sábado, 29 de junho de 2024

Lula quer adidos agrícolas em todos os países do BRICS, diz secretário da Agricultura

Representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária estão na Rússia para uma reunião do BRICS, na qual o Brasil quer consolidar as relações comerciais com os novos membros. A pedido de Lula, o Brasil enviará adidos agrícolas para todos os membros do grupo já em setembro, revelou o chefe da delegação brasileira à Sputnik Brasil.

Nesta sexta-feira (28), os ministros da Agricultura do BRICS se reúnem em Moscou, na Rússia, para debater o desenvolvimento do complexo agroindustrial e a segurança alimentar nos países do agrupamento. O Brasil estará representado por uma delegação chefiada pelo secretário adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, Julio Ramos.

Durante o evento, as autoridades de países do BRICS estendido — compreendendo agora Brasil, China, Rússia, Índia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Etiópia — debaterão os termos da Declaração Conjunta dos Ministros da Agricultura do BRICS de 2024.

A interação do Brasil com os novos membros é intensa, e, por orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, adidos agrícolas serão enviados às embaixadas brasileiras em todos os países-membros do BRICS, revelou Ramos à Sputnik Brasil.

"Em setembro, o Brasil aumentará as suas adidâncias agrícolas para contemplar todos os países-membros do BRICS […]", disse Ramos à Sputnik Brasil. "A pedido do presidente Lula, vamos também instalar uma adidância agrícola em Adis Abeba [capital da Etiópia]."

Os adidos agrícolas são representantes do Ministério da Agricultura ou de outras representações públicas do ramo, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que trabalham nas embaixadas do Brasil ao redor do mundo para promover as exportações agrícolas brasileiras, fomentar a cooperação e atrair investimentos.

Segundo Ramos, a presença de adidos fortalecerá o empenho brasileiro em abrir novos mercados nos novos parceiros do BRICS, que são grandes consumidores de commodities agrícolas.

"Nestes 18 meses de gestão do presidente Lula e do ministro Carlos Fávaro [da Agricultura], nós já chegamos à abertura de 150 novos mercados, que é um recorde histórico", comemorou Ramos. "Já havíamos batido um recorde em 2023, com 78 novos mercados abertos. Em 2024, com praticamente sete meses de trabalho, já estamos em 72, então a expectativa é que vamos bater o nosso próprio recorde."

Entre os países do BRICS, o secretário adjunto nota a abertura do mercado de pescados brasileiros, para China, África do Sul e Egito. Apesar de a competitividade do agronegócio brasileiro ser conhecida, barreiras sanitárias e fitossanitárias normalmente impedem a livre exportação de alimentos do Brasil para o mercado internacional. Nesse sentido, o Brasil tem interesse em harmonizar padrões sanitários com suas partes no grupo, criando leis comuns que facilitem o comércio de bens agrícolas.

"Nós buscamos criar condições para que sejam feitos certificados [sanitários] únicos entre os países, e acho isso importantíssimo", disse Ramos. "Os países do BRICS não querem só olhar a questão do preço, mas também a qualidade e a segurança de tudo o que é comprado e vendido."

O Ministério da Agricultura e Pecuária trabalha para obter resultados concretos das atividades do BRICS, a exemplo dos financiamentos concedidos ao Brasil pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como banco do BRICS, atualmente presidido pela ex-presidenta brasileira Dilma Rousseff.

Em maio, o banco do BRICS aprovou um financiamento de US$ 100 milhões para a reconstrução da infraestrutura agrícola do estado do Rio Grande do Sul, em cerimônia que contou com a presença do ministro da Agricultura brasileiro, Carlos Fávaro.

"O trabalho de reconstrução do Rio Grande do Sul será holístico e passará por muitas áreas, com papel fundamental para a agricultura", acredita Ramos. "Nós levamos à presidenta Dilma o nosso programa de recuperação de pastagens, que visa recuperar 40 milhões de hectares, uma área que compreende o tamanho da França."

·        Relações com a Rússia

Durante sua estadia em Moscou, o secretário adjunto Julio Ramos também cumprirá agenda bilateral com membros do governo russo, para alavancar as trocas comerciais no setor agrícola.

"Tivemos hoje uma reunião com o vice-ministro [da Agricultura da Rússia, Sergei] Levin, que sempre tem atendido o Brasil com muito carinho", relatou Ramos. "O Brasil tem uma relação muito positiva com a administração da agricultura [russa]. O setor privado brasileiro também, a partir das associações criou uma relação muito forte de credibilidade com a Rússia."

