séria “vai na onda” e acaba, ali na frente, percebendo que se tratava,
meramente, de uma disputa partidária. Após aqueles primeiros anos do governo
Lula, a esquerda propositiva e unificada venceu em vários DCEs e sindicatos
importantes.
É
importante ressaltar que a APUB esteve presente em todas as lutas importantes
do último período, demonstrando seu compromisso histórico com a defesa dos
direitos e interesses dos professores e da educação pública como um todo. As
pessoas que estão à frente do sindicato são ativistas com presenças em lutas na
Bahia e no Brasil em defesa da educação.
É
essencial que a sociedade civil se mobilize e pressione o governo em busca de
investimentos adequados e políticas educacionais que promovam a inclusão e a
excelência acadêmica. No entanto, é fundamental olharmos com uma lupa sobre que
interesses estão envolvidos em cada uma das disputas políticas.
É
fundamental identificar dois aspectos. O primeiro é que o PSol da Bahia tem
muita gente séria, essa opinião aqui não é sobre o partido como um todo, mas
sobre uma prática antiga e cotidiana, sobretudo na UFBA, de fazer com que a
disputa política/partidária sobreponha o interesse da comunidade acadêmica.
Hoje,
a disputa de narrativas feita, sobretudo nas redes sociais, por ativistas do
PSol tem como meta o desmantelamento e enfraquecimento da APUB, organismo que
representa os professores de instituições públicas federais do Estado. Apenas
isso!
Há
uma tentativa oportunista de tomar poderes do sindicato, o grupo almeja
enfraquecer a liderança da APUB, revela-se como uma ação que, ao invés de
diminuir a representatividade sindical, mina a coesão e a eficácia da
organização. Esta abordagem dissidente, ao invés de promover a unidade e a
defesa dos interesses dos docentes, fragmenta a voz coletiva dos professores,
enfraquecendo assim sua capacidade de negociar e defender seus direitos, o que
prejudica todo mundo para ações futuras.
É
importante dizer que o PSol é um partido importante para a democracia
brasileira. Foi fundamental na luta pela manutenção da democracia. Mas já fazem
alguns anos que a militância do partido, especificamente na Bahia, está na
contramão da unidade política, fundamental à esquerda brasileira. Destacaria
ativistas baianos como a vereadora Laína, Fabio Nogueira, Kleber Rosa, dentre
várias outras pessoas.
A
educação é um dos pilares fundamentais para a transformação social e a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Portanto, é dever de
todos nós, enquanto cidadãos e membros da comunidade acadêmica, defendermos uma
educação pública de qualidade, que atenda às necessidades da população e
promova o desenvolvimento humano e social. A greve é um direito do trabalhador
e deve ser exercida plenamente.
No
entanto, após o enfraquecimento das entidades, o que sobra? Quem alcança êxito?
E finalmente, professor/estudante, não seja manipulado. Fortalecer o sindicato
é fortalecer a vocês mesmos.
Fonte:
Le Monde/A Terra é Redonda
Nenhum comentário:
Postar um comentário