quinta-feira, 28 de março de 2024

Pega na mentira! Governo baiano ignora apelo dos professores e mantém há dois meses portaria de aprovação em massa

As reações negativas à portaria da aprovação em massa, como ficou conhecida a portaria 190/2024, não foram suficientes, até o momento, para o governo Jerônimo Rodrigues (PT) recuar e revogar o texto. Há exatos dois meses, no dia 27 de janeiro deste ano, a Secretaria de Educação da Bahia (SEC) editava a medida que estimula os professores a aprovarem os alunos, mesmo sendo reprovados em disciplinas e com baixa frequência nas aulas.

O governador até admitiu publicamente a possibilidade de ajustar ou revogar a portaria, mas não deu nenhum passo nesta direção. Por enquanto, houve apenas uma reunião entre o sindicato dos docentes e a SEC para tratar do assunto. O encontro, que ocorreu no dia 21 de fevereiro, encerrou sem acordo. Os professores exigiram o cancelamento da medida, mas a secretária de Educação, Adélia Pinheiro, ficou incomodada com o posicionamento da categoria e resistiu em retirar o texto. A APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia pediu à Secretaria de Educação uma nova reunião para discutir o texto da aprovação automática, mas, segundo a assessoria de comunicação da pasta, não tem “até agora nada na agenda”.

A revogação, que é defendida por educadores tanto da Bahia quanto de fora do estado, não causará prejuízos para estudantes reprovados que avançaram nas séries escolares por causa da portaria, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Isso porque portaria não retroage. Entretanto, se a medida for cancelada, evitará que novos alunos sejam aprovados mesmo após ter pedido em disciplinas e sem frequentar aulas.

Ao defender a portaria, interlocutores do governo dizem que houve “erro” na comunicação do texto. Para minimizar o desgaste causado pela medida, a secretária de Educação chegou a conceder entrevistas a rádios na capital baiana e defendeu que, com a portaria, se busca a progressão contínua. Disse ainda que os estudantes “vulneráveis” têm direito em avançar nas séries.

Coordenador da APLB- Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, Rui Oliveira criticou a relutância da gestão petista em retirar o texto. “Nós estamos aqui para contribuir. O governo sabe que teve uma repercussão ruim, e nós temos uma posição de revogar poque a gente sabe que abre brecha para aprovação em massa”, ressaltou.

O CEO do AtlasIntel, Andrei Roman, atribuiu a queda de popularidade de Jerônimo em Salvador, em parte, à portaria. A desaprovação do petista subiu, na capital baiana, de 46% para 53% entre dezembro de 2023 e março deste ano. Além do texto, as declarações do governador contribuíram para aumentar a rejeição a ele, conforme Andrei Roman.

"(O analfabetismo) é como se nós tivéssemos uma doença. Para mim, o analfabetismo é uma doença da ignorância, de não poder ler, não pode escrever, não pode criticar" - Jerônimo Rodrigues, Governador da Bahia

Na defesa da medida, Jerônimo Rodrigues disse que, ao reprovar os alunos, escolas agem de forma “autoritária”. Também comparou o analfabetismo a uma doença. Segundo ele, o que seu governo quer, com o texto, é evitar que o aluno deixe os colégios para “o crime, a droga ou para o analfabetismo”.

"A escola que reprova é uma escola autoritária, é uma escola preconceituosa" - Jerônimo Rodrigues, Governador da Bahia

A oposição vê a portaria como uma tentativa da administração petista no estado de “maquiar” os baixos índices de Educação. Em setembro de 2022, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontou que a Bahia voltou a ficar nas últimas posições do ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade na área.

Os dados mostram que o estado caiu da 22ª para a penúltima colocação em aprendizagem de português e matemática e possui a quarta pior pontuação no índice geral do Ensino Médio oferecido na rede estadual. No ano de 2019, a Bahia havia obtido uma pontuação de 4,1 na aprendizagem das duas disciplinas mais importantes, o que a posicionava em 22º lugar. No entanto, em 2021, esse índice caiu para 3,96, resultando na queda para a 26ª posição, ficando a frente apenas do Maranhão (3,92).

Já no índice geral do Ideb, a nota do Ensino Médio da rede estadual foi a quarta pior do Brasil (3,5), na frente apenas do Rio Grande do Norte (2,8), Pará (3,0) e Amapá (3,1).

¨      Aprovação em massa: professores dizem que portaria afetará entrada de baianos no ensino superior

A Bahia já amarga a pior porcentagem de estudantes ativos entre 18 e 24 anos no Ensino Superior no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada nesta sexta-feira (22) pelo IBGE. Para educadores do estado, no entanto, não há mal que não possa piorar. Com a portaria estadual 190/2024, que possibilitou que estudantes avançassem mesmo reprovados em disciplinas e com faltas em aulas, os professores acreditam que, sem preparo para progredir no ensino e permanecer no âmbito estudantil, os dados divulgados na pesquisa tendem a ser ainda mais negativos.

Professor na rede estadual de ensino, Josemiran Marques afirma que, ao “maquear” a situação do aluno, a portaria editada pela Secretaria de Educação da Bahia não favorece a chegada dos jovens ao Ensino Superior. "A gente só retém esse aluno para ajudá-lo, para que ele realmente ganhe e crie as condições necessárias para passar para o próximo ano. Sem maquear a realidade do aprendizado", diz.

"A portaria atrapalha e pode contribuir para piorar esse número (do PNADC) que já é negativo. As políticas têm que ser inclusivas, mas elas também têm que ter critérios técnicos objetivos. Tem que ver a realidade de quem está lá no chão da escola. A gente precisa também fazer esse diálogo com a família, mas não aprovar de qualquer jeito", acrescenta ele.

Coordenador da APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, Rui Oliveira também acredita que a portaria fará com que menos jovens baianos ingressem nas universidades.

"Ela (a portaria) impacta porque possibilita aprovação automática sem o aluno ter desenvolvido sua autonomia no percurso escolar. Assim, dificilmente, esse aluno terá condições de fazer o Enem de forma qualificada e vai desistir. Por isso, continuamos defendendo a revogação da 190. Estamos à disposição para a construção de um instrumento que de fato possa combater a reprovação, e garanta a permanência com qualidade dos alunos", declara Rui.

Doutora em Educação, Catarina de Almeida Santos corrobora com o discurso de Rui Oliveira e adiciona que a aprovação em massa é um atestado de falha em oferecer educação de qualidade. "O nosso foco tem que ser garantir as condições para que todos os estudantes possam aprender. A lógica da aprovação automática significa que o Estado está admitindo que ele não está garantindo as condições para que os estudantes estejam aprendendo", analisa ela, que é professora da Universidade Federal de Brasília (UnB).

Catarina Santos, assim como os outros educadores, destacam que a escola não tem como objetivo reprovar, mas garantir o processo de ensinar e aprender.

A reportagem procurou a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) para comentar os números do IBGE e responder sobre a possibilidade de piora nos dados com a portaria da aprovação em massa, mas não recebeu retorno da pasta até o fechamento desta reportagem.

 

Fonte: Correio da Bahia

 

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