sexta-feira, 28 de junho de 2024

“Temos de ser capazes de nos antecipar a futuras ameaças à saúde”, diz imunologista

A imunologista Margarita del Val (Madrid, 1959) carrega no bolso um pequeno medidor de CO2 que não hesita em usar quando percebe que “o ar já foi respirado por muitas pessoas”. Nesta semana, utilizou-o no meio de uma conferência na Escola de Biologia Molecular Margarita Salas, na Universidade Internacional Menéndez Pelayo (UIMP). Embora quase ninguém mais observe esta medida de proteção, ela colocou o detector sobre a mesa e pediu para ventilar a sala, enquanto falava com paixão sobre outras ameaças infecciosas e como são feitos os testes PCR em mosquitos.

“Em apenas dez minutos, duas pessoas em um carro saturam o CO2 e compartilham todos os vírus”, alertou a pesquisadora do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) e do Centro de Biologia Molecular Severo Ochoa.

Del Val se tornou protagonista, dois dias antes do confinamento, quando publicou uma carta – inicialmente, entre colegas de profissão – prevendo que a COVID seria muito mais contagiosa e letal do que uma gripe por ser um novo patógeno que nos pegava sem imunidade. Depois, avisou que isso ia demorar, quando as autoridades ainda falavam em quarentena.

Hoje, está preocupada com a propagação da ressuscitada gripe aviária que afeta aves em todo o planeta. Ao mesmo tempo, valoriza a eficácia do controle do vírus do Nilo Ocidental, que provocou oito mortes por encefalite, em Sevilha, e a reprimida epidemia da varíola dos macacos.

<><> Eis a entrevista.

•           Temos medo das guerras e catástrofes naturais, mas na pandemia fomos aterrorizados por um inimigo invisível e muito letal. Havíamos menosprezado a pesquisa até aquele momento? Existe agora maior consciência por parte das instituições e administrações?

Há mais conhecimento por parte dos cidadãos e maior apoio. Há uma nova Lei da Ciência – uma reforma da anterior – que implica um crescimento sustentado em orçamento, modesto, mas importante porque estamos muito distantes da Europa. Quando há fundos para a pesquisa na Espanha, surge um grande número de pesquisadores. É como um campo que quando é regado, floresce. Agora, luto para que seja mantido.

•           Na emergência mundial da pandemia de coronavírus, os laboratórios conseguiram desenvolver diversas vacinas contra a COVID, em tempo recorde. Considera que se houvesse o mesmo empenho, hoje, por exemplo, poderíamos ter mais vacinas contra alguns tipos de câncer?

Na pandemia, viram que as vacinas iriam ser rentáveis e, portanto, viáveis. Sem rentabilidade, não há viabilidade e os laboratórios não devem ser demonizados por isso. Várias empresas fizeram isto sem fins lucrativos, apenas para cobrir os custos, como a AstraZeneca e a Janssen, ao passo que a Pfizer e a Moderna, sim, obtiveram lucros que mais tarde investiram em outros processos.

•           Defende que a Espanha é um país muito consciente e responsável em relação às vacinas, mas em contrapartida surgiu um discurso antivacinas durante a pandemia. Como você explica este negacionismo?

O número de pessoas relutantes em ser vacinadas não mudou muito na Espanha. Nos momentos mais duros da pandemia, houve pessoas que sentiram muito medo, embora tenham cedido quando viram que muitas pessoas estavam sendo vacinadas e que isto permitia levar uma vida mais normal. Houve pessoas que demoraram a ser vacinadas e receberam menos doses do que outras.

Contudo, é importante que os grupos de risco se vacinem, é necessário insistir que façam isto a cada outono, que atualizem a vacina. Antes, pensávamos que as vacinas eram apenas para os bebês, mas agora a sociedade aprendeu muito. Penso que não são antivacinas, são pessoas que têm dúvidas.

•           Considera que em uma pandemia as vacinas deveriam ser obrigatórias?

Depende muito das circunstâncias, mas é sempre melhor convencer. Se tenho medo de me aproximar de um precipício porque sinto vertigem, ser forçada a me aproximar não vai resolver. Prefiro convencer fornecendo todos os dados.

Sofremos epidemias de gripe A. As mais próximas foram em 1968, 1977 e 2009, de tal forma que já tínhamos anticorpos e a imunidade nos protegia ao menos parcialmente, por isso afetaram mais aos jovens e crianças que não a tinham.

A diferença da COVID é que não havia ninguém com imunidade, estávamos todos vulneráveis. De fato, após o confinamento, mais de 90% da população espanhola ainda não estava imune. Graças às vacinas, vinte milhões de vidas foram salvas só no primeiro ano. A maioria das doses fornecidas foram da AstraZeneca, da Pfizer e uma das vacinas chinesas, a Sinovac, a mais convencional das três porque se baseia em um vírus inativado.

•           Para onde as próximas vacinas devem avançar?

