quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Lei precisa garantir liberdade, mas com proteção social, diz ministro do TST

As novas tecnologias mudaram o mercado de trabalho e deram mais autonomia a determinados profissionais. Diante disso, o sistema legal brasileiro precisa encontrar um modelo de regulação que preserve a liberdade nas relações produtivas, mas que proteja os direitos de quem atua nessa nova dinâmica de trabalho.

Foi o que disse o ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho, em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, na qual a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.

Segundo o ministro, o Brasil vive um momento único na história em relação à Justiça e ao Direito do Trabalho. E, nesse contexto, a tecnologia tem cumprido um papel importante na alteração dos modelos de organização produtiva. Essa mudança, porém, precisa agora se refletir na legislação trabalhista, que está desatualizada e exige uma revisão urgentemente.

“Precisamos entender esse novo momento, em que se reconhece uma amplificação da autonomia individual da vontade e que é incompatível com o modelo clássico de subordinação jurídica do empregado ao empregador. E, portanto, nesse ambiente em que há uma significativa autonomia, nós precisamos encontrar um modelo de regulação jurídica, um sistema legal que atenda o objetivo de preservar a liberdade ao mesmo tempo que garanta proteção social”, disse Rodrigues, que é mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Outras questões centrais na atualidade são os efeitos da terceirização e o modelo de organização sindical — que, segundo ele, foi prestigiado pela reforma trabalhista e pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.046, no qual a corte declarou a validade de norma coletiva que limita direito trabalhista não constitucional. 

“E também precisamos discutir as razões que estão levando o STF a mitigar a competência material da Justiça do Trabalho”, completou o ministro, fazendo referência a decisões da corte que, por exemplo, têm atribuído à Justiça Comum, e não à Trabalhista, a competência para julgar determinados casos.

·        ESG

O ministro também falou sobre a responsabilidade das empresas pelos impactos ambientais, sociais e de governança nos resultados de suas atividades econômicas e nos investimentos — a chamada agenda ESG (environmental, social and governance).

Segundo Rodrigues, a agenda cumpre uma função importante no mundo corporativo, mas não pode ser objeto de uso indevido, como se fosse um instrumento de marketing para que algumas empresas possam apenas alavancar seus negócios.

“O que eu quero dizer  é que a ordem econômica e todos os seus princípios estruturantes — entre os quais a livre iniciativa, a propriedade privada com função social e a função social da empresa — estão comprometidos com objetivos, que estão na Constituição, de construção de uma sociedade justa, fraterna, menos desigual. De sorte que, na esfera privada, é preciso que a sociedade perceba a relevância dessa pauta e possa, enfim, consumir produtos e aderir a bens e serviços que são oferecidos e prestados por empresas que verdadeiramente buscam exercer a livre iniciativa com essa proposta de realização de valores sociais.”

·        Redução de acervos

Outro tema abordado foi a sobrecarga de trabalho no Poder Judiciário. Segundo o ministro, os tribunais e as instâncias que estão saturados pelo alto número de processos precisam adotar uma política pública de enfrentamento responsável desse problema. Nesse sentido, Rodrigues sugere que sejam reimplantados os mutirões de trabalho, além do emprego de juízes auxiliares.

“No caso da Justiça do Trabalho, nós estamos cuidando de um direito social que tem natureza alimentar. Então, a situação da morosidade acaba sendo muito mais dramática. Acho que a requisição de juízes — ou a possibilidade de utilização de juízes auxiliares nos tribunais regionais e no próprio Tribunal Superior do Trabalho — precisa ser urgentemente repensada. Obviamente com a percepção de que não se pode usar um cobertor curto para criar um problema numa outra ponta.”

 

Ø  Entidades do mundo jurídico fazem atos em todo o país contra decisões do STF que permitem avanço da 'pejotização'

 

Cerca de 200 entidades, incluindo coletivos e organizações de advogados, de juízes trabalhistas, do Ministério Público do Trabalho e seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, realizam nesta quarta-feira, (28), atos em 34 cidades do país, incluindo 24 capitais, em defesa da Justiça do Trabalho e para reivindicar que o Supremo Tribunal Federal escute os trabalhadores e não esvazie as atribuições da Justiça trabalhista

A iniciativa é a mais recente ação de profissionais e operadores do Direito, além de sindicatos, em resposta à multiplicação de decisões do STF nos últimos anos que têm chancelado a "pejotização" – contratação de trabalhadores como empresas, sem direitos sociais e reconhecimento de vínculos trabalhistas.

Por meio destas decisões, contestadas por especialistas do Direito, o STF tem levado as discussões sobre contratos de trabalho para a Justiça cível e não para a Justiça do Trabalho, que tem a atribuição de analisar as relações de trabalho e vínculos trabalhistas. 

