segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Por que a economia da Rússia cresce mais que a do G7 apesar da guerra na Ucrânia

Era março de 2022. O rublo russo entrou em colapso e o valor das gigantes russas Gazprom e Sberbank em Londres desabou 97%.

Longas filas começaram a se formar nos caixas eletrônicos de Moscou. Em países ocidentais, oligarcas tiveram seus iates, times de futebol, mansões e até cartões de crédito confiscados. A Rússia entrou em uma grande recessão.

Esse foi o resultado imediato da tentativa mais agressiva do Ocidente de conter financeiramente a Rússia após a invasão da Ucrânia, através de embargos econômicos.

Entre as medidas mais importantes estavam o confisco dos ativos oficiais em moeda estrangeira do Estado russo e o congelamento inédito das reservas do banco central de US$ 300 bilhões.

Os governos ocidentais evitaram usar frases como "guerra econômica", mas certamente havia uma espécie de batalha financeira contra o Kremlin. Esse tipo de confronto era uma alternativa melhor do que o conflito direto entre Estados nucleares.

Quase dois anos se passaram e uma grande mudança ocorreu neste contexto econômico.

Em uma longa e incoerente entrevista esta semana, o presidente russo, Vladimir Putin, gabou-se de que a Rússia é a economia que mais cresce na Europa.

Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou a pujança da economia russa ao aumentar a sua previsão de crescimento do país neste ano de 1,1% para 2,6%.

De acordo com dados do FMI, a economia russa cresceu mais rapidamente do que todo o G7 no ano passado e seguirá assim em 2024.

Não se trata apenas de números.

O impasse na Ucrânia e a expectativa crescente de um conflito longo foram sustentados pela remobilização da economia russa para o esforço militar, especialmente na construção de frentes defensivas no leste e no sul da Ucrânia.

·        A Rússia conseguirá sustentar esse crescimento?

Os líderes ocidentais dizem que este modelo é completamente insustentável a médio prazo. Mas a questão é: por quanto tempo ele pode ser sustentado?

A Rússia se transformou em uma economia de guerra mobilizada. O Estado russo está gastando quantias recordes na era pós-União Soviética.

As despesas militares e de segurança, que representam até 40% do orçamento, voltaram aos mesmos níveis do final da URSS. Outras áreas do orçamento estatal destinada a serviços à população foram reduzidas para compensar o financiamento para a produção de tanques, sistemas de mísseis e defesas na Ucrânia ocupada.

Além disso, e apesar dos embargos ocidentais ao petróleo e ao gás russos, os fluxos de receitas dos hidrocarbonetos continuaram fluindo para os cofres do Estado russo.

Os petroleiros russos agora seguem para a Índia e a China, e a maior parte dos pagamentos são feitos em yuan chinês, e não em dólares americanos.

A produção de petróleo da Rússia segue em 9,5 milhões de barris por dia, ligeiramente inferior ao nível anterior à guerra.

O país contornou as sanções comprando e mobilizando uma "frota paralela" de centenas de navios petroleiros.

Na semana passada, o Ministério da Economia russo anunciou que a receita dos impostos sobre hidrocarbonetos em janeiro excederam os níveis observados em janeiro de 2022, pouco antes da invasão da Ucrânia.

O fluxo contínuo de moeda estrangeira para o petróleo, o gás e os diamantes russos também ajudou a aliviar a tensão sobre o valor do rublo.

Líderes ocidentais insistem que esta situação não é sustentável, mas reconhecem o sucesso atual da Rússia.

Um líder mundial disse recentemente em uma conversa privada: "2024 será muito mais positivo para Putin do que nós pensávamos. Ele conseguiu reorganizar a sua própria indústria de forma mais eficiente do que pensávamos."

·        Rússia exposta

Mas este modelo de crescimento econômico aumentou em muito a dependência de Moscou nas receitas do petróleo, da China e dos gastos de guerra.