Já existem vacinas para meningite, papiloma, pneumococo e herpes zoster. Viu-se que é um mercado em que há negócios. O desafio para as próximas vacinas é que sejam rápidas, baratas e administradas sem agulhas, para que sejam mais fáceis de aplicar. Esterilizadores, para que as pessoas não infectem. Também de ampla proteção contra variantes, que geram imunidade nas mucosas e que tenham memória imunológica de longa duração.

•           Há alguns anos, começamos a ouvir falar de bronquiolite, o vírus sincicial respiratório, que afeta principalmente crianças pequenas.

Antes, as UTIs pediátricas estavam lotadas. Desde outubro de 2023, todas as crianças recém-nascidas são vacinadas e a imunização está funcionando maravilhosamente bem. Embora não previna a infecção, os casos diminuem.

•           Aprendemos alguma coisa? Estamos preparados para superar outra pandemia?

Da pandemia saímos com vacinas, do aquecimento global não será tão fácil sair. A saúde do meio ambiente pode nos afetar muito e temos de ser capazes de nos antecipar a futuras ameaças, estar em contato com a saúde animal, vigiar a resistência aos antibióticos. Na pandemia de COVID, os dados falharam muito, o que agora pode ser melhorado com a IA.

Também devemos ter presente que o turismo é uma das razões da pandemia, que agrava os contatos. Se outra pandemia retornar, improvisaremos mais rápido, porque a colaboração a nível internacional e nacional ainda deixa muito a desejar. Embora caminhamos em boa direção.

•           Que ameaças virais estamos enfrentando agora?

Um dos vírus mais perigosos que se conhece é o HIV, mas a doença infecciosa que causa mais mortes no mundo é a tuberculose e está se tornando resistente aos medicamentos. A Espanha está desenvolvendo uma vacina que, atualmente, está entre a segunda e a terceira com maior probabilidade de ser obtida.

A varíola dos macacos já é considerada uma epidemia multinacional e, durante um ano, foi classificada como emergência internacional. A Espanha foi, por azar, o país mais afetado e com mais casos por habitante, pois o vírus entrou por aqui.

Na saída do confinamento também enfrentamos o vírus do Nilo Ocidental, que em 2020 gerou um grave surto de encefalite em Sevilha, resultando na morte de oito pessoas. O vírus estava na população de aves silvestres ao redor dos pântanos e arrozais de Doñana e foi transmitido por mosquitos. Armadilhas foram montadas para capturá-los e uma PCR era realizada. Se o teste dava positivo, era feito um alerta na região e fumigações seletivas e controladas com produtos que não afetam outras espécies, como as abelhas. Foi um surto que foi impedido de se tornar uma epidemia. Não temos vacinas, nem antivirais, o que se faz é controlar a expansão.

Na Europa, não existia o mosquito tigre que pode transmitir doenças tropicais como a dengue, a febre amarela e o chikungunya. Entrou pela Albânia e já está em metade da Espanha. Controlando os mosquitos, controlaremos as doenças. Existe um aplicativo, Mosquito Alert, para que os cidadãos possam colaborar enviando fotos dos insetos para que seja possível identificar em que zonas proliferam para atuar.

•           A próxima pandemia será de gripe aviária?

Não digo que será a próxima, mas a gripe aviária é uma ameaça e nos animais é uma doença tremenda. Afeta as aves e daí passa para os mamíferos. Como também somos, então, podemos nos infectar dos animais. Não entre pessoas. Entre 2003 e 2021, ocorreram cerca de 800 casos. Metade dos infectados morria. Nos últimos dois anos, foram registrados 25 casos, com oito mortes.

A gripe aviária afeta todos os continentes, com exceção da Austrália, e é uma pandemia a nível animal. Afeta a produção de leite e há casos humanos em trabalhadores de granjas. Pode chegar a provocar um problema para a alimentação humana.

•           “Iriam morrer de qualquer forma”, disse a presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso (PP), sobre as milhares de pessoas idosas que morreram em residências sem assistência médica. O que você sente ao ouvir essas afirmações?

O diagnóstico foi operacionalizado a toda velocidade, mas permaneceu no âmbito sanitário e não chegou a todas as pessoas. Somente 10% das pessoas infectadas pelo coronavírus foram detectadas, mas dez vezes mais do que as detectadas foram infectadas. O diagnóstico não chegou a tempo e é muito difícil separar as pessoas saudáveis das assintomáticas, não sabíamos como fazer.

•           A COVID surgiu de um pangolim ou de um laboratório de Wuhan?

A coisa do pangolim provavelmente foi um erro dos primeiros momentos... Fala-se de cães-guaxinins que são animais criados na China para aproveitar sua pele, como os visons, e estavam na região do mercado de Wuhan, onde eram vendidos animais vivos e onde mais houve a detecção de casos de coronavírus.

O vírus surgiu no outono de 2019, no mercado de Wuhan e na área dos animais vivos onde estavam os cães-guaxinins. Não há certeza absoluta. Para que tivesse escapado de um laboratório, teria que ter circulado na natureza antes, por isso é altamente improvável, embora nunca se possa descartar.

 

Fonte: Entrevista com Margarita del Val, para Olga Agüero, em El Diario - tradução do Cepat

 

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