quinta-feira, 27 de junho de 2024

Microbiota intestinal: veja como a saúde do intestino pode afetar o corpo todo

Todo mundo algum dia já deve ter ouvido ou falado as expressões “senti um frio na barriga” e “fiz das tripas o coração” sem se dar conta de que estava se referindo ao intestino, e sem saber o quanto ele realmente é importante para o funcionamento adequado do organismo. Agora a ciência está desvendando como os milhões de microrganismos que vivem ali – a chamada microbiota – impactam vários aspectos da vida, da saúde, do peso e até o humor das pessoas.

O intestino vem sendo cada vez mais visto como um aliado no tratamento de doenças sistêmicas, como obesidade, câncer, alergias, problemas respiratórios e dermatológicos. “Sentimos vergonha dele, mas estamos tão ligados ao intestino que isso transparece na nossa comunicação. Não é à toa que o intestino é considerado nosso segundo cérebro”, diz Diogo Toledo, médico nutrólogo do Hospital Israelita Albert Einstein.

De fato, há uma conexão direta entre esses dois órgãos através de uma espécie de “cabo” – o nervo vago –, que controla desde a frequência cardíaca até os movimentos do trato digestivo. Essa é uma das razões pelas quais, quando a pessoa leva um susto ou está sob tensão, sente dor abdominal ou vontade de vomitar, por exemplo.

Além disso, as pesquisas recentes destacam o papel do microbioma, o conjunto de bactérias, fungos, vírus – bem como seus genes e metabólitos – que vivem em nosso organismo, principalmente no intestino (o termo microbiota se refere apenas aos microrganismos). Mais numerosos que as próprias células do corpo, eles ajudam na digestão, metabolizando os nutrientes, formam uma barreira de defesa contra patógenos e cumprem uma função imunológica, modulando a resposta inflamatória. “A microbiota pode ser a chave para muitas perguntas ainda sem resposta da ciência”, diz Toledo.

Quando, por algum motivo, há o aumento de microrganismos prejudiciais ou a redução dos benéficos, ocorre um desequilíbrio – a disbiose – e a microbiota deixa de desempenhar adequadamente suas tarefas. Um ambiente ruim piora o processo de absorção de nutrientes e a metabolização de remédios. Também pode intensificar as reações inflamatórias, com a liberação exagerada de células imunológicas e citocinas inflamatórias na corrente sanguínea. Esse conteúdo chega a órgãos como cérebro, rins, pele, coração e fígado, podendo amplificar a resposta de alguns quadros.

Isso explica por que a microbiota intestinal vem sendo relacionada à exacerbação de problemas como acne, obesidade, rinite alérgica, eczema, candidíase, síndrome do intestino irritável, depressão e ansiedade. Para ter uma ideia, pesquisas mostram que pessoas com dermatite atópica possuem menor diversidade de bactérias intestinais do que aquelas sem a doença.

•           Microbiota é única para cada indivíduo

A microbiota começa a se formar ainda na vida intrauterina e depende de fatores como hábitos da mãe, se a criança foi amamentada e até do tipo de parto. Depois, é afetada pelo estilo de vida, incluindo alimentação, atividade física, tabagismo, uso de medicamentos (principalmente antibióticos), estresse, falta de vitamina D e o próprio envelhecimento. “Sua composição é única para cada indivíduo. É como uma assinatura”, diz Toledo. Além disso, ela varia ao longo da vida.

Sintomas relacionados a hábitos intestinais (como diarreia e constipação), distensão abdominal e gases, entre outros, sinalizam que há algum desequilíbrio. O médico também pode solicitar exames laboratoriais de fezes mais específicos diante de alguma suspeita de problemas.

O médico do Einstein explica que reequilibrar a microbiota passa por uma mudança de estilo de vida. “Mas às vezes isso pode não ser suficiente”, diz o nutrólogo. Nesses casos, é possível usar probióticos, que contém microrganismos específicos na sua fórmula, e prebióticos, que são as fibras que alimentam esses microrganismos e estimulam seu desenvolvimento. São produtos diferentes dos encontrados em supermercados. Eles devem ser prescritos pelo médico ou nutricionista e os resultados aparecem em cerca de 90 dias, no mínimo.

