sábado, 23 de março de 2024

Novo Ensino Médio é aprovado após acordo de parlamento com governo

Após um acordo com o governo, o Congresso Nacional aprovou um projeto do Novo Ensino Médio. O projeto passou por algumas modificações, mas manteve o essencial do conteúdo foi criticado, por meses, em greves e protestos de professores e alunos por todo o País, como centenas de horas para as disciplinas optativas sem conteúdo científico e modelos prejudiciais à formação escolar completa.

O Novo Ensino Médio, além de aumentar a carga horária básica e estabelecer outras 600 para matérias optativas. Ele também aumenta a quantidade de disciplinas obrigatórias, devendo o currículo incluir em todos os anos ensinos de Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. As matérias tradicionalmente estabelecidas ficam inseridas nesses campos.

Também é criado um itinerário específico para cursos técnicos, com uma carga horária de 1800 horas para disciplinas básicas e 1200 para optativas.

O relatório ainda cria restrições para o ensino à distância, que deverá ser disponibilizado apenas em casos excepcionais conforme regulamentação. Além de trazer mudanças no currículo escolar, o projeto expande o escopo do Programa Pé de Meia, que também passa a valer, se aprovado nas duas Casas Legislativas, às unidades da Escola Família Agrícola.

Apesar do relatório ter sido elogiado pelo governo, ele foi duramente criticado pela bancada do Psol, que o considerou uma mera remodelagem do currículo anterior. A principal crítica foi a preservação da possibilidade de contratação, em escolas, de professores sem licenciatura com base em “notório saber”.

A votação ocorreu de forma simbólica, com voto contrário apenas da federação Psol-Rede.

•        Discussão

Na leitura do relatório, além de defender as mudanças feitas em relação à versão inicial apresentada pelo governo, Mendonça Filho ressaltou seu entendimento a disposição para fazer mudanças sobre a reforma do Ensino Médio implementada por ele em 2017. “Eu não sou aquela pessoa que tem uma ideia fixa, que tem uma ideia determinada e acha que aquela ideia é imutável. Tudo que é feito pode ser aprimorado”, declarou.

Apesar de não acatar todas as propostas do Executivo, o relator avaliou ter sido possível chegar a um texto que preserve as prioridades apontadas pelo ministro da Educação.

José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, expressou o aval ao texto apresentado, orientado pela aprovação e afirmando agradecer “em nome do presidente Lula”. “A congruência resultou neste trabalho que deve ser elogiado pelo Brasil, pelos educadores brasileiros. (…) Nós temos, a partir do relatório construído por Mendonça Filho, que é assim que se constrói política pública, que é assim que se constrói um relatório com base no diálogo”, defendeu.

O deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ) expressou a crítica da federação Psol-Rede ao projeto. “O governo Lula, eleito, decidiu consultar a sociedade e enviou a esta Casa um novo projeto de lei, que caiu nas mãos do mesmo ministro da época do Temer”, narrou. Apesar de reconhecer avanços como a carga horária básica de 2,4 mil horas, o deputado se manifestou contrário à redução para 1,8 mil horas no ensino técnico para priorizar matérias optativas. “É continuar a lógica da precarização. É voltar ao passado, quando se tinha dois ensinos médios: um da formação geral, que poderá ser integral, e outro da formação técnica, que será para o pobre”, declarou.

>>>> Dentro do aprovado pela Câmara, está:

       Perda de horas de formação científica: no ensino regular, a divisão será de 2.400 horas para disciplinas obrigatórias e 600 horas para as disciplinas optativas. Em outras palavras, a perda de 600 horas em disciplinas tradicionais e essenciais no Ensino Médio para os “itinerários formativos”, compostos em sua maioria, sobretudo nas escolas públicas, de disciplinas sem conteúdo científico, como “pensamento computacional”, “projeto de vida” e aberrações similares. No ensino técnico, a divisão será de 2.100 horas para disciplinas obrigatórias, com possibilidade de 300 delas serem compatibilizadas entre formação geral básica e ensino técnico, além de 1.200 horas para o curso técnico escolhido.

