quinta-feira, 30 de maio de 2024

Como as baratas-alemãs ou 'baratinhas' se espalharam pelo mundo

Se você superou o nojo e o medo, e ousou matar uma barata com uma pisada, o mais provável é que aquele cadáver – que agora tem que sair do seu sapato – seja o de uma barata-alemã.

Não importa se você está no Brasil, na Argentina, no México, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país, das 4.500 espécies que existem, a alemã (Blattella germanica) é a que conseguiu conquistar o mundo.

Na pia da cozinha, em cantos úmidos e escuros, deslizando por ralos e canos... Exceto no meio da natureza, esses insetos parecem estar por toda parte.

No Brasil, elas são conhecidas popularmente como "baratinhas". Mas por aqui também podem ser chamadas de barata-loira, barata-francesa e francesinha.

Originária da Ásia (especificamente do leste da Índia e de Bangladesh), a barata-alemã se espalhou pelo planeta por duas rotas em direções opostas, de acordo com um novo estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences que analisou amostras de DNA de 281 espécimes de 17 países.

A primeira onda migrou para oeste a partir da Baía de Bengala, no Oceano Índico, há cerca de 1.200 anos.

A onda seguinte, há cerca de 390 anos, rumou para o leste.

Parou primeiro na Indonésia, de lá provavelmente viajou para a Europa, chegando finalmente ao continente americano há cerca de 120 anos.

As guerras e o comércio facilitaram essas migrações. Mas como elas conseguiram sobreviver em ambientes com climas tão diversos?

·        As vantagens da globalização (para baratas)

Em parte, a resposta está na globalização.

"Como são insetos restritos a ambientes internos e raramente estão ao ar livre, as condições ambientais externas não fazem grande diferença", explica Qian Tang, pesquisador da Universidade Harvard, nos EUA, e coautor do estudo.

"E, com a globalização, as casas estão se tornando cada vez mais semelhantes e compartilhando as mesmas características", acrescenta em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Melhorias nas condições de moradia — como o uso de aquecimento no inverno — tornaram o habitat mais confortável para essas baratas, que não toleram bem o frio.

E os padrões de higiene modernos, ao contrário do que poderíamos supor, deram à Blattella germanica uma vantagem sobre o resto da espécie.

Uma casa mais limpa "torna mais difícil para outras espécies de baratas encontrar comida", explica Tang.

"No entanto, as baratas alemãs — que são pequenas (medindo entre 1 cm e 1,5 cm) e vivem em grupos — se comportam de forma cooperativa na busca por alimento."

"Portanto, se alguém encontra comida, deixa algum rastro para que outros membros da colônia possam acessá-la. Ou seja, é uma espécie mais eficiente para encontrar alimento em uma casa relativamente limpa", acrescenta.

Por outro lado, apresentam uma rápida evolução na resistência aos inseticidas, ao contrário de outras espécies, o que as torna menos vulneráveis ​​às tentativas de eliminá-las.

·        Alemãs?

Uma vez descoberta a sua origem, que não tem relação com a Alemanha, a questão é por que acabaram com esse nome.

Segundo Tang, a primeira vez que foram vistos na Europa foi nos armazéns de alimentos do exército durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763).

Cada lado no conflito chamava eses insetos pelo nome do seu oponente: para os soldados russos eram "baratas prussianas" (em homenagem ao antigo Estado alemão), enquanto os inimigos da Rússia chamavam de "baratas russas".

Alguns anos depois, o biólogo sueco Carl Linneus as classificou e primeiro deu o nome de Blatta germanica (Blatta significa evitar a luz em latim) e germânica porque as espécies que analisou foram coletadas na Alemanha.

É importante lembrar também que a Suécia lutou na Guerra dos Sete Anos contra a Prússia.

O gênero foi posteriormente renomeado como Blattella, para agrupar as variedades menores de baratas.

·        Como acabar com elas

Voltando à barata que ainda está presa — ou não — no seu sapato... Como podemos combatê-las, visto que podem causar alergias e doenças?

Por se tratar de um inseto de interiores, os produtos naturais não funcionam, diz Tang.

O que ajuda, explica, é lidar da melhor forma com o desperdício de alimentos para reduzir o número de indivíduos e usar inseticidas, embora as baratas desenvolvam rapidamente resistência aos produtos.

Além disso, "com base no nosso conhecimento, sabemos que têm medo do frio", diz Tang.