Alguns estudos mostram ainda que a suplementação pode melhorar quadros de constipação e reduzir crises de eczema, rinite e chiado em alguns casos, além de amenizar sintomas de depressão.

 

•           Molécula produzida no intestino pode proteger contra gripe, indica estudo

Experimentos com camundongos mostraram uma queda nos níveis da molécula conhecida como ácido indol-3-propiônico (IPA, na sigla em inglês) durante a infecção pelo vírus influenza, variante H3N2.

Ao suplementar os animais infectados com uma versão sintética do IPA, os pesquisadores observaram uma redução na carga viral e na inflamação dos pulmões.

“Esses resultados são promissores e sugerem que o IPA, no futuro, poderá ser usado para ajudar a prevenir ou tratar a infecção pelo vírus influenza, responsável por grandes epidemias. No entanto, mais estudos são necessários para confirmar esses achados em humanos e para entender melhor como o IPA funciona”, esclarece Marco Vinolo, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

O estudo ocorreu no âmbito do projeto “Análise dos mecanismos moleculares envolvidos na interação de metabólitos da microbiota e células do hospedeiro durante a inflamação”, coordenado por Vinolo e apoiado pela FAPESP.

Os resultados foram possíveis depois de uma série de experimentos com camundongos conduzidos na França, sob coordenação de François Trottein, do Pasteur. Posteriormente, foram feitas análises usando ferramentas de bioinformática, na Unicamp, que inspiraram novos experimentos com animais no Instituto Pasteur.

“Usamos três camadas de dados: a primeira foi a de metagenômica, que mostrou quais bactérias estavam alteradas no intestino depois de 7 e 14 dias da infecção. Foi avaliado todo o DNA desses microrganismos, quando nesse tipo de estudo normalmente só se avalia um trecho de um gene que identifica as bactérias. Nossa análise mostra não apenas as espécies bacterianas, mas os genes mais presentes e suas respectivas funções”, explica Vinicius de Rezende Rodovalho, um dos autores principais do trabalho, realizado durante seu pós-doutorado no IB-Unicamp.

As outras camadas de dados foram obtidas a partir das técnicas de metabolômica, que avaliaram os metabólitos secretados pela microbiota presente no intestino e os marcadores clínicos da doença, como carga viral e marcadores inflamatórios.

“Analisamos esses dados de forma integrada, construindo uma rede de correlações que mostrou um importante papel para o IPA. A partir disso, novos experimentos foram realizados. Neles, suplementamos os animais com uma versão sintética da molécula, produzida em laboratório, o que diminuiu a carga viral e a inflamação. Isso traz um grande potencial para uma nova terapêutica da gripe”, conta Vinolo.

•           Suplemento

O IPA é produzido por bactérias presentes na microbiota intestinal a partir do processamento do triptofano, um aminoácido essencial presente em alimentos como soja, trigo, milho, cevada, centeio, girassol, peixe e carne.

Trabalhos de outros grupos já haviam mostrado efeitos do IPA para a melhora de distúrbios metabólicos, regulando a glicemia, aumentando a sensibilidade à insulina e inibindo a síntese de lipídios e fatores inflamatórios no fígado.

Outros estudos mostravam ainda evidências da ação do triptofano e do IPA no equilíbrio energético e no sistema cardiovascular, assim como potencial na prevenção de inflamação, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, hipertensão, doenças neurodegenerativas e osteoporose.

Por conta do potencial do IPA como um suplemento no combate e prevenção da gripe, os pesquisadores depositaram uma patente na União Europeia para esse uso do ácido indol-3-propiônico. A expectativa é realizar novos estudos que possam subsidiar testes clínicos no futuro.

“Estamos avaliando o papel do IPA durante a infecção pelo SARS-CoV-2, causador da Covid-19, e os resultados, até agora, são parecidos. Queremos testar ainda como ele atua em infecções bacterianas. Existem poucos estudos mostrando como a microbiota intestinal atua na resistência sistêmica a antibióticos e esse pode ser um caminho”, encerra Rodovalho.

O estudo teve ainda apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado para Patrícia Brito Rodrigues, com estágio no Instituto Pasteur de Lille, na França.

 

Fonte: Agencia Einstein/CNN Brasil

 

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