       Guarda-chuva de disciplinas: fusão de diferentes disciplinas essenciais à formação do estudante em “grandes áreas”, tornadas obrigatórias. São elas: linguagens e suas tecnologias, que integra língua portuguesa e literatura; língua inglesa; artes (múltiplas linguagens e expressões); educação física; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias, que reunirá disciplinas importantes como biologia, física e química em um único grande guarda-chuva; e ciências humanas e sociais aplicadas, que fará o mesmo com filosofia, geografia, história e sociologia.

       Itinerários formativos: no novo projeto, cada escola regular (não técnica) deve oferecer ao menos dois itinerários formativos. Essas disciplinas optativas devem contemplar ao menos uma das áreas acima, mas não há especificação clara do quanto que conteúdo ou ementa devem estar relacionados às áreas científicas, de forma que deixa em aberto o espaço para cursos anticientíficos como os que foram massivamente implementados nas escolas que adotaram a medida no último ano; nas escolas técnicas, há a opção da formação do curso de formação técnica e profissional;

       Formalização do Ensino à Distância: o projeto estabeleceu que os itinerários formativos podem ser ensinados à distância, enquanto a carga horária de formação geral básica pode ser ofertada de forma presencial e, excepcionalmente, de forma “mediada por tecnologia”. Ainda não há um regulamento que especifique como se dará a mediação.

<<<< Extrema-direita comemora

Depois da aprovação, parlamentares da extrema-direita apressaram-se em celebrar o texto acordado entre o governo e o Congresso. O novo presidente da Comissão de Educação da Câmara, o notório reacionário Nikolas Ferreira (PL-MG), foi um dos que elogiou o projeto aprovado. Em nota publicada nas redes sociais, o deputado declarou, cinicamente, que vai manter alta a fiscalização pela aplicação da medida e às “demandas dos nossos alunos”.

O comentário é um escárnio descarado: a aprovação contrariou de forma direta os interesses dos alunos e professores que criticaram e condenaram o NEM em importantes mobilizações pelo País ao longo de todo o último ano. Em vez de uma reformulação no NEM, os professores e estudantes exigiam a revogação total da medida.

•        Mudou, mas deixou igual

Na nova aprovação, todo o conteúdo criticado pelos estudantes no NEM se manteve. Em greves, ocupações estudantis e protestos, os profissionais da Educação e estudantes exigiam o fim dos “itinerários formativos” e o retorno da grade horária destinada às disciplinas regulares e condenavam a confusão generalizada causada pela fusão de múltiplas disciplinas científicas em leques amplos. O Ensino à Distância também era, via de regra, rechaçado nas manifestações. Entidades como a Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia (ExNEPe), que coordenou campanhas e lutas contra o NEM, chegou a classificar a reforma como o “mais grave ataque à Educação pública dos últimos anos”.

Denúncias posteriores à aplicação da medida também revelam como NEM favorece a precarização do trabalho docente, com os profissionais sujeitos à exploração cada vez maior, em jornadas exaustivas e um trabalho não relacionado com suas áreas de formação, a precarização do Ensino, sobretudo do público e gratuito, com a oferta de um ensino anticientífico e pragmatista (e não ensino técnico, como propagandeiam figuras como Nikolas Ferreira), consequentemente, a evasão escolar.

•        Luta deve ser retomada

Mesmo assim, o governo nunca de fato cogitou atender a exigência de revogar o NEM e optou pela conciliação com a medida. No mês passado, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que esperava aprovar a medida “ainda neste semestre, até porque para implementar as mudanças no Ensino Médio para 2025 precisam ser aprovadas neste semestre, porque precisa ter o tempo para que as redes se prepararem para mudanças. É fundamental a aprovação ainda neste semestre na Câmara e no Senado”.

Dessa forma, o clima que pode se esperar é de retomada das lutas dos estudantes contra o NEM e os vindouros ataques à Educação promovidos pelos reacionários celerados e conciliadores de plantão.