Quando a demanda por petróleo e gás atingir o seu pico e a produção concorrente do Golfo Pérsico aumentar no próximo ano, a economia da Rússia ficará exposta a problemas.

Os aumentos verificados no Produto Interno Bruto (PIB) resultantes da produção de equipamentos de guerra também estão longe de ser produtivos.

E a Rússia sofreu uma fuga de cérebros com a guerra.

A estratégia ocidental não tem sido a de atacar diretamente a economia russa, mas a de criar uma espécie de jogo de "gato e rato", tentando restringir o seu acesso à tecnologia, aumentar os seus custos, limitar as suas receitas e tornar o conflito insustentável no longo prazo.

"Nós preferimos que a Rússia use o seu dinheiro para comprar petroleiros do que tanques", me disse uma autoridade dos EUA. No mercado petrolífero, o objetivo político não é tentar impedir a Índia, por exemplo, de comprar petróleo russo, mas limitar os lucros desse comércio, para que eles não alimentem a máquina de guerra do Kremlin.

·        Ativos congelados

Agora a atenção agora está voltada para o papel central dos ativos financeiros russos congelados.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, me disse no mês passado: "Se o mundo tem US$ 300 bilhões (em ativos russos congelados), porque não usá-los?". Todos esses fundos congelados deveriam ser usados ​​para financiar os esforços de reconstrução da Ucrânia, disse ele.

Os ministros da Economia do Reino Unido, Jeremy Hunt, e das Relações Exteriores, David Cameron, apoiam essa ideia.

Cameron me disse: "Nós congelamos esses ativos. A questão é: nós vamos usá-los?"

Cameron disse que "usar parte deste dinheiro agora seria um adiantamento de reparações (russas)" pela invasão ilegal da Ucrânia, e poderia ser usado "para ajudar a Ucrânia e, ao mesmo tempo, poupar o dinheiro dos contribuintes ocidentais".

O G7 pediu aos presidentes dos seus bancos centrais que preparem uma análise técnica e jurídica sobre o assunto.

Uma fonte no mercado financeiro me disse que há riscos de transformar o dólar em uma espécie de arma.

Um plano em discussão prevê o uso de fundos de investimento para angariar bilhões de dólares para a Ucrânia.

Mas tudo é muito delicado. Se os ativos russos forem confiscados desta forma, que mensagem seria passada a outras nações, talvez no Golfo, na Ásia Central ou na África, sobre a segurança das suas reservas nos bancos centrais ocidentais? Estas relações são centrais no sistema financeiro global.

Putin certamente tenta ressaltar que a China está emergindo como uma alternativa, se não para o Ocidente, pelo menos para as economias emergentes.

Os russos também indicaram que tomarão medidas legais contra quaisquer apreensões de ativos e tomarão ativos de empresas ocidentais congelados em bancos russos.

A batalha sobre a economia da Rússia é essencial para compreender o rumo deste conflito e da economia global.

A economia de guerra da Rússia pode não ser sustentável a longo prazo, mas proporcionou ao país algum tempo adicional. O Ocidente está prestes a aumentar a pressão, depois de a Rússia ter mostrado esta inesperada resistência.

A forma precisa desta escalada financeira terá consequências que vão muito além da Rússia e da Ucrânia.

 

Ø  Perspectivas para Rússia, após dois anos de guerra, são 'melhores' do que em 2022

 

“Não é exagero afirmar que as perspectivas hoje para a Rússia são até melhores quando comparadas ao início da guerra na Ucrânia”, analisou a geógrafa Iole Ilíada a Opera Mundi sobre o desempenho de Moscou em sua operação especial militar que completa dois anos de conflito neste sábado (24/02). 

Mesmo considerando a extensão inesperada do conflito, iniciado em 2022, a especialista avaliou que a Rússia tem um relativo controle sobre os eventos no Donbass - o principal foco de combate e domínio de território entre Kiev e Moscou. 

Atualmente, o Exército russo ocupa parte significativa das quatro províncias com forte presença de população de origem russa - Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson -, em conquistas realizadas ainda em 2022, ano em que a guerra começou. Ilíada ressaltou que nesses distritos foram organizados referendos com resultados a favor da incorporação à Federação Russa.