Para o advogado trabalhista e membro da Executiva da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), Nuredin Allan, as manifestações são uma forma de pressão política para sensibilizar o Supremo. "As decisões do STF tem sido políticas, não técnicas. Tecnicamente, no âmbito jurídico, é uma aberração o que o Supremo tem feito", afirma o advogado. 

Para ele, o que está em jogo nessa discussão é a prerrogativa de que cabe à Justiça do Trabalho analisar fatos envolvendo relações de trabalho para definir o que se configura vinculo trabalhista e se há eventuais irregularidades na relação trabalhista. Na visão do especialista, o debate tem sido distorcido por meio de recursos chamados de Reclamações Constitucionais, movidos por empresas e empregadores no STF contra decisões da Justiça do Trabalho.  

"Constitucionalmente o STF não pode julgar um caso e dizer o que é ou não é vínculo de emprego, isso é analise de fatos. O Supremo tem atropelado o TST e até outras decisões da Justiça do Trabalho, via de regra, envolvendo vínculos de emprego. A análise do vínculo e fática e é da Justiça do Trabalho", explica o advogado.  

·        Novas formas de trabalho 

Para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, uma das entidades que apoia a manifestação desta quarta, o fato de haver novos modelos de trabalho com o advento de tecnologias, como os aplicativos de entregas, não impede a garantia dos direitos sociais nem a atuação da Justiça trabalhista.  

"O surgimento de novos modelos, possibilitados pela dinâmica do mundo do trabalho, não pode suprimir da Justiça do Trabalho a possibilidade de apreciar e julgar as repercussões ocasionadas por esses novos desenhos. Mesmo quando observada a interpretação literal do referido texto legal, não se permite outra conclusão senão a de que quaisquer controvérsias decorrentes das relações de trabalho, não somente de vínculos de emprego, devem ser apreciadas pela Justiça do Trabalho", diz a entidade em manifesto divulgado em apoio aos atos desta quarta. 

Especialistas também alertam que, ao decidir que cabe à Justiça comum analisar as relações de trabalho, como se estivesse em discussão apenas uma relação contratual, o STF pode acabar aumentando a precarização das condições dos trabalhadores. O risco está presente uma vez que a Justiça cível parte do pressuposto que as duas partes envolvidas no contrato estão negociando em pé de igualdade, o que não reflete a realidade nos casos de contratos de trabalho, entre um empregador e um empregado. 

A Justiça do Trabalho, por sua vez, parte da premissa de que a relação entre empregador e empregado sempre tem alguma assimetria e leva isso em conta ao analisar as situações trabalhistas. "Não cabe ao STF, contudo, data venia, agir como propulsor dos agentes econômicos, a partir da premissa velada de que o trabalho sem direitos é melhor do que o desemprego, e, sim, atuar como instrumento do Estado Democrático e Social de Direito, garantidor dos direitos sociais", diz o manifesto O STF precisa ouvir os trabalhadores, assinado pelas entidades e associações que organizaram os atos desta quarta. 

Até mesmo o tipo de recurso que os empregadores tem utilizado para levar os casos trabalhistas ao Supremo seria inadequado segundo especialistas. Trata-se das chamadas reclamações constitucionais, um tipo de recurso que só pode ser usado em casos muito específicos no Supremo. Na prática, ao utilizar esse mecanismo, os empregadores acabam pulando várias etapas do processo judicial para conseguir uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que é a última instância do Poder Judiciário, ficando acima da Justiça do Trabalho.   

"O Supremo Tribunal Federal tem acolhido essas reclamações, no meu entender, de forma completamente indevida e tem declarado que essas decisões ferem uma decisão do STF, que autorizou a terceirização de forma ampla. Mas isso não tem nada a ver com terceirização, é uma fraude na relação de emprego", afirma o professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior.   

·        Caso da Uber

Nesta terça-feira (27), em um julgamento sobre a existência de vínculo trabalhista entre um motorista e o Uber, o recém-empossado ministro do STF, Flávio Dino, entendeu que um caso deveria ter repercussão geral, isto é, criar um entendimento unificado que possa valer para os demais processos do tipo. Ele, na prática, seguiu o entendimento de outro ministro do tribunal, Edson Fachin, que já se manifestou sobre o caso. 

"Há decisões divergentes proferidas pelo judiciário brasileiro em relação à presente controvérsia, o que tem suscitado uma inegável insegurança jurídica. As disparidades de posicionamentos, ao invés de proporcionar segurança e orientação, agravam as incertezas e dificultam a construção de um arcabouço jurídico estável e capaz de oferecer diretrizes unívocas para as cidadãs e cidadãos brasileiros", destacou Fachin em seu voto, seguido por Dino. 

