quinta-feira, 28 de março de 2024

A Guiana Francesa poderia florescer perfeitamente sem a França? Guianenses reivindicam autonomia

Considerada departamento ultramarino francês desde 1946, a Guiana Francesa tenta ressurgir, mais uma vez, em busca de autonomia e independência. O passo recente mais significativo se materializa na eleição de um membro do MDES (Movimento para a Descolonização e a Emancipação Social) para a Assembleia Legislativa da França.

O clamor por autonomia e independência é evidente nos relatos do congressista guianense no Legislativo francês, Jean-Victor Castor, eleito para o cargo em 2022. Castor, um dos criadores do partido separatista MDES, fundado na primeira metade dos anos 1990, afirma que "a Guiana [Francesa] tem todos os recursos para ser autônoma e depois independente".

A tentativa de implantar um assimilacionismo (teoria que defende a fusão de culturas diferentes), ao imputar leis francesas em um território a cerca de 7 mil quilômetros de distância e em outro continente, é reconhecida pelo deputado guianense como uma "assimilação colonial". Ou seja, uma manobra com o intuito de fazer com que a população esquecesse sua realidade geográfica, a fim de acreditar que pertencia à França.

"Dizer que a Guiana é francesa e europeia é uma ficção jurídica. A Guiana [Francesa] é amazônica e sul-americana", enfatiza.

Segundo Castor, a "doutrina da França ainda é colonial" e o status atual — entre França e Guiana Francesa — é insustentável. "O método francês de gestão colonial da Guiana é anacrônico e inadequado", comenta.

O que o congressista defende é que haja autonomia nas decisões tomadas para a gestão do território, uma vez que o modo como a França coordena a situação atualmente atrapalha os interesses dos próprios guianenses. "Embora tenha todo o potencial para se desenvolver, a Guiana está se tornando mais pobre."

Como exemplo da não funcionalidade da importação de leis francesas para o território da Guiana Francesa, Castor aponta regras que são determinantes para frustrar a economia endógena do território, sobretudo no setor primário — além de o governo francês ser dono de mais de 90% das terras, segundo ele.

"A França quer aplicar na Guiana leis feitas para a França, não para a Guiana. Não pode funcionar e não funciona. Imagine que não temos o direito de comprar e usar produtos inseticidas do Brasil porque eles não atendem aos padrões franceses, embora os insetos sejam de fato amazônicos! Imagine que temos que importar madeira da França porque as nossas não são padronizadas pela França! As aberrações são numerosas. Somos limitados por regras que não fazem sentido para nós", explica o deputado em conversa com a Sputnik Brasil.

Iuri Cavlak, professor de teoria da história da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista nas Guianas, percebe que os autonomistas são mais fortes numericamente e têm mais poder político que os independentistas, embora o tema "independência" jamais tenha desaparecido do radar.

Segundo ele, basicamente os autonomistas "reivindicam maior participação nas decisões de Paris e mais investimentos estatais, além de maior autonomia em questões econômicas e de política externa com a vizinhança". Entretanto ele considera que "com a Base Espacial Europeia gerando milhares de euros, acho difícil a França permitir a escalada de um processo independentista, mesmo em um cenário de agravamento de crise".

Em relação ao desenvolvimento da região, Cavlak cita a reprodução desigual e combinada do capitalismo, bem como a carência da Guiana Francesa em uma estrutura turística e um solo não facilmente manejável para a agricultura. Além disso, o pesquisador menciona a escolha da França, com o passar dos anos, como uma região de segurança, não de povoamento.

·        Qual a relação atual dos guianenses com a França?

Antes de estudar na França, o psiquiatra martinicano Frantz Fanon conta em seu livro "Peles Negras, Máscaras Brancas", publicado no começo dos anos 1950, que na ilha do Caribe a população se considerava francesa. Afinal Fanon não era oriundo das colônias da África como os malgaxes ou os senegaleses, embora fosse negro. Todas as previsões caem por terra quando o autor passa a vivenciar o racismo no país europeu e escreve o livro.

