terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O ato bolsonarista: um fascismo em “crise de identidade” ou uma ação estratégica?

O bolsonarismo mais uma vez mostrou capacidade de mobilização. As avaliações que buscam ridicularizar ou menosprezar o ato da avenida Paulista, divulgando teses “lacradoras” de que ele teria “flopado” podem causar algum furor em segmentos da esquerda, mas não dão conta do que aconteceu. A propósito,  o menosprezo à extrema direita tem sido um dos erros mais custosos dos últimos anos. 

Não estavam lá os  700 mil prometidos pelos líderes bolsonaristas, a estimativa de 750 mil da PM de São Paulo é a projeção de uma força rendida e subordinada ao bolso-milicianismo sob comando do tal capitão Derrite. Mas os números da USP, que colocam o ato na esfera dos 185-200 mil presentes, parecem bem próximos da realidade.

E se fosse um milhão? Bom, aí o país teria acordado com uma crise político institucional de enorme magnitude. Não acordou. Menos mal. 

Mas a esquerda precisa acordar da ilusão de considerar que o juiz-xerife Alexandre de Moraes resolverá tudo, como advertiu Gilberto Maringoni em artigo a quente aqui na Fórum. Se Bolsonaro terceirizou na Paulista para o pastor Malafaia os ataques ao STF, a esquerda terceirizou para Alexandre de Moraes a luta política.  

De qualquer forma, só analistas desavisados “descobriram” a capacidade de mobilização de Bolsonaro ou que ela é bem superior à da esquerda. Isso já era sabido e está na conta do jogo político nacional.

A interrogação é se a manifestação terá peso no cenário. 

Bolsonaro levou à Paulista o tema da anistia. Isso vai entrar no debate, será peça do jogo político-institucional no Congresso ou será algo marginal? É cedo para afirmações peremptórias. O arguto analista Jeferson Miola, no Fórum Café desta segunda pós-Paulista e aqui no portal da Fórum, apresenta uma análise instigante: “A bandeira da anistia será a 'grife' da extrema direita na eleição municipal. É uma medida que une e articula politicamente o bloco oposicionista num simulacro de luta democrática. A luta pela anistia terá centralidade política ainda maior para a ultradireita depois da prisão do Bolsonaro, e o bolsonarismo já se posicionou estrategicamente na conjuntura pós-prisão.”

Será a bandeira da anistia soldar novamente o eixo bolsonarismo-militares-Centrão? Se isso acontecer, o cenário político sofrerá uma profunda alteração.

Do ponto de vista da construção discursiva do fascismo, o que vimos neste domingo foi uma crise de identidade. O fascismo é estruturalmente agressivo, ofensivo, vive do confronto, alimenta-se do ódio aos inimigos. No carro de som, Bolsonaro fugiu ao figurino. Baixou  a bola, fugir do confronto. Posou de “conciliador”, apelou pela paz, apelou por anistia, quase como uma reconciliação nacional. Ou seja, frustrou sua plateia, os milhares de fascistas-fundamentalistas-sionistas com sangue nos olhos que queriam ouvir xingamentos e promessas de virada de mesa. Foi visível o desânimo diante do discurso. Coube a Malafaia o discurso tipicamente fascista -o caráter fundamentalista da jornada ficou a cargo de Michelle Bolsonaro.

Se a estratégia da anistia vingar, poderá haver mexidas no cenário à frente. Se naufragar, o ato da Paulista terá sido uma preparação para o acampamento "Bolsonaro livre" quando ele for preso -terá sido então o ato pré-prisão. Adicionalmente, o gesto de um Bolsonaro temeroso, incapaz de mostrar as garras fascistas e ameaçar o país e a democracia novamente.

A manifestação, com suas quase 200 mil pessoas, apesar de grande, não mostrou pujança para parar o país e provocar o caos.

 

Ø  Ato na Paulista organizou estratégia de luta da extrema direita. Por Jeferson Miola

 

Nesse contexto de polarização política permanente, a esquerda está desafiada a buscar formas de mobilização multitudinária pelo menos no nível que a extrema direita fascista consegue mobilizar.

O ato bolsonarista na avenida Paulista é um alerta disso. Independentemente da estimativa exata de presentes, a fotografia de vários quarteirões da avenida ocupados já é, por si, impactante. Foi uma demonstração de força convocatória, de estrutura material e capacidade de mobilização.

Governadores de SP, MG, Goiás e SC e mais de uma centena de políticos e parlamentares participaram, inclusive de partidos que integram o ministério do governo Lula.

