Luiz Nassif: Para entender a
financeirização da economia
Para quem quiser
entender os malefícios da financeirização, recomendo o livro “Financeirização,
crise, estagnação e desigualdade”” especialmente o artigo de abertura de Leda
Paulani, que explica, pela teoria econômica, o que denunciamos pela observação
empírica.
O jogo é terrível:
1. A financeirização transforma o dinheiro
em produto. O dinheiro deixa de ser meio de troca para se transformar em
produto.
2. Como produto, tudo passa a girar em torno
do seu preço: os juros, ou dividendo recebidos.
3. Há um divórcio total entre o dono do
capital e o destino da empresa. Aliás, muitas vezes escrevi sobre a mudança dos
capitalismo de família para a era dos CEOs genéricos.
A única medida passa a
ser a rentabilidade, o retorno do capital calculado em termos de taxa mensal. A
taxa mensal permite comparar investimentos de renda fixa com investimentos em
empresas, trazer a valor presente fluxos de caixa etc.
É por isso que o
mercadismo atuou fortemente sobre duas taxas referenciais: a taxa Selic, que
serve de piso para a renda fixa; e a taxa básica do BNDES, que serve de piso
para a renda variável.
Veja dois
exemplos: uma empresa com fluxo de
resultados de 100 unidades por mês em 84 meses.
1. Com uma taxa de 13,75% ao ano, em 84
meses, esse fluxo equivalerá a um valor presente de 5.504,71 unidades.
2. Se a taxa fosse de 8%, o valor presente
saltaria para 6.473,54 unidades.
Portanto, bastou subir
a taxa piso para, imediatamente derrubar o valor da empresa em 15%, mesmo que o
fluxo de resultados permaneça inalterado.
É por aí que se
entende as jogadas do mercado para manter a Selic em níveis elevados. Ela serve
de parâmetro não apenas para as aplicações de renda fixa, mas para definir o
valor presente de qualquer negócio da economia real.
O mesmo ocorreu com o
BNDES.
Uma empresa solicita
um financiamento. Volte ao exemplo anterior. Suponha um financiamento de R$ 10
milhões, por um prazo de 84 meses. A uma taxa de 13,75% ao ano, a prestação
seria de R$ 178.562,39; a 8% ao ano cairia para R$ 153.847,41, uma queda de
14%.
Como tudo é reduzido a
uma taxa de retorno, há a financeirização de todos os produtos da economia,
aluguéis, recebíveis e a própria rentabilidade das empresas.
Vem daí essa loucura
do imediatismo dos CEOs, de cortar custos loucamente, sem pensar na
perpetuidade da empresa, porque o que interessa é o resultado do próximo
balanço.
Mais que isso. Esse
modelo é mantido pelas chamadas políticas de austeridade – de tratar todos os
problemas com arrocho fiscal e juros elevados. Essa política mata completamente
a possibilidade de crescimento da economia, isto é, do setor privado. Os investimentos
se limitam a adquirir empresas em dificuldades, capitalizá-las e vendê-las mais
caras.
Mas, em uma economia
estagnada, também essa possibilidade é restrita. Esse modelo corta as
possibilidades de aposta no setor privado.
A alternativa única
passa a ser buscar essa rentabilidade diretamente na dívida pública, apostando
nos títulos do Tesouro. Vem daí esse terrorismo fiscal, que assume diversas
formas.
Quando, por exemplo, o
editorial diz que “gastança de Lula dá mais ganhos a rentistas”, ele não está
preocupado com o “mais ganhos para rentista”, mas em justificar o arrocho
fiscal. Tem-se um país com orçamentos defasados em universidades, muitas áreas críticas
com desfalque de pessoal, sem concurso há mais de uma década. E onde está o
sinal de gastança? Segundo o editorial, na escalada da dívida pública, que é
função direta da alta taxa Selic.
