sábado, 25 de maio de 2024

Egbert Mallmann e Veronica Korber Gonçalves: ‘A emergência climática e os ataques do governo Leite ao bioma Pampa’

A grande quantidade de chuva que cai no Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio de 2024, causando mortes, deslocamentos forçados, prejuízos bilionários em infraestrutura, entre outros tantos males, não pode ser considerada como um evento isolado, aleatório, obra do divino. Esse evento climático extremo decorre diretamente da equivocada intervenção humana no meio ambiente, quase sempre voltada para a maximização de ganhos econômicos. Decorre de um modelo de desenvolvimento desigual que acentua injustiças socioambientais. Decorre de um modelo de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos que agrava violações de direitos humanos num contexto de emergência climática global.

É preciso reconhecer. Um agricultor ganha mais dinheiro expandindo a sua a produção agrícola sobre a floresta e as margens de rios compactando esses solos, assim como ganha mais aquele que minerar sobre áreas de proteção ambiental, reduzindo a área de absorção das águas das chuvas. Exemplos como esses não são fictícios. Basta ver as margens dos rios Caí, Jacuí, Sinos, Gravataí e lembrar a intenção de implantação de uma grande mina de carvão nas margens da APA do Delta do Jacuí, na região metropolitana de Porto Alegre, defendida pelo Governador Eduardo Leite em seu primeiro mandato. Tratam-se de práticas de apropriação privada – com a chancela do Poder Executivo, do Poder Legislativo e por vezes do Judiciário – de bens comuns do povo, essenciais à sadia qualidade de vida humana e não humana.

Por outro lado, também é certo que quanto menos floresta e áreas com vegetação para absorver e conter a água das chuvas, mais água teremos cobrindo e devastando as nossas cidades, muitas delas construídas sobre áreas de inundação dos rios, como estamos vendo agora. Algumas das cidades atingidas ficaram totalmente submersas, como é o caso de Eldorado do Sul, forçando o deslocamento de milhares de pessoas.

Por isso, uma das medidas urgentes que devemos adotar daqui para frente é a proteção efetiva dos nossos biomas, especialmente do bioma Pampa, que ainda não conta com uma legislação protetiva e vem sendo dizimado ao longo dos últimos anos. Conforme informações do MapBiomas, o Pampa foi o bioma que mais perdeu vegetação nativa nos últimos 36 anos.

De maneira oposta ao que o governador Eduardo Leite afirmou em entrevista para o programa Roda Viva em 20/05/2024, o bioma Pampa não foi protegido no novo Código Estadual do Meio Ambiente. Este código, que foi proposto em regime de urgência pelo governador e aprovado sem discussão com a sociedade gaúcha, não proibiu o desmatamento da vegetação desse bioma. Pelo contrário, estabelece expressamente a possibilidade de supressão da sua vegetação, o que antes não havia. E para tanto exige apenas o cadastramento do imóvel no CAR, ou seja, de uma autodeclaração do proprietário.

Além disso, não há uma limitação de supressão como a prevista na lei da Mata Atlântica. O código não estabelece uma regra capaz de impedir o desmatamento total do bioma Pampa. Portanto, existe algo de verdadeiro nas palavras do Governador, o novo código apenas “previu o bioma Pampa”, mas não o protegeu.

Essa “simples previsão legislativa” teve efeitos negativos na prática. Não foi capaz de conter a destruição do Pampa. Segundo o INPE, em 2021, ano posterior à aprovação do novo código estadual do meio ambiente, houve o desmatamento de 1.526 km² do bioma Pampa, quase o dobro do verificado no ano de 2020, dado que confirma que essa lei foi um grande retrocesso ambiental nesse aspecto. Assim, ao invés de proteger e restaurar o bioma Pampa, o governador passou a “autorizar” a sua gradual extinção.

Se, mesmo diante desta grave catástrofe que vivemos no Rio Grande do Sul, mantivermos esse tipo de legislação em vigor, que autoriza o desmatamento de vegetação nativa sem qualquer limite, ficará mais difícil colocar a culpa na força da natureza nos próximos eventos climáticos extremos que ocorrerão.

 

•        ‘Eu não teria aberto as comportas’, diz ex-diretor do DEP e do Dmae

 

Diante dos novos alagamentos em Porto Alegre nesta quinta-feira (23), ex-diretores do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) criticaram a medida da Prefeitura de derrubar comportas do Guaíba na semana passada para que a inundação pudesse ser escoada. Em coletiva de imprensa na sede do Sindicato dos Engenheiros (Senge), os especialistas voltaram a reforçar a necessidade de manutenção das comportas e das casas de bombas da cidade.