Seria necessária uma pesquisa para caracterizar o perfil dos participantes, mas ali foram vistos charlatães religiosos, comerciantes, militares, policiais, “donas de casa”, funcionários públicos, aposentados, trabalhadores formais e uberizados, “empreendedores”, empresários e pessoas humildes.

O ato serviu para o bolsonarismo instalar a agenda da anistia, que interessa tanto aos presos pelas depredações no 8 de janeiro, como aos investigados –dentre eles Bolsonaro e oficiais generais– que também serão condenados e presos com base nas robustas provas existentes.

O general-senador Hamilton Mourão já protocolou no Senado Projeto de Lei anistiando os golpistas, proposta que antagoniza diretamente com iniciativas em curso contra a anistia.

A bandeira da anistia conecta a extrema direita brasileira com a agenda central do trumpismo nos Estados Unidos. Assim como o bolsonarismo, Trump repete o delírio da inocência e da “perseguição do sistema” ao seu líder máximo para retirá-lo do certame eleitoral.

No discurso, Bolsonaro defendeu cinicamente a anistia como fator de pacificação do país – “o que eu busco é a pacificação, passar uma borracha no passado, uma maneira de vivermos em paz”, disse.

De modo esperto, Bolsonaro colocou a responsabilidade pea paz sobre as instituições –sobretudo o Congresso– “para que seja feito justiça no nosso Brasil”. Esta posição implicitamente questiona a legitimidade das acusações e reforça o foco dos ataques ao STF, que tem a titularidade dos julgamentos e condenações.

A bandeira da anistia será a “grife” da extrema direita na eleição municipal. É uma medida que une e articula politicamente o bloco oposicionista num simulacro de luta democrática.

A luta pela anistia terá centralidade política ainda maior para a ultradireita depois da prisão do Bolsonaro, e o bolsonarismo já se posicionou estrategicamente na conjuntura pós-prisão.

A anistia não serve para livrar Bolsonaro, porque muitos empresários, políticos, parlamentares, milicianos e agentes públicos também seriam beneficiados com ela. Mas os militares, mais que outros segmentos, são grandemente interessados na aprovação da medida.

As cúpulas militares não hesitarão em integrar o “movimento pró-anistia” para pressionar o Congresso. De modo sorrateiro e até abertamente ameaçador.

Ainda durante a transição de governo o hoje ministro da Defesa José Múcio Monteiro já defendia a “pacificação”. E, nos mesmos termos proferidos por Bolsonaro na Paulista, Múcio dizia que o perdão a golpistas seria a maneira de se pacificar a sociedade brasileira.

O governador bolsonarista de SP Tarcísio Gomes de Freitas resumiu bem o estado de ânimo do extremismo: “Bolsonaro não é uma pessoa ou um CPF, porque ele é um movimento”.

Isso é um dado da realidade. A presença multitudinária do bolsonarismo na Paulista, mesmo no atual momento de reveses políticos e judiciais evidencia que o fascismo é uma força-movimento poderosa, com enorme alcance popular, e que se organiza para atuar mais além da persona Jair Bolsonaro, que em breve poderá estar preso.

A extrema direita tem uma mística que toca os sentimentos e as emoções de multidões ressentidas; tem uma utopia. Mesmo que seja uma utopia destrutiva, mas ainda assim é uma utopia: a utopia de retrocessos a uma ordem reacionária, ultra-individualista e autoritária.

Os bolsonaristas são fanáticos, é certo. Mas seria equivocado desprezar que eles se entregam militantemente, com devoção revolucionária, à crença de estarem edificando esta nova ordem, porque se consideram artífices da contrarrevolução fascista e reacionária.

Em entrevista à Folha, Vladimir Safatle disse que “a extrema direita é hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão”.

Safatle entende que a esquerda apenas ganhou tempo com a eleição do Lula em 30 de outubro de 2022. E isso é real. A derrota da chapa militar Bolsonaro/Braga Netto não desmobilizou e tampouco arrefeceu o encanto popular pela extrema direita.

Importante destacar, neste sentido, a capacidade de mobilização fascista mesmo depois da derrota eleitoral e já sem a estrutura de governo. Os atentados do 8 de janeiro de 2023 e o ato deste 25 de fevereiro na avenida Paulista são evidências disso.

 

Ø  Bolsonaristas agora apelam a Israel, Trump e Milei para derrubar Lula

 

Quando a reportagem da Fórum chegou à avenida Paulista, já havia uma concentração significativa de bolsonaristas em torno do palco à espera da chegada de Jair Bolsonaro.

