segunda-feira, 1 de abril de 2024

Dependência de tecnologia estrangeira em drones traz riscos à soberania do Brasil, dizem analistas

O Brasil firmou contrato de R$ 86 milhões com uma empresa israelense para manutenção de dois drones usados em operações da Polícia Federal. Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a dependência estrangeira da tecnologia compromete a soberania do país, além de trazer um gasto desnecessário.

No início de março, a Força Aérea Brasileira (FAB) fechou um contrato de R$ 86 milhões para manutenção de duas aeronaves remotamente pilotadas, do modelo Heron-I, desenvolvido pela Israel Aerospace Industries, a serem usadas em operações da Polícia Federal (PF).

O contrato foi firmado sem licitação, e anunciado pelo Ministério da Defesa, em publicação no Diário Oficial da União.

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam por que o Brasil ainda precisa recorrer a empresas estrangeiras para a compra e manutenção de equipamentos usados em operações de segurança nacional e como isso afeta a soberania brasileira.

·        Por que o uso de drones ganhou espaço na defesa nacional?

Danilo Bragança, coordenador adjunto do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB), da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que o uso de drones em operações de defesa tem sido uma "tendência nos exércitos do planeta inteiro", e afirma que a tecnologia reduz os custos das operações e aumenta a eficiência do serviço prestado.

No caso do Brasil, ele diz que o uso de drones é importante por conta das características do território brasileiro.

"O Brasil tem características geográficas que favorecem o uso de drones, como é o caso, por exemplo, da floresta amazônica, dos nossos biomas, da proteção de fronteiras."

Ele acrescenta que o uso de drones representaria "uma mudança de perfil da Força Aérea Brasileira".

"É uma forma de modernização das nossas forças, uma forma de reduzir os custos, embora você tenha que continuar produzindo caças, tenha que continuar produzindo aviões Super Tucanos."

Vinicius Modolo Teixeira, professor de geopolítica da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-LAB), destaca que as proporções continentais do Brasil tornam necessário o uso de drones e outros sistemas de vigilância compatíveis com o tamanho do país.

"Nós temos uma capacidade aumentada com a utilização de drones para vigiar espaços que antes poderiam ser utilizados ali por criminalidade. No entanto, nós temos poucos drones no momento ainda para fazer essa vigilância de uma maneira bastante efetiva."

Recorrer à tecnologia estrangeira afeta a soberania nacional?

Alcides Peron, especialista em relações internacionais e professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), sublinha que ao firmar qualquer tipo de parceria ligada ao setor militar, principalmente para o suprimento de material militar, material bélico, o Brasil "está constituindo parcerias que estão no limite também político".

"Porque você vai construir uma dependência econômica, você vai construir uma dependência tecnológica por manutenção, por infraestrutura, por aprimoramento desse objeto tecnológico que você está adquirindo e, portanto, de certa maneira, há uma perda, sim, de soberania, posto que é possível fazer uma compra nacional e ter maior autonomia para atendimento da demanda interna."

A opinião é compartilhada por Teixeira, que afirma que depender de equipamentos de defesa provenientes de outros países compromete a soberania porque pode trazer perda da capacidade operativa desses sistemas em caso de atrito diplomático.

"Recentemente o Brasil criou um atrito com Israel por conta dos entendimentos sobre a guerra que acontece agora em Gaza, e isso acaba levando, sim, ao comprometimento, possivelmente, de uma manutenção ou fornecimento de peças sobressalentes", explica.

Ele lembra que, recentemente, a Alemanha impediu que o Brasil fornecesse blindados para as Filipinas, que eram fabricados no Brasil, mas dotados de equipamentos alemães, por conta das visões diferentes que os governos brasileiro e alemão têm em relação ao conflito ucraniano.

"Quando nós compramos equipamentos de fora, nós estamos sujeitos também a essas relações diplomáticas. Então temos que ter em mente que sempre que compramos equipamentos de uma empresa estrangeira, o Brasil deve manter um comprometimento com a sua diplomacia ativa, sempre em contato com esse país. Em caso de rompimento dessas relações, nós sofremos, certamente, embargos e diminuição da oferta das peças da manutenção, então é sempre um risco realmente comprar de empresas de fora", adverte Teixeira.

Bragança, por sua vez, destaca que o Brasil tem capacidade de desenvolver uma Base Industrial de Defesa (BID) "que possa contemplar não só o Brasil, mas também as forças armadas dos nossos países vizinhos".

"Entendendo aqui que o Brasil é líder de um complexo de segurança específico daqui da região, por ser o país mais populoso, mais rico, mais poderoso, então isso poderia favorecer toda uma indústria de defesa que também aqui na região poderia ser utilizada como mercado para isso. Fortaleceríamos nós com os nossos parceiros bilaterais, fortaleceríamos nós com esse complexo de segurança mais unificado em torno de si, e a gente conseguiria vender esse tipo de tecnologia. Seria importante para um país como o Brasil ter ativos tecnológicos, ter técnicos, engenheiros, gente gabaritada para produzir drone", diz Bragança.

Porém, ele destaca que quando o Brasil recorre a um país, "isolado cada vez mais no sistema internacional, que é Israel, coloca algumas coisas em xeque que não precisavam ser colocadas, inclusive a nível político".

"Uma dessas coisas é, por exemplo, o fato de que a gente está comprando de uma área em desenvolvimento que a gente também poderia desenvolver, que já poderia estar sendo desenvolvida e que, na verdade, já tem alguns polos no país inteiro que já possuem algum tipo de tecnologia que precisa, basicamente, só de maior incentivo e maior estrutura", afirma o especialista.