 

¨      Por que há cada vez mais moscas e baratas e menos borboletas e abelhas

Uma nova análise científica sobre o número de insetos no mundo sugere que 40% das espécies estão experimentando uma "dramática taxa de declínio" e podem desaparecer. Entre elas, abelhas, formigas e besouros, que estão desaparecendo oito vezes mais rápido que espécies de mamíferos, pássaros e répteis. Já outras espécies, como moscas domésticas e baratas, devem crescer em número.

Vários outros estudos realizados nos últimos anos já demonstraram que populações de algumas espécies de insetos, como abelhas, sofreram um grande declínio, principalmente nas economias desenvolvidas. A diferença dessa nova pesquisa é ter uma abordagem mais ampla sobre os insetos em geral. Publicado no periódico científico Biological Conservation, o artigo faz uma revisão de 73 estudos publicados nos últimos 13 anos em todo o mundo.

Os pesquisadores descobriram que o declínio nas populações de insetos vistos em quase todas as regiões do planeta pode levar à extinção de 40% dos insetos nas próximas décadas. Um terço das espécies está classificada como ameaçada de extinção.

"O principal fator é a perda de habitat, devido às práticas agrícolas, urbanização e desmatamento", afirma o principal autor do estudo, Francisco Sánchez-Bayo, da Universidade de Sydney.

"Em segundo lugar, está o aumento no uso de fertilizantes e pesticidas na agricultura ao redor do mundo, com poluentes químicos de todos os tipos. Em terceiro lugar, temos fatores biológicos, como espécies invasoras e patógenos. Quarto, mudanças climáticas, particularmente em áreas tropicais, onde se sabe que os impactos são maiores."

Os insetos representam a maioria dos seres vivos que habitam a terra e oferecem benefícios para muitas outras espécies, incluindo humanos. Fornecem alimentos para pássaros, morcegos e pequenos mamíferos; polinizam em torno de 75% das plantações no mundo; reabastecem os solos e mantêm o número de pragas sob controle.

·        Os riscos da redução do número de insetos

Entre destaques apontados pelo estudo estão o recente e rápido declínio de insetos voadores na Alemanha e a dizimação da população de insetos em florestas tropicais de Porto Rico, ligados ao aumento da temperatura global.

Outros especialistas dizem que as descobertas são preocupantes. "Não se trata apenas de abelhas, ou de polinização ou alimentação humana. O declínio (no número de insetos) também impacta besouros que reciclam resíduos e libélulas que dão início à vida em rios e lagoas", diz Matt Shardlow, do grupo ativista britânico Buglife.

"Está ficando cada vez mais claro que a ecologia do nosso planeta está em risco e que é preciso um esforço global e intenso para deter e reverter essas tendências terríveis. Permitir a erradicação lenta da vida dos insetos não é uma opção racional".

Os autores do estudo ainda estão preocupados com o impacto do declínio dos insetos ao longo da cadeia de produção de comida. Já que muitas espécies de pássaros, répteis e peixes têm nos insetos sua principal fonte alimentar, é possível que essas espécies também acabem sendo eliminadas.

·        Baratas e moscas podem proliferar

Embora muitas espécies de insetos estejam experimentando uma redução, o estudo também descobriu que um menor número de espécies podem se adaptar às mudanças e proliferar.

"Espécies de insetos que são pragas e se reproduzem rápido provavelmente irão prosperar, seja devido ao clima mais quente, seja devido à redução de seus inimigos naturais, que se reproduzem mais lentamente", afirma Dave Goulson, da Universidade de Sussex.

Segundo Goulson, espécies como moscas domésticas e baratas podem ser capazes de viver confortavelmente em ambientes humanos, além de terem desenvolvido resistência a pesticidas.

"É plausível que nós vejamos uma proliferação de insetos que são pragas, mas que percamos todos os insetos maravilhosos de que gostamos, como abelhas, moscas de flores, borboletas e besouros".

·        O que podemos fazer a respeito?

Apesar dos resultados do estudo serem alarmantes, Goulson explica que todos podem tomar ações para ajudar a reverter esse quadro. Por exemplo, comprar comida orgânica e tornar os jardins mais amigáveis aos insetos, sem o uso de pesticidas.

Além disso, é preciso fazer mais pesquisas, já que 99% da evidência do declínio de insetos vêm da Europa e da América do Norte, com poucas pesquisas na África e América do Sul.

Se um grande número de insetos desaparecer, diz Goulson, eles provavelmente serão substituídos por outras espécies. Mas esse é um processo de milhões de anos. "O que não é um consolo para a próxima geração, infelizmente".

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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