Eram 13 horas e o Metrô despejava centenas de novos manifestantes cantando "eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor", hino normalmente dedicado à seleção brasileira.

A pretensão era lotar os 18 quarteirões da avenida Paulista.

Se as cores e as palavras de ordem permanecem as mesmas, os entrevistados esgrimiam novos argumentos para derrubar Lula. Os vendedores ambulantes se anteciparam.

LEÃO BÍBLICO EM DESTAQUE

Havia bandeiras do Brasil fundidas à de Israel, com um leão estampado, um símbolo bíblico de força e poder.

Um homem que diz se chamar Tio Sam, vestido com a bandeira dos Estados Unidos, dizia que a eleição de Donald Trump este ano pode ajudar Bolsonaro a voltar ao Planalto.

As faixas pedindo intervenção militar sumiram.

Foram substituídas pelas bandeiras de Israel, dos Estados Unidos e por santinhos do presidente Javier Milei, da Argentina, com a motossera.

A deputada estadual Fabiana Barroso, que não tem relação com a família mas se elegeu usando o sobrenome Bolsonaro, espalhava imagens de Trump, Bolsonaro e Milei com a frase: "Unidos pela direita".

Entrevistados pela Fórum, bolsonaristas disseram que a manifestação deste domingo era um grito pelo impeachment de Lula.

O apoio dos Estados Unidos, Argentina e Israel pela volta de Bolsonaro ao poder, em 2026, é considerado essencial.

Lembrei a um dos entrevistados que Bolsonaro estava com os direitos políticos cassados.

"Os Estados Unidos estão em toda parte, contam com a CIA", respondeu um deles, de maneira enigmática.

Uma nova tentativa de golpe militar foi rechaçada pela maioria. Um dos entrevistados disse que os militares "estão divididos".

A Fórum preserva os nomes dos entrevistados para evitar possível constrangimento entre seus pares dos que teriam sua identidade estampada em um veículo de esquerda.

A pretensão segue sendo a mesma: derrubar o governo "ilegítimo" de Lula, mas agora "nas ruas".

Talvez com apoio do quarteto mágico estampado nas camisetas e bandeiras que dominavam a manifestação: Israel, Estados Unidos sob Trump, Argentina sob Milei e Neymar Jr., o maior dos influencers bolsonaristas.

A julgar pelo que se viu na Paulista até as 13 horas, Jair Bolsonaro preserva sua capacidade de mobilização: havia centenas de pessoas vindas de outras cidades, até mesmo do Mato Grosso.

"Lula, ladrão, seu lugar é na prisão", entoado por milhares de pessoas, mostra que o 8 de Janeiro segue vivo, embora sob cerco.

Desiludidos com os militares e sob cerco da Polícia Federal, bolsonaristas parecem contar agora com apoio externo para devolver o "Mito" ao poder.

Ø  Milei entra em narrativa bolsonarista e chama governo Lula de ditadura

O presidente da Argentina Javier Milei tem tentado drasticamente se afastar do governo Lula para reforçar sua articulação com a extrema direita internacional.

Logo após sair da CPAC, convenção da extrema direita nos EUA liderada por Donald Trump e que contou com Eduardo Bolsonaro, Milei fez uma série de ataques contra o governo Lula neste domingo (25).

Impulsionado pelos atos bolsonaristas na Avenida Paulista - que tinham como claro intuito chamar a atenção da comunidade internacional -, Milei retuítou diversas mensagens que atacavam diretamente o presidente Lula.

“Lula é pró-Hamas. Bolsonaro é pró-Israel. Fim", dizia uma delas. Outra afirma que o protesto de ontem foi uma marcha “contra o autoritarismo de Lula e contra o assédio e perseguição da oposição”

Milei chegou a afirmar que o Brasil vive sob a égide de uma ditadura, dizendo que a manifestação lideraria “os rumos da política no Brasil e a resistência à ditadura de Lula da Silva”.

·        Situação interna difícil

Enquanto isso, o governo Milei convive com as taxas de inflação mais altas do mundo, crise econômica e a possibilidade de desabastecimento depois do corte de subsídios para os estados da federação.

‘El Loco’ perdeu sua principal base de apoio, o Juntos por El Cambio, e segue há meses sem aprovar um mísero projeto no parlamento argentino. Ingovernável, a Argentina segue para o rumo do caos enquanto seu presidente bota fogo no seu maior parceiro estratégico na região.

 

Fonte: Por  Mauro Lopes, na Revista Fórum

 

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