Trabalho: Os chocantes impactos da crise
climática
Estudo da
OIT aponta que o aquecimento global afeta de forma grave a saúde de 70% dos
trabalhadores no mundo. Além disso, pode gerar uma perda de 19% da renda
global. Todo o planeta arde, mas Sul Global e mais pobres são os mais
atingidos.
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Crise climática sem
fronteiras
Em 2023, a Ásia foi a
região mais afetada por cataclismos climáticos. As temperaturas da superfície
do mar no noroeste do Pacífico foram as mais altas já registradas, tanto que o
próprio Oceano Ártico sofreu uma onda de calor marinha. A taxa de aquecimento
nesse continente excedeu a média global, duplicando a tendência ascendente de
1961 a 1990 num curto espaço de tempo. De acordo com a Base Internacional de
Dados de Eventos de Desastres (EM-DAT, The International Disaster Database), a
Ásia experimentou 79 desastres hidrometeorológicos no ano passado. Destes, mais
de 80% foram causados por tempestades e inundações que afetaram diretamente
mais de 9 milhões de pessoas.
Em outro relatório
regional, também do final de abril, a Organização Meteorológica Mundial (OMM)
descreve o impacto do clima cada vez mais preocupante na Europa, onde, devido a
temperaturas extremas, a mortalidade aumentou cerca de 30% nas últimas duas décadas.
2023 foi um dos dois
anos mais quentes já registrados, com temperaturas acima da média por 11 meses.
Foi também o ano com mais dias de “estresse térmico extremo”, ou seja,
desequilíbrios significativos do corpo humano causados por temperaturas extremas devido
ao calor ou frio.
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O mundo do trabalho é
particularmente vulnerável
Embora esses
cataclismos afetem a população em geral, atingem os trabalhadores em
particular, geralmente as pessoas mais expostas aos rigores do clima por
períodos mais longos e a temperaturas mais intensas. Um novo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), intitulado “Garantir a segurança e a saúde no trabalho em um
clima em mudança”, aponta que as mudanças climáticas estão causando efeitos
terríveis na saúde de 70% dessas pessoas em todo o mundo, como lesões
dermatológicas, câncer, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias,
degeneração macular e problemas mentais.
O relatório, divulgado
na terceira semana de abril – dia 28 deste mês foi o Dia Mundial da Segurança e
Saúde no Trabalho – inclui evidências irrefutáveis de seis principais efeitos
das mudanças climáticas na segurança e saúde no trabalho. Esses efeitos, muitos
dos quais não são novos, foram selecionados por sua gravidade e pela magnitude
de seu impacto: calor excessivo, radiação ultravioleta, eventos climáticos
extremos, poluição do ar, doenças transmitidas por vetores (mosquitos, por
exemplo) e mudanças no uso de agrotóxicos.
O calor excessivo é um
dos efeitos mais nocivos e generalizados. De acordo com a OIT, pelo menos 2,41
bilhões de trabalhadores sofrem com isso, especialmente na agricultura, na
gestão de recursos naturais, na construção, na coleta de resíduos, no transporte,
no turismo e nos esportes. Altas temperaturas podem causar insolação, exaustão,
rabdomiólise (NdT: doença que causa a degradação do tecido muscular que libera
uma proteína prejudicial no sangue), síncope, câimbras, erupção cutânea,
doenças cardiovasculares e lesões renais agudas e crônicas. O relatório
contabiliza mais de 22 milhões de acidentes de trabalho e quase 19 mil mortes
anuais devido ao calor extremo.
Além disso, cerca de
1,6 bilhão de trabalhadoras/es são expostas/os à radiação ultravioleta
anualmente, com graves consequências, como queimaduras solares, bolhas, lesões
oculares agudas, sistema imunológico enfraquecido, pterígio (NdT: crescimento
anormal da conjuntiva), catarata, câncer de pele e degeneração macular, entre
outros. Anualmente, milhares de pessoas morrem anualmente de câncer de pele não
melanoma relacionado apenas a diferentes formas de trabalho.
Em relação ao impacto
de eventos meteorológicos e hidrológicos extremos, a OIT estima mais de 2
milhões de mortes nos últimos 50 anos, especialmente entre pessoal médico e
paramédico, bombeiros, trabalhadoras/es de emergências em geral, bem como nos
setores agrícola e pesqueiro.
Outros 850 mil
trabalhadores morrem anualmente devido à poluição do ar, vítimas de doenças
graves como câncer (particularmente câncer de pulmão), doenças cardiovasculares
e respiratórias.
