sábado, 29 de junho de 2024

Entenda a fraude das lojas Americanas que levou à operação da PF e à recuperação judicial de R$ 50 bilhões

Na manhã desta quinta-feira (27) uma operação da Polícia Federal (PF) deu início a um novo capítulo da história sobre a fraude contábil de mais de R$ 25 bilhões que resultou na recuperação judicial da Americanas — a maior já vista no Brasil, com uma dívida estimada em quase R$ 50,9 bilhões.

No Rio de Janeiro, agentes da PF cumprem 14 mandados de busca e apreensão contra ex-excutivos da companhia, além de pedir a prisão preventiva de Miguel Gutierrez, ex-CEO da empresa, e Anna Christina Ramos Saicali, uma de suas ex-diretoras.

Os nomes de ambos também foram incluídos na lista de mais procurados do mundo da Interpol, já que os dois estão no exterior.

Segundo a investigação, os executivos que foram alvos da operação estavam envolvidos na fraude das "inconsistências contábeis", revelada em janeiro de 2023 e que descobriu um rombo nos balanços corporativos da empresa.

A antiga diretoria da Americanas maquiava os resultados financeiros da empresa para demonstrar um falso aumento de caixa que valorizava artificialmente as ações da companhia na bolsa de valores brasileira, a B3. (entenda abaixo)

Em poucos dias, a situação da Americanas degringolou. Depois de um derretimento das ações na bolsa ao longo da semana e o início de disputas judiciais com credores em busca de pagamentos, a Americanas foi obrigada a entrar com um pedido de recuperação judicial. Relembre aqui a cronologia do caso.

Em nota, a Americanas disse nesta quinta-feira que "reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos".

•           O funcionamento da fraude

De acordo com a PF, a maquiagem dos números foi detectada, até agora, em operações de risco sacado e verba de propaganda cooperada (VPC).

▶️ Risco sacado é uma operação muito comum entre companhias, principalmente do setor de varejo. O analista de investimentos Vitor Miziara explica que essa prática consiste em repassar dívidas com fornecedores para bancos, fundos ou outras instituições financeiras.

"Quando você tem uma dívida com um fornecedor, no risco sacado, você repassa essa dívida para uma instituição financeira, que vai pagar direto para o fornecedor, e então você fica devendo para a instituição para liberar créditos novos com o fornecedor. Aí a instituição alonga o prazo dessa dívida e você paga o valor em mais tempo", explica o analista.

No entanto, no caso da Americanas, as dívidas que eram repassadas por meio do risco sacado eram retiradas do balanço corporativo da empresa. Ou seja, as acusações são de que os executivos retiravam o valor das dívidas com fornecedores, como se elas já tivessem sido pagas, mas não sinalizavam que a dívida agora era com uma instituição financeira.

"Em vez de somar uma dívida aos valores devidos aos bancos na contabilidade, a empresa apenas subtraia do que era devido aos fornecedores, como se a dívida já tivesse sido completamente resolvida", comenta Miziara.

▶️As verbas de propaganda cooperada (VPCs) são incentivos comerciais comuns no varejo. Nele, a empresa varejista faz propagandas oferecendo os produtos de seus fornecedores, que resultam em um desconto do valor que é devido pela companhia quando são vendidos.

Porém, a investigação da PF aponta que eram contabilizadas nos balanços da empresa as VPCs que nunca existiram ou que tiveram seus valores inflados.

Com os números manipulados e fraudulentos, os executivos recebiam altos bônus por um desempenho que era falso, além de conseguir lucros na venda das ações.

A PF identificou os crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro, o que pode gerar uma pena de até 26 anos de prisão, caso os investigados sejam condenados.

•           Relembre o caso Americanas

A gigante varejista Americanas informou um rombo contábil bilionário no dia 11 de janeiro de 2023. Naquele momento, a companhia disse que havia identificado "inconsistências em lançamentos contábeis" nos balanços corporativos no valor de quase R$ 20 bilhões.

Sergio Rial, então presidente da empresa e quem assumiu após a saída de Miguel, decidiu deixar o comando do negócio após apenas nove dias no comando.

Os investidores — pessoa física e institucionais — iniciaram uma corrida para se desfazer dos papéis. Isso fez com que as ações da companhia despencassem quase 80% em um único dia, e a fuga continuou nos pregões seguintes.

Em uma conferência após sua demissão, Rial disse "a primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos", disse.