Assim como na Martinica contada por Fanon, Daniel King, militante cultural do rio Oiapoque e morador da cidade Saint-Georges-de-l'Oyapock, afirma que "os velhos guianenses se acham mais franceses que os jovens". Estes, por sua vez, "se identificam como guianenses, com uma bandeira. A população é jovem e desempregada", pontua, evidenciando uma diferença entre as relações das gerações na Guiana Francesa com a França. King inclusive destaca o racismo na França e diz que não é uma questão de nacionalidade.

Castor considera que "o passaporte europeu é uma ilusão que isola o povo guianense do seu ambiente regional". Ele ressalta ainda que para a França a imagem da Guiana Francesa é "a do inferno verde e da colônia penal", preconceitos que ainda reverberam. Entretanto o deputado diz que o Estado francês "conhece muito bem todo o potencial da Guiana, razão pela qual não quer que tenhamos mais autonomia", acrescenta.

·        Independência seria a solução?

Quando perguntado sobre a independência, King é enfático ao dizer que "a independência é a solução". Para ele, a região não se desenvolve por "responsabilidade da França, o colonizador".

A independência em si é vista como algo talvez um pouco mais distante por Castor, embora ele acredite que ela possa se tornar realidade. Mas o foco da exigência de agora é a autonomia. "A Guiana poderia florescer perfeitamente sem a França."

King descreve a Guiana "como um país rico" e confia que a independência virá. "A história mostra que isso não pode ser para sempre", diz, sobre a atual situação da Guiana Francesa.

Na avaliação de Cavlak, a Guiana Francesa, no caso de uma independência "no formato clássico de um país que se torna soberano, nos marcos da economia de mercado, em pleno mundo do século XXI de guerras, imperialismo e competição internacional selvagem, não teria a menor chance de prosperar."

Por outro lado, "uma independência com socialização dos meios de produção, soberania popular e sobretudo união com os países do entorno poderia dar certo", considera o professor da Unifesp.

Ø  Macron irrita europeus ao forçar liderança e enfureceu EUA ao propor tropas na Ucrânia, diz mídia

Com o Reino Unido fora da União Europeia e com a Alemanha "dividida", Macron tem se transformado no político do bloco mais atuante externamente, mas nem todos os seus aliados estão convencidos de que ele é o melhor defensor dos seus interesses, escreve a Bloomberg.

Nos últimos meses, o presidente francês Emmanuel Macron tem feito declarações mais duras em assuntos de política externa, seja em relação aos conflitos na Ucrânia ou em Israel, o veto sem cerimônias ao acordo entre a União Europeia e Mercosul e seus planos para África.

Seu polêmico comentário sobre botas da OTAN em terreno ucraniano em fevereiro rendeu uma recriminação instantânea e muito pública do chanceler alemão Olaf Scholz e irritou autoridades dos Estados Unidos que dizem em particular que tal medida poderia até mesmo provocar o risco de fomentar um confronto com Moscou, de acordo com um alto funcionário familiarizado com as discussões entre aliados, ouvido pela mídia.

"Ao forçar Berlim a descartar publicamente a possibilidade de enviar tropas, Macron conseguiu dissipar a ambiguidade persistente que existia sobre o paradeiro das linhas vermelhas dos aliados", de acordo com um alto funcionário norte-americano.

As insinuações de Macron foram feitas para manter o presidente russo Vladimir Putin na dúvida, disse ele na época, mas responsáveis familiarizados com as discussões da OTAN sobre a Ucrânia afirmaram que podem ter tido o efeito oposto.

Comentando as palavras do presidente francês, o Kremlin indicou que tal desenvolvimento levaria inevitavelmente a um confronto militar direto entre a Rússia e a OTAN. O porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov, descreveu o simples fato de discutir a possibilidade de enviar "alguns contingentes para a Ucrânia" como uma novidade importante.