Pelo menos 873 milhões
de pessoas que trabalham no setor agrícola enfrentam um risco maior de
exposição a agrotóxicos, correlacionado com uma ampla gama de diagnósticos de
envenenamento, câncer, neurotoxicidade, desregulação endócrina, distúrbios
reprodutivos, doenças pulmonares e cardiovasculares obstrutivas crônicas e
imunossupressão. E mais de 300 mil mortes por ano são devidas à intoxicação por
pesticidas. Nesse mesmo setor, mas especificamente em ocupações como construção
civil e bombeiros, ocorrem anualmente mais de 15 mil mortes causadas por
doenças parasitárias e transmitidas por vetores, como leishmaniose, doença de
Chagas, tripanossomíase africana, malária, dengue e esquistossomose.
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Prioridade imperativa:
proteger as/os trabalhadoras/es
Mais de dois em cada
três trabalhadoras/es enfrentam graves consequências para a saúde todos os dias
devido ao impacto das alterações climáticas no seu trabalho. De acordo com a
OIT, esses números globais só tendem a piorar e que, como a inércia é a pior
conselheira, é preciso agir urgentemente e em várias direções. Alguns setores,
como os trabalhadores agrícolas, bem como os trabalhadores que realizam tarefas
pesadas e ao ar livre em climas quentes, são particularmente vulneráveis aos
efeitos do aquecimento global. Em ambos os casos, é necessário pensar em
medidas protetivas adicionais.
Além disso, veja como
adaptar as atuais políticas de segurança e saúde no trabalho em resposta às
mudanças climáticas. De acordo com a OIT, não se pode descartar a avaliação da
legislação existente e o desenvolvimento de novos regulamentos e diretrizes para
garantir que o local de trabalho seja adequadamente protegido contra as ameaças
resultantes do aquecimento global.
Outro passo essencial
para o futuro próximo é garantir que as preocupações climáticas reforcem a
importância da segurança e da saúde no trabalho e que novas diretrizes sejam
integradas nas políticas climáticas. Será também essencial aumentar a
investigação e garantir uma base empírica mais forte para orientar as respostas
necessárias. O ponto de partida atual é fraco porque as evidências científicas
em muitas áreas críticas são extremamente limitadas. São necessárias
investigações mais aprofundadas para desenvolver e avaliar a eficácia das
medidas preventivas de segurança e saúde no trabalho em diferentes países e
setores de atividade. Tudo isto no quadro de um diálogo social eficiente que dê
uma resposta eficaz a esses problemas num mundo do trabalho em mudança.
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Quem vive no sul, os
mais afetados
Devido às mudanças
climáticas, mesmo que as emissões de CO2 fossem drasticamente reduzidas a partir de hoje, até 2050 a
economia mundial poderia perder 19% de suas receitas potenciais. Esse é o
cálculo de um grupo de especialistas do Instituto Potsdam de Pesquisa de
Impacto Climático (PIK) publicado na revista Nature na
terceira semana de abril.
Com base em dados
empíricos coletados em mais de 1.600 regiões do mundo nos últimos quarenta
anos, esses especialistas argumentam que essa perda pode ser seis vezes maior
do que os custos necessários para limitar o aquecimento global a dois graus
Celsius.
A cientista do PIK,
Leonie Wenz, uma das coordenadoras do estudo, comenta que “as mudanças
climáticas causarão enormes danos econômicos nos próximos vinte e cinco anos em
quase todos os países do mundo, mesmo os altamente desenvolvidos, como
Alemanha, França e Estados Unidos”. E explica que “esses danos a curto prazo
são resultado das nossas emissões passadas [e que] precisaremos de mais
esforços de adaptação se quisermos evitar pelo menos alguns deles”. Por isso,
propõe “reduzir drástica e imediatamente as nossas emissões; caso contrário, as
perdas econômicas serão ainda maiores na segunda metade do século”. E conclui
que “proteger o nosso clima é muito mais importante e mais barato do que não o
fazer, e isso sem sequer considerar impactos não econômicos, como a perda de
vidas ou a biodiversidade”. Dentro desse panorama preocupante, a equipe do PIK
alerta que os países do sul da Europa serão os mais afetados no continente.
Por outro lado, o Sul
da Ásia e a África serão as regiões mais atingidas do mundo. Em outras
palavras, as nações mais empobrecidas do mundo e que têm menor responsabilidade
pelo aquecimento global sofrerão os efeitos mais devastadores dele resultantes.
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A proposta dos
catadores para o inferno dos plásticos. Por Aline Sousa da
Silva e Luísa Santiago
Catadores e catadoras
de materiais recicláveis têm contribuído, há anos, para mantermos bons índices
de reciclagem para materiais
como latas de alumínio, cuja taxa chegou a quase 100% em 2021, número que
coloca o Brasil como o país que mais recicla alumínio no mundo. Limpando rios e
lagos, recolhendo os resíduos das ruas, dos lixões que insistem em existir, ou fazendo
a triagem e classificação, esses agentes ambientais recuperam o valor de
materiais que podem ser incorporados a novos produtos e embalagens. Mostram que
o que parece descartável tem valor subestimado e subaproveitado.
Por essa função
ambiental e econômica, conquistaram visibilidade a ponto de serem considerados
grupo de atenção prioritária para a presidência do Brasil. Na icônica
transmissão da faixa presidencial a Lula por uma catadora, enxergou-se, enfim,
que a categoria não apenas cresceu e se consolidou, como se tornou
imprescindível para o nosso desenvolvimento. No entanto, essa visibilidade,
assim como a reciclagem, tem suas limitações. Para termos maiores retornos
econômicos com resultados ambientais, precisamos de melhor valorização dos
nossos recursos materiais e dos profissionais que atuam diretamente com eles.
Apesar do destaque do
alumínio, outros materiais ainda estão longe de ser um caso de sucesso. O
plástico, cujo reaproveitamento deveria ser prioritário, apresenta taxas de
reciclagem abaixo dos 25% no Brasil e abaixo de 10% mundialmente, enquanto a
quantidade de plástico virgem que entra no mercado dobra a cada ano. Este é o
resultado da atual economia linear na qual extraímos recursos da natureza e os
transformamos em produtos que futuramente serão desperdiçados pois não foram
projetados para voltar ao mercado.
As cooperativas
de catadores sabem bem como
lidar com resíduos quando se trata de coleta seletiva e reciclagem. Em
Brasília, a coleta seletiva realizada por cooperativas consegue retornar 97%
dos materiais recicláveis ao mercado. Já dos materiais recicláveis coletados
por empresas, menos de 40% retorna ao mercado, devido à contaminação dos
materiais. Tal eficiência reflete um nível de conhecimento e organização das
cooperativas que precisa ser valorizado.
Contudo, uma economia
linear não é boa para os catadores. Não é interessante que a sua renda seja
limitada por um material de baixo interesse do mercado e projetado para ser
descartado – e não circulado desde o princípio. Os dados sobre plástico também
reforçam que a poluição não será resolvida apenas com reciclagem. Precisamos de
uma abordagem ampla de economia circular, que elimine plásticos desnecessários
e problemáticos e que se apoie em profissionais e sistemas capazes de manter os
materiais circulando em seu mais alto valor.
Neste momento, estamos
próximos de um acordo internacional que pode auxiliar nas frentes necessárias
para resolver este cenário. No fim deste mês de abril, as nações voltam a se
reunir para discutir um tratado da ONU contra a poluição plástica que seja juridicamente
vinculante e baseado em uma visão ampla de economia circular. O intuito é
garantir regras internacionais para que os países tenham políticas harmonizadas
para enfrentar a poluição plástica. O nível de ambição que for alcançado no
texto do tratado pode representar um grande avanço para a valorização que
precisamos.
Com um tratado
ambicioso, os países podem colocar barreiras para plásticos problemáticos e
desnecessários, que dificultam a reciclagem e o trabalho dos catadores. Podem
exigir a implementação da responsabilidade estendida do produtor, que ainda
está longe de ser realidade no Brasil, e que deve ser um mecanismo financeiro
contínuo, dedicado e suficiente para expandir a infraestrutura de reciclagem e
garantir a formalização e melhor remuneração de catadores. O tratado também
pode liberar os entraves que impedem que o plástico reciclado seja competitivo
com o material virgem. E, principalmente, pode estimular o design para a
reciclagem e facilitar a criação de sistemas de reuso que estendem o valor do
plástico e que podem empregar catadores em funções mais seguras e com maior
renda.
Esperamos que, nesta
próxima rodada de negociações para acabar com a poluição plástica, líderes dos
países estejam conscientes de que tomar um posicionamento ambicioso pode tanto
trazer resultados ambientais positivos quanto desbloquear oportunidades econômicas
para as pessoas que contribuem com o desenvolvimento do país.
Fonte: Por Sergio
Ferrari | Tradução: Rose Lima, em Outras Palavras/Carta Capital
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