Apesar ainda das perdas militares, menores que as ucranianas, e as consequentes sanções ocidentais em rechaço ao conflito, a especialista aponta que “ao contrário do que muitos imaginavam, e grande parte do Ocidente torcia, nem a Rússia se enfraqueceu economicamente e nem [presidente da Rússia, Vladimir] Putin sofreu abalos em sua popularidade interna”.

Mesmo reconhecendo que não é possível prever o desfecho da guerra, em especial porque a Rússia precisa “consolidar e estabilizar a situação dos territórios no campo das operações bélicas”, Ilíada disse que as perspectivas do país para o futuro do conflito são positivas, uma vez que a “moral das tropas” está elevada. 

Tal sentimento do Exército russo decorre em especial da recente vitória no distrito de Avdiivka, em Donetsk. Ilíada lembrou que o avanço foi importante por ser o primeiro desde a tomada de Bakhmut, conquistada pelo Grupo Wagner em maio de 2023. 

“Antes disso, havia uma espécie de 'impasse estratégico' no campo de batalha, no qual a Ucrânia pouco avançava na sua proclamada contraofensiva, e a Rússia impedia esses avanços, sem no entanto ganhar terreno significativamente”, explicou. 

A perda do território por parte do Exército da Ucrânia - em uma movimentação classificada como “retirada caótica" de soldados pelo jornal norte-americano The New York Times - “somada à massiva perda de homens, armas e equipamentos, em uma velocidade que o Ocidente não tem logrado repor à altura, apontam para condições cada vez mais difíceis para que os ucranianos prolonguem o conflito”.

“Após a anunciada contraofensiva ucraniana não apresentar resultados, algo já admitido por todos os analistas sérios, não parece haver capacidade para que a Ucrânia reverta o quadro atual”, declarou ela a Opera Mundi.  

Mesmo com o cenário negativo para a Ucrânia, a geógrafa analisou que a atuação de outros atores internacionais nesta guerra precisa ser considerada, como os Estados Unidos na perda de sua hegemonia e tentativa de fortalecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). 

“Em contextos assim, invariavelmente aquele que perde poder tentará mantê-lo ou recuperá-lo a todo custo. Isso explica a insistência dos EUA em ampliar a OTAN e isolar a Rússia. Não podemos esquecer que essa é uma "proxy war" [guerra com o uso de um intermediário]. Portanto, é preciso saber como se comportarão os países que munem a Ucrânia”, afirmou

“De todo modo, embora isso seja em grande medida especulativo, é possível dizer que o fim da guerra parece mais próximo hoje do que há um ano”, disse. 

·        A guerra culminará no fim dos governos de Putin e Zelensky? 

Segundo o calendário eleitoral de Ucrânia e Rússia, ambos países têm eleições presidenciais neste ano. Moscou agendou seu pleito para 17 de março, já Kiev adiou sua disputa sem fixar uma data futura, sob a alegação de que não há possibilidades de realizá-la enquanto a guerra acontece. 

A manobra política do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, aponta para a instabilidade de seu governo e sua tentativa de se manter no poder. “Caso a perda da guerra se torne evidente, ficará caracterizado que ele conduziu o país a uma aventura e será difícil para ele se sustentar no governo”, avaliou Ilíada. 

Por sua vez, a especialista afirma que Putin, mesmo com o conflito ainda em curso, está fortalecido.

“Pesa a seu favor o sentimento nacionalista russo, que cresceu depois que o Ocidente tentou isolar e humilhar a Rússia - adotando sanções de todo tipo, inclusive nos âmbitos cultural e esportivo - e se fortaleceu ainda mais com os sucessos obtidos até o momento no terreno das operações de guerra. Lembremos que Putin sabe, como poucos, encarnar esse sentimento”, concluiu.

 

Fonte: BBC News Brasil/Opera Mundi

 

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