sábado, 30 de março de 2024

O Caso Marielle e a contaminação das instituições do RJ

Uma doença maligna com o crescimento desordenado de células agressivas, que formaram um tumor que proliferou e invadiu tecidos da sociedade e do Estado. Agora, em estágio de progressão, se espalha para mais regiões do corpo.

Sim, o Rio de Janeiro é como um corpo doente com um câncer. A prisão de um deputado federal, de um conselheiro do Tribunal de Contas do estado e de um ex-chefe da Polícia Civil pelo brutal assassinato da vereadora Marielle Franco demonstra o quadro de metástase.

O delegado Rivaldo Barbosa, que ocupou diversos postos na área de segurança do estado, simboliza a penetração do crime na cúpula das polícias. Ele não apenas obstruiu investigações de diversos crimes (suspeita-se, inclusive, do caso Amarildo  em 2013), como dias antes de tomar posse planejou meticulosamente o assassinato de Marielle, dando orientações em relação ao momento e ao local do crime.

Os irmãos Brazão simbolizam o poder político do crime no Rio de Janeiro. Chiquinho foi vereador, secretário da prefeitura do Rio e exercia o mandato de deputado federal. Domingos foi vereador, deputado estadual e atuava como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, órgão responsável por julgar os gastos do governador.

O caso Marielle Franco desvela que o crime que toma as ruas do Rio de Janeiro fez uma simbiose com o sistema político, a cúpula das polícias e a burocracia estatal. Não é possível distinguir organização criminosa, governos e Estado, que formulam um “ecossistema criminoso”, como classificou o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino.

Assim, o Rio de Janeiro chegou a uma situação dramática e vive uma barbárie. No ano passado, registrou 4.257 casos de ocorrências de letalidade violenta, que englobam homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e morte por intervenção policial, de acordo com o ISP (Instituto de Segurança Pública).

Os homicídios dolosos somaram 3.283 casos, o equivalente a quase nove mortos por dia. Foram 869 casos de mortes por intervenção policial. O número de pessoas desaparecidas ficou em 5.815 casos, enquanto o de ocorrências de extorsão chegou a 3.264.

No Rio de Janeiro, o Estado não é apenas conivente com esse quadro de violência. É cúmplice das organizações criminosas. Desde 2008, Barbosa é o quarto ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro preso por envolvimento em crimes, como corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e relação com o jogo do bicho.

As instituições públicas estão contaminadas e não têm condições de combater essa situação. No final das contas, fazem parte do esquema. Por isso, a investigação dos mandantes do assassinato de Marielle só obteve êxito, depois de seis anos, pela atuação firme de um órgão com comando fora do Rio de Janeiro, a Polícia Federal, que entrou no caso em fevereiro de 2023, sob a direção do governo Lula.

O aprofundamento das investigações é fundamental não apenas para punir todos os envolvidos no assassinato de Marielle, mas também para revelar as entranhas da engenharia do crime que tomou o Rio de Janeiro. Com o esquadrinhamento do diagnóstico da metástase, de células cancerígenas que se soltaram do tumor original, foram para outras partes e formam novos tumores, será possível começar o tratamento da doença e levá-lo até às últimas consequências.

Alguém acredita que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, tem compromisso e força política para fazer as transformações profundas necessárias? Ele tem alguma autonomia para romper o nexo entre poder econômico, organizações criminosas, sistema político e burocracia estatal?

O Rio de Janeiro precisa de ajuda e terá que passar por um duro, pesado, desgastante e longo tratamento. Não há saída com medidas cosméticas, pontuais ou paliativas. A cura desse câncer com metástase depende, sobretudo, de uma intervenção do governo federal e do Supremo Tribunal Federal no estado, sob o risco da doença se espalhar para todo o país.

 

Ø  Braga Netto deu “Medalha do Pacificador” ao delegado acusado por morte de Marielle

 

O general Walter Braga Netto, um dos mais estrelados e destacados bolsonaristas durante o último governo federal e candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro (PL) na eleição em que foram derrotados por Lula (PT), em 2022, condecorou com a Medalha do Pacificador, uma das mais altas honrarias do Exército Brasileiro, o delegado Rivaldo Barbosa, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, ocorrido em 2018. A informação da Agência Pública, assinada por Cleber Lourenço.

A homenagem a Rivaldo foi no feita três meses após o crime que teve repercussão mundial, ocasião em que Braga Netto estava na ativa e era o chefe do Comando Militar do Leste. Na portaria do Diário Oficial em que consta o ato de condecoração do delegado aparece ainda uma assinatura do também general Eduardo Villas Bôas, outro bolsonarista convicto e considerado por muitos o “mentor intelectual” do movimento golpista liderado pelo ex-presidente, que à época era comandante do Exército.

A Medalha do Pacificador é uma comenda criada em 1953 e é uma honraria destinada a civis e militares, brasileiros ou não, que tenham prestado serviços relevantes para o Exército Brasileiro. No caso de Rivaldo, um delegado que acabara de assumir a chefia da Polícia Civil fluminense durante uma intervenção federal, decretada pelo então presidente golpista Michel Temer, aparentemente não há qualquer justificativa para tal galardão.