O comércio entre Brasil e Rússia se encontra em tendência de alta, batendo recordes em volume e faturamento desde 2022. Por outro lado, o Brasil amarga déficits comerciais persistentes com a Rússia, em função do volume significativo nas importações brasileiras de fertilizantes.

"O Brasil é um grande comprador de fertilizantes da Rússia, com números expressivos", ratificou Ramos. "Não adianta só o Brasil querer vender, ele também tem que saber comprar."

Produtos tradicionais da pauta exportadora brasileira para a Rússia, como as carnes, perderam espaço no mercado local, em função de políticas de substituição de importações conduzidas por Moscou. Caso emblemático é o da carne suína: se, no passado, o Brasil exportava carne de porco para a Rússia, hoje os produtores russos não só atendem a sua demanda interna, como também exportam para outros países — inclusive competindo com o Brasil em terceiros mercados.

A reinserção do agronegócio brasileiro na economia local russa tem se mostrado um desafio. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura e o escritório em Moscou da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) buscam identificar novos produtos para exportar para a Rússia.

"O Brasil está preparado para suprir demandas sazonais, como uma recente que a Rússia teve em relação a maçãs", disse Ramos. "Neste ano foi aberto o mercado para ovos brasileiros […], e temos 20 empresas dispostas a fornecer o produto à Rússia, assim que forem habilitadas. Então há diversificação."

Durante a reunião dos ministros da Agricultura do BRICS em Moscou, os representantes brasileiros devem acompanhar a agenda de olho na presidência brasileira do agrupamento, em 2025.

"Defendi nas reuniões aqui que exista o acesso a mercado entre todos os nossos países, que possamos dialogar mais, criar condições para negociar, para ampliar a balança comercial e criar empregos. Queremos debater no BRICS a agricultura como ferramenta de transformação social", concluiu o secretário adjunto Julio Ramos.

Ao final do encontro de ministros desta sexta-feira (28), os países do BRICS negociarão uma declaração conjunta para 2024, apontando os avanços realizados e compromissos assumidos durante a presidência russa do grupo.

¨      Tentativa de golpe na Bolívia escancara influências externas na América Latina, dizem especialistas

A recente tentativa de golpe contra o presidente da Bolívia, Luiz Arce, reacende questões profundas sobre a estabilidade na América Latina.

Analistas entrevistados pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, destacaram que o país tem desafios históricos no que tange manter a governança diante de tantas influências externas, que visam atingir seus objetivos na América Latina.

O professor Mário Tito Almeida, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), aponta a necessidade de uma análise que vá além do contexto imediato e que considere as disputas hegemônicas. "O nível de análise mais internacional, do ponto de vista do sistema internacional, passa necessariamente pela disputa de hegemonia no planeta."

Ele explica que a competição entre Estados Unidos e China, que também envolve os interesses do Sul Global e o BRICS, é crucial para compreender o cenário boliviano.

O analista ressalta o interesse dos EUA no lítio da Bolívia, vital para indústrias como a de carros elétricos. "Há um interesse estratégico claro na região, não apenas em termos de recursos naturais, mas também como um campo de influência política e econômica", explica.

Segundo o professor, a hegemonia norte-americana depende do controle de seus vizinhos, especialmente na América Latina. "Os Estados Unidos precisam ter essa dimensão do controle regional."

De acordo com ele, o fator essencial para entender a crise na Bolívia é o interesse pelos recursos naturais. "Pensar essa discussão da Bolívia a partir do interesse pelos recursos naturais, que passa não só pelo lítio, mas também pelo gás, recursos minerais e ambientais", enfatiza.

"A América Latina é laboratório de golpes, às vezes muito bem-sucedidos, outros que falham", afirma o professor.

Segundo Almeida, a reação estrangeira se torna mais forte quando governos de esquerda ou progressistas ameaçam os interesses das elites que tradicionalmente dominam o continente. "É uma elite que não percebe que continuar nessa perspectiva significa o atraso do próprio país", acrescenta.

Como está a situação da Bolívia hoje?

Após a mobilização ilegal do Exército Boliviano que ocupou a Praça Murillo, em La Paz, onde ficam os prédios do governo, Arce convocou a população para se mobilizar contra a tentativa de golpe de Estado.

O Exército chegou a invadir parcialmente o palácio governamental, quando o presidente se reuniu com o general Juan José Zúñiga, acusado de liderar a tentativa de golpe. Após a reunião com o presidente, os militares deixaram o prédio do governo.

Almeida considera que o presidente agiu de forma emblemática. "Tem uma foto que foi postada, tem um vídeo, onde ele se coloca de frente, claramente, ao general golpista", descreve.