Essa forma imediatista
de pensar espraiou-se por todos os poros, transformando o Brasil em uma nação
de terraplanistas-financistas. É só conferir a comemoração da imprensa com o
fim das saídas de presos, as críticas ao papel do Supremo Tribunal Federal, a
transformação de Tarcísio de Freitas em governante eficiente, apenas porque
anunciou privatizações e cortes de despesas – sem sequer a mídia analisar que
despesas seriam cortadas.
Por que a festa com a
queda do veto presidencial na questão das saídas de presos? Os estudiosos da
questão atestam que as saídas – devidamente regulamentadas, de presos sem
periculosidade e com bom comportamento, a maioria dos quais já cumpre pena no
semi-aberto – é boa para a ressociabilização dos presos e para reduzir as
tensões nos presídios. Os terraplanistas dizem que bandido bom é bandido morto.
E a mídia? Sua única métrica é Lula. Se a decisão do Congresso significa
derrota de Lula, viva o terraplanismo penal. Porque um Lula enfraquecido é mais
vulnetável às pressões do mercado.
É por aí que se
entende saudar o desmonte da máquina pública, a desvinculação das receitas de
educação e saúde, o pouco caso com a situação das universidades e institutos de
pesquisa. Tudo porque a extraordinária influência mercado-mídia condicionou o
país inteiro, uma matilha de ratos de Pavlov devorando a própria perna.
Amanhã tentarei
explorar a maneira de começar a romper com essa loucura dos planos de
austeridade, que estão condenando o mundo à estagnação.
• Prossegue a marcha inexorável rumo a uma
economia commoditizada
São tantos passos
dados para trás que, ainda acho que haverá uma Proclamação da Monarquia, para
marcar a Nova Velha República herdada do período de redemocratização.
Hoje em dia, a
indústria brasileira resiste apenas nas confecções, em setores de menos
intensidade de capital e de tecnologia. Segundo a ABIT (Associação Brasileira
da Indústria Têxtil) são 24.600 empresas têxteis formais e 18 milhões de
empregos.
A decisão da Câmara,
de taxar em apenas 20% produtos importados de até 50 dólares é a pá de cal em
qualquer veleidade de industrialização. Segundo cálculo do Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo, o tíquete médio de produtos vendidos no
comércio nacional é inferior aos R$ 258 reais que serão taxados em 20%.
Somando aos 17% de
ICMS pagos pelos sites estrangeiros, chega-se a uma tributação total de 44,58%
para o produto importado, contra um pacote de impostos que pode chegar a 90%
para as empresas brasileiras.
Além dessa falta de
isonomia, o texto aprovado reduziu as alíquotas das plataformas para compras
acima de US$ 50,00. Segundo os cálculos da CIESP, para compras de US$ 100,00,
ou R$ 517,00, a taxação total (incluindo o ICMS) cai dos atuais 92,77% para 68,68%.
Em agosto de 2023,
segundo o CIESP, houve o primeiro ataque ao comércio e indústria varejista, com
a Portaria 612 do Ministério da Fazenda, com o benefício concedido às
plataformas que aderissem ao programa Remessa Conforme da Receita Federal, que
visava combater o contrabando.
Ao contrário do
produto nacional, os importados não precisam passar pela análise e aprovação do
Inmetro, Anvisa e Ministério da Agricultura e Pecuária.
O Programa Remessa
Conforme, bolado pela Receita Federal em conjunto com a Associação Brasileira
de Comércio Eletrônico (ABComm), foi lançado em 1º de agosto de 2023.
Permite isenção de
imposto de importação para compras até US$ 50,00, incluindo o valor do frete.
Além disso, recebem tratamento aduaneiro diferenciado. Em suma, já conferia uma
vantagem ampla às plataformas sobre o comércio e a indústria tradicionais.
Há uma falta total de
visão sistêmica sobre a economia.
Existe um problema: o
quase contrabando das plataformas para produtos de baixo valor e a dificuldade
de fiscalização.
Encontra-se a solução
acima e libera-se o pagamento de impostos. Pronto! Se não há impostos a cobrar,
não se pensa em sonegação mais. E não há ninguém para pensar nos impactos sobre
a indústria e o comércio nacionais.
Fonte: Jornal GGN
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