No dia 19 de janeiro, a Americanas pediu a recuperação judicial na Justiça do Rio de Janeiro e teve suas ações retiradas da B3. A primeira versão do plano de recuperação foi apresentada em março, mas a empresa só teve um plano aprovado no último dia 19 de dezembro, exatamente 11 meses depois.

A dívida final apresentada no plano foi de mais de R$ 50 bilhões, sendo uma dívida trabalhista de R$ 82,9 milhões e uma fraude de resultado de R$ 25,2 bilhões ao final de 2022.

O processo de recuperação envolverá um aporte de R$ 12 bilhões dos "acionistas de referência" — o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herrmann Telles — e a venda de ativos, inicialmente o Hortifruti Natural da Terra e a Uni.Co (empresa de franquias das marcas Imaginarium e Puket). 

•           As maiores recuperações judiciais em curso no Brasil

Um levantamento da plataforma de pesquisas para o mercado financeiro Quantum Finance mostra que o valor da dívida envolvida na recuperação judicial da Americanas é o maior do Brasil em andamento.

<><> Veja a lista dos 10 maiores valores de recuperações judiciais do Brasil:

1.          Americanas: R$ 50,87 bilhões

2.          Oi: R$ 50,61 bilhões

3.          Light: R$ 16,76 bilhões

4.          OSX Brasil: R$ 8,5 bilhões

5.          Paranapanema: R$ R$ 5,2 bilhões

6.          Coteminas: R$ 2,46 bilhões

7.          Springs: R$ 2,19 bilhões

8.          Renova: R$ 1,7 bilhões

9.          João Fortes: R$ 1,5 bilhões

10.        Teka: R$ 1,2 bilhões

•           Dois delatores entregaram esquema da Americanas à PF

Dois funcionários das Lojas Americanas fecharam delação e entregaram todo o esquema investigado na Operação Disclosure, deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta quinta-feira (27) — da qual 14 ex-executivos são alvo.

As delações serviram de meio de obtenção de prova. Eles entregaram e-mails e mensagens. A PF, então, confirmou as informações a partir de diligências.

Entre os investigados estão Miguel Gutierres, que era CEO, e está na Espanha; e Anna Cristina Ramos Saicali, que era diretora, e está em Portugal.

A PF já está em contato com as autoridades dos dois países, pois ambos são considerados foragidos.

•           Esquema

Catorze ex-executivos das Lojas Americanas são alvo da operação que investiga fraudes contábeis de R$ 25 bilhões dentro da empresa. Os investigados são:

<><> Foragidos

•           Anna Christina Ramos Saicali

•           Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez, ex-CEO

<><> Alvos de buscas

•           Anna Christina da Silva Sotero

•           Carlos Eduardo Rosalba Padilha

•           Fabien Pereira Picavet

•           Fábio da Silva Abrate

•           Jean Pierre Lessa e Santos Ferreira

•           João Guerra Duarte Neto

•           José Timotheo de Barros

•           Luiz Augusto Saraiva Henriques

•           Marcio Cruz Meirelles

•           Maria Christina Ferreira do Nascimento

•           Murilo dos Santos Correa

•           Raoni Lapagesse Franco Fabiano

De acordo com a PF, a fraude maquiou os resultados financeiros do conglomerado a fim de demonstrar um falso aumento de caixa e consequentemente valorizar artificialmente as ações das Americanas na bolsa.

Com esses números manipulados, segundo a PF, os executivos recebiam bônus milionários por desempenho e obtinham lucros ao vender as ações infladas no mercado financeiro.

A operação é fruto de investigação iniciada em janeiro de 2023, após a empresa ter comunicado a existência de “inúmeras inconsistências contábeis” e um rombo patrimonial estimado, inicialmente, em R$ 20 bilhões. Mais tarde, a Americanas revelou que a dívida chegava a R$ 43 bilhões.

Foram identificados vários crimes, como manipulação de mercado, uso de informação privilegiada (ou insider trading), associação criminosa e lavagem de dinheiro. Caso sejam condenados, os alvos poderão pegar até 26 anos de prisão.

A força-tarefa contou com procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e representantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A atual administração do Grupo Americanas também contribuiu com o compartilhamento de informações da empresa.

Disclosure, expressão utilizada pela Polícia Federal para designar a operação, é um termo do mercado de capitais referente ao fornecimento de informações para todos os interessados na situação de uma companhia e tem relação com a necessidade de transparência das empresas de capital aberto.