O relatório final da Polícia Federal sobre as investigações dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, enviado à Justiça e à Procuradoria-Geral da República mostra que o delegado acusado de ser um dos três mandantes do crime, Rivaldo Barbosa, foi “bancado” para o cargo de Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro por um general do Exército, Richard Nunes, ligado a Walter Braga Netto, que à época do crime, no início de 2018, era o interventor federal no Rio. Já havia relatórios da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do estado mostrando que Rivaldo era corrupto e envolvido com milícias, que foram simplesmente ignorados.

Braga Netto ainda demitiu de forma direta o delegado federal Fábio Falcão, que deu o aviso sobre a conduta criminosa de Rivaldo e insistiu ao máximo para que o general não permitisse sua nomeação.

¨      MP é acionado sobre suspensão de Braga Netto do Exército

A deputada Luciene Cavalcante, do PSol de São Paulo, pediu, nesta quinta-feira (28/3), que o Ministério Público Militar cobre o afastamento do general da reserva Walter Braga Netto, do Exército, enquanto é investigado por ter nomeado o delegado Rivaldo Barbosa como chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro um dia antes do assassinato de Marielle Franco. Barbosa é o “autor intelectual” da morte da vereadora, segundo a PF, e foi preso no domingo (24/3).

Barbosa foi nomeado por Braga Netto. Em 2018, ainda no governo Temer, Braga Netto era o interventor federal na segurança pública fluminense. Após a operação da PF que prendeu o ex-chefe da Polícia Civil subordinado a Braga Netto, o general alegou que assinou a nomeação apenas por “questões burocráticas”.

Em manifestação citada na decisão do ministro Alexandre de Moraes, a PF afirmou que Rivaldo Barbosa planejou “meticulosamente” a execução de Marielle e teve “total ingerência” para sabotar as investigações da polícia que comandava.

“É de extrema importância e gravidade o contexto que levou à nomeação de Rivaldo Barbosa, uma vez que se deu não só de forma discricionária e sem fundamentação, como também em desacordo com a Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o que pode representar uma violação à lei e à ordem pública”, afirmou a deputada Luciene Cavalcante ao MPM.

Depois de ser interventor federal, Braga Netto foi ministro da Defesa e da Casa Civil de Jair Bolsonaro. Em 2022, foi seu vice na campanha de reeleição e participou de articulações golpistas, também de acordo com a Polícia Federal.

 

Ø  Miliciano faz revelação que complica ainda mais o delegado Rivaldo Barbosa

 

Preso na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), de segurança máxima, o miliciano Orlando Curicica fez uma revelação em depoimento dado ao Ministério Público do Rio de Janeiro que irá complicar ainda mais a vida do delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense e apontado pela Polícia Federal como um dos articuladores dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes.

A revelação foi feita na última quarta-feira (27) pelo jornalista Rafael Soares, no jornal O Globo. O profissional obteve uma cópia do depoimento.

Ao MP-RJ, Curicica revelou que foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Civil em 2013 que encontrou, em sua casa, uma arma irregular. Como o miliciano não estava presente, sua esposa acabou acusada do crime.

A seguir, Curicica revelou que Rivaldo chefiava a investigação à época e que sua equipe pediu uma propina de R$ 20 mil para liberar a mulher da acusação. O miliciano então chegou a vender um carro, mas só obteve R$ 18 mil, que repassou aos policiais. “Ele nunca mais mexeu no inquérito”, revelou.

O depoimento não tem relação direta com o assassinato de Marielle Franco. No entanto, se refere a um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) aberto em 2018 que apura casos de corrupção na Delegacia de Homicídios, onde Rivaldo já trabalhou.

Além desse episódio, Curicica também disse que havia um “sistema de pagamentos mensais” em que as milícias compravam as delegacias. A Divisão de Homicídios, chefiada por Rivaldo Barbosa à época, levantaria de R$ 60 mil a R$ 80 mil a cada mês.

Orlando Curicica é ex-PM, integrante de milícias cariocas e chegou a ser apontado por uma falsa testemunha implantada pelo clã Brazão, ao lado do ex-vereador Marcello Siciliano, como um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco.

No entanto, após a delação premiada de Ronnie Lessa, o ex-PM e miliciano que confessou ter efetuado os disparos contra Marielle, Domingos BrazãoChiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa foram formalmente acusados de serem os mandantes do crime e estão presos desde o último domingo (24).

Rivaldo Barbosa tornou-se o chefe da Polícia Civil às vésperas do crime. Foi nomeado pelo general Walter Braga Netto que chegou a ser alertado pelo MP-RJ sobre suas relações promíscuas com as milícias. Segundo o alerta, era justamente essa relação com as milícias que teria conferido números fora de realidade ao patrimônio pessoal do delegado. Barbosa foi o apontado como o responsável para que o crime ficasse sem solução enquanto esteve à cargo das autoridades estaduais.

 

Fonte: Por Igor Felippe Santos, no Brasil de Fato/Fórum

 

 

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