Empresas brasileiras poderiam suprir a demanda?

Questionado se empresas brasileiras que produzem drones teriam capacidade de suprir a demanda da Força Aérea Brasileira, Bragança explica que isso ajudaria a reduzir os gastos com contratos firmados com outros países, mas ressalta que atualmente elas têm dificuldade para suprir essa demanda.

"Primeiro porque os contratos não são firmados com elas, ou seja, a gente acaba repassando contratos com bastante dinheiro para outros grupos, grupos, por exemplo, como esses de Israel, mas não somente. Então, o desenvolvimento dessa tecnologia no Brasil poderia amenizar ou poderia mitigar uma parte desses problemas, que é gastar dinheiro com contratos externos", diz o especialista.

"Nessa condição atual, a gente não tem possibilidade de suprir toda essa demanda, embora num espaço de cinco anos a gente tenha evoluído muito, por exemplo, no que se refere à tecnologia de placas solares, placas fotovoltaicas. A gente investiu nessa indústria, a indústria prosperou e agora a gente consegue fazer isso inclusive de maneira democratizada", complementa.

Peron afirma que é evidentemente importante que empresas nacionais sejam colocadas como protagonistas desse tipo de tecnologia, sobretudo "porque a produção tecnológica, essas inovações, têm grande possibilidade de produzir transbordamentos em diversos outros setores da economia".

"Principalmente no que diz respeito a fornecedores, porque você capacita fornecedores para fornecer certas tecnologias e equipamentos e você consegue, de uma certa maneira, dinamizar econômica e tecnologicamente um país. Portanto, seria fundamental manter empresas nacionais tocando esse tipo de demanda nacional", explica.

Teixeira concorda que o Brasil teria condições de fabricar seus próprios drones. Mas, segundo ele, o grande gap que impede isso "não está na fabricação da aeronave em si, mas na operacionalização".

"A fabricação de uma aeronave remotamente tripulada ou não tripulada, como a gente pode chamar, uma aeronave autônoma, ela não tem grandes segredos para sua operação. O Brasil, sendo um país que tem uma tradição aeronáutica bastante grande, com uma história na fabricação de aeronaves, certamente, nós conseguiríamos fabricar a aeronave em si. O grande gap que o Brasil tem, na verdade, seria nos sistemas que a aeronave dotaria. Então, sistemas de vigilância, dotados de radar, por exemplo, abertura sintética, radares mais modernos e também outros aparelhos de vigilância como câmeras infravermelho, câmeras de alta resolução, esse tipo de equipamento que é estabilizado, coisas que são mais finas ali na maquinaria, isso o Brasil teria dificuldade", afirma o especialista.

Porém, ele ressalta que, com investimento, o Brasil conseguiria fabricar seus próprios modelos, o que representaria "um grande fator de salto de desenvolvimento do país". E destaca ainda que já houve iniciativas nesse sentido, lideradas por empresas brasileiras.

"Nós tivemos iniciativas tempos atrás das empresas da Avibras, a própria Embraer tentou [produzir modelos de drones], alguns institutos de pesquisa do Exército e da Aeronáutica fabricaram modelos experimentais. Então, a gente teria condição, sim, de fabricar e operacionalizar. Falta realmente um aparato do governo, um aporte para poder fazer de maneira decisiva o desenvolvimento desses sistemas", conclui.

 

Ø  Ministro Fux do STF: Constituição veda intervenção militar e ruptura democrática

 

O ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal, em sua manifestação desta sexta-feira (29), enfatizou que a Constituição não respalda uma "intervenção militar constitucional" nem tampouco "encoraja" qualquer "ruptura democrática".

Este posicionamento foi dado durante o julgamento de uma ação que aborda os limites constitucionais da atuação das Forças Armadas e sua hierarquia em relação aos Poderes.

O processo teve início hoje em plenário virtual e está previsto para continuar até o próximo dia 8.

Fux declarou: "Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição".

Ele também ressaltou a necessidade de restringir interpretações perigosas que possam distorcer o texto constitucional e seus princípios fundamentais, ameaçando o Estado Democrático de Direito, sob risco de se envolver em um constitucionalismo abusivo.

·        Brasil na intervenção

Era março de 1964, quando o então presidente João Goulart foi deposto do cargo por militares que deram fim ao curto período democrático no Brasil, até 1985, país enfrentava ditadura marcada pela repressão, violação dos direitos humanos e política autoritária, assim como toda a América Latina. Especialistas analisam influência dos EUA no processo.

Um dos períodos mais turbulentos da história recente do Brasil, o início da década de 1960 foi marcado pela eleição de duas figuras opostas no xadrez político: com a votação em separado para os dois cargos, o país elege Jânio Quadros como presidente e João Goulart, o Jango, para vice-presidente.

Em uma tentativa de autogolpe para conseguir apoio do Congresso e das Forças Armadas, Jânio apresenta a renúncia meses após a posse, o que seria o primeiro ingrediente para um prato cheio que levou ao golpe militar em 1964.

Na época, João Goulart estava em Cingapura, após uma extensa agenda na China, e só soube da renúncia no dia seguinte. Em setembro de 1961, há a tentativa de um golpe militar para impedir a posse de Jango, que só conseguiu assumir por conta da rede de "legalidade" montada pela liderança de Leonel Brizola — porém em um cenário de grave crise política.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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