•           Quem é Miguel Gutierrez, ex-CEO procurado pela PF por fraudes contábeis na Americanas

O ex-CEO da varejista Americanas, Miguel Gutierrez é considerado foragido pela Polícia Federal (PF), e terá seu nome colocado na lista dos mais procurados do mundo da Interpol.

Ele teve sua prisão preventiva determinada pela polícia em meio às investigações por fraude contábil de mais de R$ 25 bilhões na empresa, que resultou em uma recuperação judicial de R$ 50 bilhões, a maior do Brasil na atualidade.

Além dele, a PF pediu a prisão de Anna Christina Ramos Saicali, uma das ex-diretoras da Americanas na gestão de Gutierrez. Ela também é considerada foragida.

Agentes da PF cumpriram 14 mandados de busca e apreensão contra ex-executivos da companhia na Operação Disclosure. Segundo o blog da Camila Bomfim, dois funcionários da Americanas fecharam delação e entregaram todo o esquema.

Segundo a investigação, os resultados financeiros da Americanas foram maquiados para demonstrar um falso aumento de caixa que valorizava artificialmente as ações da companhia na bolsa de valores brasileira, a B3. (entenda o esquema adiante)

<><> Quem é Miguel Gutierrez

Bastante discreto, Miguel Gutierrez vive na Espanha desde que o escândalo da Americanas estourou, em janeiro de 2023. O ex-executivo nasceu em 1961, é brasileiro com dupla cidadania espanhola.

Gutierrez se formou em engenharia mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Também fez um programa de formação de lideranças nos Estados Unidos.

Começou sua carreira na Americanas em 1993, quando a companhia ainda era presidida por Carlos Alberto Sicupira, um dos acionistas de referência da empresa e parte do notório trio de bilionários, ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles.

Ao longo de três décadas na companhia, passou por diversos setores e logo agradou aos bilionários, pois era focado em estratégias para corte de custos nas operações, segundo apuração da Bloomberg.

Gutierrez assumiu a presidência da Americanas 10 anos após seu ingresso na empresa, onde ficou até dezembro de 2022. Saiu porque renunciou ao cargo. Nestes 20 anos de comando, Gutierrez fez raras aparições públicas.

No seu lugar, entrou Sergio Rial, que havia feito carreira no banco Santander. O executivo ficou no cargo por apenas nove dias, e pediu demissão após identificar as fraudes contáveis nos balanços corporativos do grupo.

•           Ex-CEO pedia documentos por pen drive para se proteger, diz MPF

'Envia pen drive ao MG como solicitado', pede um funcionário ao receber um documento com dados usados para maquiar as contas da empresa. Miguel Gutierrez foi preso nesta sexta (28) em Madri. Sua defesa nega irregularidades.

Miguel Gutierrez, ex-CEO das Lojas Americanas — Foto: GloboNews/Reprodução

O ex-CEO das Americanas, Miguel Gutierrez, recebia documentos por pen drive, e não por e-mail, segundo o Ministério Público Federal (MPF), para se proteger.

"A maior parte dos documentos não era enviada a Miguel Gutierrez por e-mail. Para se resguardar, o CEO pedia que as informações fossem gravadas em pen drive e entregues fisicamente", diz o MPF.

O órgão cita uma troca de mensagens entre Flávia Carneiro e Carlos Padilha, ex-funcionários da Americanas, sobre verbas de propaganda cooperada (VPC). Essas verbas são comuns no varejo, mas, no caso da Americanas, foram usadas para maquiar as contas.

"Padilha, segue o controle de verba. É o item 4 do índice no kit de fechamento", diz Flávia num e-mail de setembro de 2019.

O e-mail continha um anexo que, segundo o MPF, discriminava os valores falsos de VPC que, em julho de 2019, somavam R$ 3,9 bilhões.

No mesmo dia, Padilha – que também é investigado – responde para a funcionária:

“Flávia, fecha com o Sérgio e Paula e envia pen drive ao MG como solicitado. Posiciona por favor. Obrigado”, diz a mensagem.

Gutierrez foi preso nesta sexta-feira (28) em Madri, suspeito participação em fraudes contábeis que chegaram a R$ 25 bilhões, segundo investigações da Polícia Federal. A ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali, também alvo de mandado de prisão, segue foragida.

Segundo o MPF, Gutierrez participava de fraudes "desde o seu planejamento até a publicação dos resultados".

A defesa de Miguel Gutierrez declarou que ele jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude, e que tem colaborado com as autoridades. Assessoria da ex-diretora Anna Saicali não se posicionou.

A Americanas afirma que é vítima da antiga administração.

 

Fonte: g1

 

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