Trabalhadores de aplicativos, pesquisadores e sindicalistas ouvidos pelo Brasil de Fato consideram perigoso que o caso tenha repercussão geral. Na prática, se isso ocorrer e o entendimento do Supremo for pela inexistência da relação de emprego, os motoristas e entregadores de app no país não conseguirão mais ganhar ações na Justiça do Trabalho. 

Para Nuredin Allan, o debate sobre a repercussão geral ou não ainda mascara uma outra situação que deveria estar sendo levada em conta pelos ministros da corte, que é o fato de que as reclamações constitucionais não são o recurso apropriado para questionar resultados de julgamentos na Justiça do Trabalho e sequer deveriam estar sendo analisados pelo STF. 

 

Ø  Decisão do STJ sobre seguro garantia traz alívio aos contribuintes. Por Douglas Guilherme Filho

 

O Superior Tribunal de Justiça concluiu no dia 21 de fevereiro o julgamento do AREsp 2.310.912/MG, que envolvia a possibilidade de liquidação antecipada de seguro garantia em processos de execuções fiscais.

Por 4 votos a 1, a 1ª Turma do STJ enterrou de vez a possibilidade de a Fazenda Nacional exigir a liquidação antecipada do seguro garantia, equilibrando a relação de forças entre Fisco e contribuintes.

Conforme registra notícia nesta ConJur, “o resultado do julgamento representa uma mudança de posição muito importante para o contribuinte. A liquidação antecipada do seguro garantia, até então amplamente admitida pelo Judiciário, tem grande impacto nas contas das empresas”.

Proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos, o entendimento deve ser seguido por todo o Poder Judiciário.

A decisão se mostra de extrema relevância aos contribuintes, na medida que evitará que sejam adotadas medidas coercitivas pela União, notadamente a exigência de que as seguradoras tenham que depositar em juízo o valor do prêmio, sem que haja o desfecho final da discussão judicial.

·        Na prática

Na prática, obsta a possibilidade de que a seguradora venha propor uma ação de cobrança/regresso em face de contribuinte, de maneira antecipada por ter depositado uma alta quantia em juízo para satisfazer os interesses fazendários, com o objetivo de recuperar o valor do prêmio, a qual, posteriormente, poderá se tornar inexigível, em decorrência do desfecho desfavorável ao ente público nos autos da ação executiva.

O resultado foi precedido de grande apreensão por parte dos contribuintes. O receio era que a Corte formasse posicionamento consolidado para determinar que as seguradoras depositassem em juízo o montante que seria objeto de garantia antes mesmo do trânsito em julgado.

O oferecimento do seguro garantia não tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, por não se tratar de uma das hipóteses taxativas previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Apesar disso, depois da edição da Lei 13.043/2014, tal modalidade passou a constar expressamente no rol de garantias que podem ser oferecidas pelo executado em processos executivos (art. 9º da Lei de Execuções Fiscais).

A mudança legislativa introduzida pela Lei 13.043/2013, não se empenhou em fixar o momento em que a garantia poderia ser executada, via de regra, com trânsito em julgado (como ocorre no caso do depósito judicial).

Além disso, caso os Embargos à Execução Fiscal opostos pelo contribuinte sejam julgados improcedentes, ainda que seja interposto recurso, este não teria efeito suspensivo, permitindo que sejam adotados atos expropriatórios.

Vem daí a discussão se a Fazenda Nacional, poderia ou não, requerer a liquidação antecipada do seguro garantia, o que certamente traria grandes custos aos contribuintes, notadamente pelo fato de que eles estariam sujeitos a arcar com o prêmio que as seguradoras haviam contratados.

Todavia, no curso do julgamento, sobreveio fato de extrema relevância para o desfecho da questão envolvendo as apólices de seguro garantia.

Com o intuito de restabelecer o voto de qualidade em favor do Fisco (aquele que dá ganho de causa à Fazenda Nacional em caso empate em processos administrativos federais que envolvam créditos tributários), com nítido cunho arrecadatório, o governo federal se viu obrigado a conceder algumas benesses aos contribuintes. Dentre elas, a vedação à liquidação antecipada do seguro garantia.

Inicialmente, essa possibilidade havia sido vetada pelo presidente Lula, quando promulgou a Lei 14.689/2023. Entretanto, esse veto foi derrubado pelo Congresso, restabelecendo essa garantia ao contribuinte.

Nesse contexto, já na plena vigência da Lei 14.689/2023, o julgamento do AREsp 2.310.912/MG foi retomado. Prevaleceu a divergência inaugurada pelo ministro Gurgel de Faria, acompanhado pelos ministros Benedito Gonçalves, Paulo Sérgio Domingues e Regina Helena Costa, que alterou o seu voto anterior, em favor dos contribuintes.

 

Fonte: Conjur/Brasil de Fato

 

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