Mestre em Planejamento Urbano e Regional, a engenheira Nanci Giugno explicou que a cidade conta com dois sistemas: o de comportas e o de drenagem. “Os dois não funcionaram. Hoje vemos água da chuva, da bacia como um todo, que não consegue sair da cidade porque estamos sem a proteção da inundação e sem a eficiente drenagem interna da cidade”.

As casas de bombas da cidade ainda estão operando parcialmente, algumas com auxílio de geradores. Na semana passada, o grupo de especialistas havia sugerido fazer uso de bombas flutuantes para recuperar o sistema nesse meio tempo.

“Eu não teria aberto a comporta do muro. Quando se abre a comporta do muro, perde-se o controle da relação lago-cidade”, afirmou o engenheiro Augusto Damiani. Ex-diretor do DEP e do DMAE, Damiani tem 40 anos de experiência em drenagem urbana.

O engenheiro Vicente Rauber, que já dirigiu a CEEE e o DEP, afirmou que as soluções imediatas seguem sendo as mesmas que os especialistas já defenderam na semana passada. O grupo chegou a se reunir com o prefeito Sebastião Melo (MDB) na última sexta-feira (17) para sugerir que fossem vedadas as comportas e as tampas violadas dos condutos forçados Polônia e Álvaro Chaves, entre outras medidas emergenciais.

Rauber defendeu ainda que havia tempo para realizar a manutenção do sistema depois da enchente de novembro do ano passado. “A própria natureza mostrou o que tinha que ser consertado nas comportas. As casas de bombas têm operadores 24 horas por dia, que avisam os problemas da casa para os chefes. Certamente o fizeram, e elas também não tiveram seus problemas resolvidos a tempo”.

Faltou manutenção

No manifesto que assinaram em 13 de maio, 42 engenheiros fizeram o primeiro alerta de que o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre é robusto, eficiente e fácil de operar e manter – mas falta uma manutenção permanente, especialmente em relação às comportas.

“A manutenção não é só física, é de gestão. Se um modelo é desenvolvido para uma cidade com x habitantes, ele funciona. Mas se toda a área de várzea é ocupada com construções, a condição de permeabilidade muda”, acrescentou o engenheiro Darci Campani, membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES).

Campani também defendeu a importância da gestão pública de órgãos como o Dmae. “Empresas privadas competentes existem, mas para conhecer o sistema de drenagem não pode ser um funcionário que é admitido hoje e demitido amanhã. Tem que ser funcionário público, tem que ter história”.

Quatro diques externos (Na Freeway, na Av. Castelo Branco, na Av. Beira-Rio e na Av. Diário de Notícias), além do Muro da Mauá, somam aproximadamente 60 km. Já os diques internos da cidade são formados pelas margens dos principais arroios que deságuam no Guaíba, especialmente o Dilúvio. Ao longo do sistema existem 23 casas de bombas, que também possuem comportas.

Os engenheiros explicam que esse sistema, quando totalmente fechado, impede o extravasamento das águas sobre Porto Alegre e evita a inundação até a cota de 6 m. As águas geradas dentro da cidade são retiradas através do bombeamento das casas de bombas, diques internos e condutos forçados (dutos completamente fechados que levam as águas para o Guaíba desde os pontos mais altos). Ou seja, os dois sistemas – de proteção e de drenagem – precisam funcionar de forma integrada.

Tanto as comportas ao longo do Muro da Mauá e abaixo da Av. Castelo Branco, quanto as que ficam junto às casas de bombas carecem de manutenção, segundo os especialistas. Os vazamentos observados nesta enchente estão em boa parte das comportas sem manutenção.

No ano passado, quando o sistema foi acionado durante as inundações com início no Vale do Taquari e que também inundaram a Região Metropolitana, as deficiências nas comportas ficaram visíveis. De acordo com o manifesto, “fáceis de serem sanadas, mas não foram”. As próprias casas de bombas, bem como as Estações de Bombeamento de Água Bruta (EBABs) ficaram inundadas neste mês de maio. Além disso, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) atua em situação que os engenheiros consideram “muito desfavorável”, com o quadro de funcionários reduzido.

 

Fonte: Sul 21

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário