sábado, 27 de abril de 2024

Espiritualidade: Visões de quase morte

O cérebro normalmente se desliga entre 20 e 30 segundos depois que o coração para de funcionar, afirmam os especialistas. Mas os resultados de um estudo de quatro anos, envolvendo 2.060 casos de parada cardíaca ocorridos em 15 hospitais no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Áustria, mostrou algo diferente. A equipe da Universidade de Southampton (Inglaterra) que liderou a pesquisa, a maior do gênero já realizada, descobriu que quase 40% dos sobreviventes desses casos descreveram algum tipo de “consciência” em momentos em que, de acordo com a teoria, estavam clinicamente mortos.

Para os cientistas responsáveis pelo estudo denominado Aware (sigla em inglês para Awareness During Resuscitation – “Consciência Durante a Ressuscitação”), divulgado em outubro de 2014 na revista Resuscitation, da fundação Conselho de Ressuscitação Europeu, o material coletado contém evidências de que uma parte significativa dos pacientes vivenciou eventos reais por até três minutos além do suposto instante da morte cerebral, e alguns daqueles reanimados conseguiram descrevê-los com riqueza de detalhes.

•        Exploração objetiva

“Contrariamente à percepção, a morte não é um momento específico, mas um processo potencialmente reversível que ocorre depois que qualquer doença ou acidente grave leva o coração, os pulmões e o cérebro a parar de funcionar”, observa o médico inglês Sam Parnia, professor assistente de medicina e diretor do centro de ressuscitação da Universidade Estadual de Nova York, e que atuava como pesquisador honorário na Universidade de Southampton quando liderou o estudo.

“Se são feitas tentativas para reverter esse processo, ele pode ser referido como ‘ataque cardíaco’. Entretanto, se essas tentativas não conseguem sucesso, ele é chamado de ‘morte’”, diz Parnia. “Nesse estudo, queríamos ir além do conceito de experiência de quase morte, emocionalmente carregado, mas pobremente definido, para explorar objetivamente o que acontece quando morremos.”

Dos pacientes que sobreviveram ao ataque cardíaco e puderam ser submetidos ao primeiro estágio de entrevistas, 39% descreveram uma percepção de consciência, mas, curiosamente, não tinham nenhuma lembrança nítida de eventos. O máximo que 20% dessas pessoas conseguiam recordar era uma incomum sensação de tranquilidade. Cerca de 33% delas declararam ter sentido o tempo desacelerar ou

ficar mais rápido. Alguns pacientes relataram uma luz brilhante, um clarão dourado ou um Sol resplandecendo. “Isso sugere que mais pessoas podem ter inicialmente atividade mental (nesses momentos), mas perdem suas memórias depois de recuperar- se, por causa dos efeitos de lesão cerebral ou de sedativos nos circuitos da memória”, avalia Parnia.

•        Descrições detalhadas

Dos 101 pacientes que passaram por dois estágios diferentes de entrevistas, 45,5% afirmaram não ter tido quaisquer recordações, memórias ou consciência dos momentos em que não manifestavam vida. Mas 45,5% descreveram um leque de recordações não compatíveis com experiências de quase morte, entre elas relatos de experiências aterrorizantes e de perseguição. Já 7% tiveram experiências compatíveis com defi nições tradicionais da experiência de quase morte e 2% superaram esse nível, demonstrando plena consciência daqueles momentos e fazendo referências explícitas sobre o que “viram” e “ouviram”, características típicas dos casos definidos como “experiências fora do corpo”.

Os fenômenos chamados popularmente de experiências de quase morte ou experiências fora do corpo são comumente atribuídos a alucinações ou ilusões, ocorrendo tanto antes de o coração parar quanto após ele ser ressuscitado. Mas um caso “muito verossímil”, conforme Parnia descreveu ao jornal inglês Th e Telegraph, aponta claramente para outra direção. Um assistente social de 57 anos, de Southampton, permaneceu consciente após o suposto desligamento do cérebro e fez observações preciosas para o estudo. Ele se lembra de ter deixado seu corpo e acompanhado as tentativas de ressuscitá-lo no canto do quarto. Relatou ainda os procedimentos da equipe médica que o socorreu. “O homem descreveu tudo que havia acontecido no quarto, mas o que mais se destaca é que ele ouviu dois ‘bips’ de uma máquina que emite um ruído a intervalos de três minutos”, diz Parnia. “Assim, pudemos calcular quanto tempo durou a experiência. Ele parecia muito confi ável e tudo o que disse que havia acontecido de fato aconteceu.”

•        Estudo fascinante

Parnia e seus colegas sublinham que, embora apenas 2% dos entrevistados tenham exibido uma ampla consciência dos fatos posteriores à sua “morte”, os resultados obtidos recomendam novas e mais aprofundadas pesquisas nessa área. Outros estudos também são indicados para explorar se a consciência (implícita ou explícita) pode conduzir os pacientes a resultados psicológicos adversos no longo prazo, como o transtorno do estresse pós-traumático. “De maneira clara, a experiência lembrada que cerca a morte merece agora uma investigação genuína mais aprofundada e sem preconceito”, escrevem os cientistas.

Jerry Nolan, editor-chefe da Resuscitation, acrescentou: “O dr. Parnia e seus colegas devem ser parabenizados pela conclusão de um estudo fascinante que abrirá a porta para pesquisas mais abrangentes sobre o que acontece quando morremos”.

 

       Experiências de quase morte seriam uma estratégia de sobrevivência?

 

As experiências de quase morte (EQMs, ou NDE, na sigla em inglês) são conhecidas em todas as partes do mundo, em várias épocas e em várias culturas. Essa universalidade sugere que eles podem ter uma origem e um propósito biológicos. Mas exatamente o que isso poderia ser era amplamente inexplorado.

Um novo estudo conduzido em conjunto pela Universidade de Copenhague (Dinamarca) e pela Universidade de Liège (Bélgica) mostra como as experiências de quase morte em humanos podem ter surgido de mecanismos evolutivos. Um artigo sobre o trabalho foi publicado na revista Brain Communications.

“Seguindo um protocolo pré-registrado, investigamos a hipótese de que a tanatose é a origem evolutiva das experiências de quase morte”, disse Daniel Kondziella, neurologista de Rigshospitalet, Hospital Universitário de Copenhague.

Quando atacados por um predador, como mecanismo de defesa de último recurso, os animais podem simular a morte para aumentar suas chances de sobrevivência, a exemplo do gambá. Esse fenômeno é denominado tanatose, também conhecido como simulação de morte ou imobilidade tônica. “Como estratégia de sobrevivência”, acrescentou Kondziella, “a tanatose é provavelmente tão antiga quanto a reação de lutar ou fugir.”

•        Sobreposição

Charlotte Martial, neuropsicóloga do Coma Science Group na Universidade de Liège, explicou: “Primeiramente mostramos que a tanatose é uma estratégia de sobrevivência altamente preservada que ocorre em todos os pontos de interseção principais em um cladograma que varia de insetos a peixes, répteis, pássaros e mamíferos, incluindo humanos. Mostramos então que humanos sob ataque de grandes animais, como leões ou ursos-pardos, predadores humanos, como criminosos sexuais, e predadores ‘modernos’, como carros em acidentes de trânsito, podem experimentar tanatose e experiências de quase morte. Além disso, mostramos que a fenomenologia e os efeitos da tanatose e das experiências de quase morte se sobrepõem.”

Steven Laureys, neurologista e chefe da unidade de pesquisa Giga Consciousness e do Centre du Cerveau (Universidade de Liège e Centro Hospitalar da Universidade de Liège), afirmou: “Neste artigo, construímos uma linha de evidências que sugere que a tanatose é a base evolutiva das experiências de quase morte e que seu propósito biológico compartilhado é o benefício da sobrevivência”.

Os autores propõem que a aquisição da linguagem permitiu aos humanos transformar esses eventos de simulação de morte relativamente estereotipada sob ataques predatórios em percepções ricas que formam experiências de quase morte e se estendem a situações não predatórias.

•        Peça importante

“É digno de nota que os mecanismos cerebrais propostos por trás da simulação de morte não são diferentes daqueles que foram sugeridos para induzir experiências de quase morte, incluindo a intrusão do sono de movimento rápido dos olhos na vigília”, explicou Daniel Kondziella. “Isso fortalece ainda mais a ideia de que os mecanismos evolutivos são uma peça importante de informação necessária para desenvolver uma estrutura biológica completa para experiências de quase morte.”

Nenhum trabalho anterior havia tentado fornecer tal base filogenética. “Esta também pode ser a primeira vez que podemos atribuir um propósito biológico às experiências de quase morte, o que seria o benefício da sobrevivência”, afirmou Steven Laureys.

Daniel Kondziella acrescentou: “Afinal, as experiências de quase morte são, por definição, eventos que sempre sobrevivem, sem exceção”.

 

Fonte: Revista Planeta

 

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