Apesar de reconhecer que a resposta poderia ter sido mais enérgica, Almeida elogia a postura de Arce por evitar um banho de sangue e por aprisionar rapidamente o golpista, o que, segundo ele, envia uma mensagem clara sobre a importância de agir com firmeza na defesa da democracia.

O professor Guilherme Frizzera, coordenador de relações internacionais da Uninter, afirma que a Bolívia é historicamente o país mais instável em termos de presidência na América do Sul. "A história política da Bolívia é marcada por golpes, contragolpes, momentos até que o país ficou sem um presidente de tantos golpes sucessivos."

Portanto, segundo ele, a recente tentativa contra Arce não é um evento isolado, mas parte de um padrão recorrente no país. "Foi mais um caso onde a conjuntura partidária, econômica e principalmente de agentes militares contribuíram para mais um período de instabilidade."

Segundo ele, ainda assim, "a Bolívia demonstrou como se deve tratar quem almeja romper com a democracia, prender o agente causador de toda a instabilidade".

Ele também cita a Argentina como exemplo de um país que conseguiu limitar o papel das Forças Armadas após a ditadura militar, através de julgamentos de direitos humanos, em contraste com o Brasil, segundo ele, onde a anistia foi a resposta aos crimes cometidos durante o regime.

Frizzera enfatiza que a recente estatização da exploração de lítio pelo governo boliviano pode ter sido um fator na tentativa de golpe.

"Evidentemente, e há muito tempo, nós já temos por parte da inteligência militar, das Forças Armadas da América do Sul, uma noção muito clara de que se ocorresse alguma guerra, ela se daria por conta de recursos naturais."

Segundo ele, uma instabilidade política pode favorecer aqueles que desejam explorar essas reservas. Ele cita declarações passadas de figuras como Elon Musk sobre intervenções na Bolívia e a importância estratégica do lítio para grandes potências.

·        Reações internacionais

Quanto ao papel da comunidade internacional, Almeida ressalta a importância das manifestações de apoio à democracia. "É essencial que líderes regionais e globais se posicionem contra tentativas golpistas. O silêncio de certos atores internacionais pode ser interpretado como um apoio velado a tais movimentos", alerta, mencionando especificamente o impacto das ações dos Estados Unidos na região.

Frizzera destaca a importância da reação rápida da comunidade internacional, que condenou amplamente a tentativa. "Não é mais aceitável que se tome poder à força, seja por conta de princípios e valores democráticos, como também por normas e regras das instituições às quais a Bolívia participa."

O governo brasileiro e diversos países ao redor do planeta se manifestaram contrariamente à tentativa de golpe, o que inclui nações latino-americanas e a Rússia.

Internamente, segundo Almeida, é importante considerar que há ainda divisões nas Forças Armadas da Bolívia. Dessa forma, "a mudança de comando não garante a estabilidade interna".

"Há facções que buscam ultrapassar a regra do jogo democrático, o que representa um desafio significativo para o presidente."

¨      Moscou 'ajuda concretamente' a África a lutar contra o neocolonialismo, diz analista

O presidente congolês teve razão ao sublinhar que certos países ocidentais permaneceram na lógica colonial em relação à África. Nesse quesito, os Estados africanos podem contar com a Rússia na luta contra o neocolonialismo, explica Modeste Dossou à Sputnik.

"A Rússia está ajudando de forma concreta, espontânea e direta" os países africanos a lutar contra as tentativas dos países ocidentais de recolonizá-los, declarou nesta quinta-feira (27) Modeste Dossou, jornalista e analista beninês, reafirmando que o presidente congolês, Denis Sassou Nguesso, teve razão ao agradecer a Moscou por seus esforços na área.

"Na África, sentimos certa forma de 'recolonização' por parte de países que já perderam o seu território [no continente]. A Rússia está ajudando, sem liminares ou exigências, os países africanos a se emanciparem e a não dependerem mais da ajuda desses países que os colonizaram e que tentam recolonizá-los", explica o analista.

Moscou fornece ajuda concreta a países africanos, como o Mali e Burkina Faso, permitindo-lhes combater o terrorismo sem precisar que esses países esperem pelo apoio ocidental, especifica.

"Sem a Rússia, certos países como o Mali ou Burkina Faso não teriam hoje essa força de ataque, o que lhes permite deixar de depender da ajuda de um país ocidental. As sanções ocidentais teriam afundado esses países, que não poderiam ter se defendido contra o terrorismo e, ao mesmo tempo, ter garantido que o povo pudesse ter paz diária", afirma o analista.

Durante uma visita de Estado a Moscou, o presidente congolês Denis Sassou Nguesso declarou que o povo africano "ainda luta por sua libertação efetiva", agradecendo à Rússia por seu papel nesta batalha anticolonial.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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