 

Ø  Recém-formados reprovam Novo Ensino Médio do governo Temer; professora fala em 'cenário assustador'

 

Uma pesquisa feita com a primeira geração de estudantes concluintes do chamado Novo Ensino Médio (NEM) apontou que o grupo desaprovou o modelo. O estudo foi conduzido pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu) junto ao Grupo Escola Pública e Democracia (Gepud). A reforma que instituiu as mudanças nessa etapa de ensino foi sancionada em 2017 pelo então presidente Michel Temer, mesmo com críticas de movimentos ligados à educação.

O NEM trouxe alterações na carga horária, que foi dividida entre componentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos que deveriam ser voltados ao mercado de trabalho. As disciplinas de língua portuguesa e matemática passaram a ser as únicas obrigatórias para todos os anos do ensino médio. 

O modelo não funcionou, segundo Ana Paula Corti, professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Ela é integrante da Repu e do Gepud e comentou os resultados da pesquisa, a primeira feita com estudantes que cursaram os três anos do NEM.

"Em relação aos itinerários, encontramos um quadro muito preocupante, porque a grande maioria dos estudantes afirma que cursaram o itinerário formativo que não escolheram. Mesmo quando eles escolhem o itinerário, muitas vezes a escola não oferece aquele itinerário. Em relação à expansão da carga horária, o quadro que a gente achou também foi preocupante. Mais de 60% dos alunos afirmam que não cursaram as aulas de expansão de carga horária. Metade dos alunos que cursaram fez essas aulas à distância", expõe Ana Paula.

Além de não aprovarem a mudança na estrutura do ensino, 85% dos estudantes que responderam à pesquisa não se sentem aptos para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal porta de entrada nas universidades do Brasil. A falta de preparo deixa os vestibulandos ainda mais desmotivados e sem perspectiva de futuro, argumenta a professora.

"Eles reclamam muito de terem perdido, principalmente no segundo e terceiro ano, as aulas das disciplinas básicas. E o quadro é meio assustador. Eles dizem que não tiveram nada de Biologia, Química, Física, Sociologia, Filosofia, História e Geografia no terceiro ano do ensino médio. Então, de fato, percebemos nas respostas que esse currículo é esvaziado, o aluno está sentindo isso na pele, ele está percebendo o rebaixamento da sua formação. Eles demonstram um desalento com essa percepção do esvaziamento do currículo e estão vendo as chances de ingresso na universidade via Enem minguando", pontua Ana Paula Corti.

Nesta quarta-feira (20), a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que implementa novas mudanças no ensino médio. O PL foi enviado pelo governo federal ao Congresso no fim do ano passado, mas teve seu texto modificado pelo relator, o ex-ministro da educação de Temer Mendonça Filho, responsável pela aprovação do NEM em 2017. Agora, o texto será analisado no Senado. Apesar de mexer e aumentar a carga horária de disciplinas obrigatórias, contemplando as demandas de alunos, professores, pesquisadores e movimentos ligados à educação, a proposta não resolve todos os problemas do ensino médio. 

"A proposta que foi aprovada nos deixa com muitas preocupações. Um avanço foi resultado direto das denúncias da insatisfação da sociedade em relação à redução das disciplinas básicas no currículo: a volta das 2,4 mil horas. Então, o texto tem essa conquista. Entretanto, muitos outros pontos da reforma não foram tocados, eu diria até que é muito pelo contrário. O texto aprovado reforça aspectos muito questionáveis, porque ele mantém os itinerários formativos, que é a parte mais criticada da reforma. Ele abre espaço para que essa carga horária seja recheada com disciplinas que não são da educação básica. Uma das grandes derrotas é que ele não assegura, em nenhum momento, a obrigatoriedade das disciplinas científicas, humanísticas e da educação básica", desabafa Ana Paula.

 

Fonte: A Nova Democracia/Congresso em Foco/Brasil de Fato

 

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