Em resposta às palavras de Macron sobre a falta de linhas vermelhas por parte da França em relação a Kiev, Putin indicou que Moscou também não teria linhas vermelhas contra Estados com essa abordagem, mas enfatizou que Paris poderia desempenhar um papel na resolução pacífica do conflito: "Nem tudo está perdido ainda", afirmou.

Os comentários também não foram muito inteligentes do ponto de vista da segurança operacional – de acordo com funcionários separados que também falaram com a Bloomberg sob condição de anonimato – especialmente tendo em conta que vários países já, discretamente, têm algum pessoal na Ucrânia, admite a mídia norte-americana.

Muitos planos da Europa para resolver a escassez de armas na Ucrânia é emblemático da razão pela qual Macron irrita alguns aliados, uma vez que "os críticos do presidente francês dizem que ele fala mais do que age".

A República Tcheca lidera uma iniciativa que prevê a aquisição de cerca de 800 mil munições em um futuro próximo de fontes fora da UE. Embora Macron tenha dito no mês passado que apoiava a iniciativa tcheca, a França ainda não deu uma contribuição financeira.

Contudo, desde o início do conflito, Paris tem ficado muito atrás dos seus aliados em termos de ajuda global enviada à Ucrânia, de acordo com o Ukraine Support Tracker do Instituto Kiel.

"Macron perdeu uma oportunidade de conquistar de forma decisiva a liderança europeia no início da invasão russa da Ucrânia. Ele agora está fazendo progressos para corrigir esse erro", disse Rym Momtaz, pesquisador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos baseado em Paris.

 

Ø  Em parceria com a França, Lula anuncia programa para investir R$ 5,4 bilhões na Amazônia

 

Nesta terça-feira (26), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da França, Emmanuel Macron, revelaram um programa conjunto destinado a investir 1 bilhão de euros (cerca de R$ 5,4 bilhões) na bioeconomia da Amazônia brasileira e da Guiana Francesa, território ultramarino da França na América do Sul.

O investimento no bioma amazônico, programado para os próximos quatro anos, será uma colaboração entre bancos públicos brasileiros e a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), com previsão de participação do setor privado.

O plano delineado pelos dois governos inclui diversos componentes-chave, como diálogo entre as administrações francesa e brasileira sobre os desafios da bioeconomia, parceria técnica e financeira com bancos públicos brasileiros e nomeação de coordenadores especiais para empresas inovadoras em bioeconomia.

Além disso, está prevista a criação de um novo acordo científico entre a França e o Brasil, operado pelo Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD, na sigla em francês) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e a formação de um hub de pesquisa, investimento e compartilhamento de tecnologias para a bioeconomia.

Os dois países também afirmaram o envolvimento das comunidades locais na tomada de decisão dos investimentos e anunciaram um grande plano de investimento global, público e privado, para a bioeconomia, promovido no âmbito da presidência brasileira do G20.

Os investimentos se concentrarão em ações de conservação e manejo sustentável das florestas, tecnologias baseadas em recursos biológicos, capacitação e criação de empregos, e manejo sustentável das florestas e da biodiversidade.

Sobre o mercado de carbono, ambos os governos defenderam altos padrões para seu estabelecimento, visando remunerar os países florestais que investem na restauração de sumidouros naturais, conforme previsto no Acordo de Paris.

Lula e o líder do governo francês solicitaram a finalização das negociações para esse mercado o mais rápido possível, destacando que o comércio de crédito de carbono pode viabilizar o financiamento de projetos ambiental e socialmente responsáveis.

Os presidentes também se comprometeram a promover parcerias globais para financiar a proteção das florestas tropicais e da biodiversidade, incluindo novos instrumentos de financiamento.

França e Reino Unido propuseram que o Brasil indique um novo membro para o Painel Internacional de Créditos de Biodiversidade, visando fortalecer os esforços para incentivar o financiamento da proteção e restauração da biodiversidade pelo setor privado.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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