As
mulheres que defendem serem sustentadas como forma de valorização
A mineira
Byanca Moraes, de 29 anos, sempre se considerou independente e empoderada.
Antes de
conhecer seu atual marido, acreditava que mulheres que
eram sustentadas por seus parceiros eram submissas e usadas como "um
enfeite" dentro de casa.
"Mas
quando isso aconteceu comigo eu descobri que era o contrário", conta a
influencer que mora na Flórida com o marido americano Aaron, que arca com todas
as despesas da casa.
Hoje ela
fala abertamente sobre o tema nas redes sociais e defende que mulheres modernas
e independentes também podem ter "um homem provedor" em suas vidas.
"Ter
um homem que paga pelas suas contas não te faz menos feminista. Para mim, o
feminismo é ter direitos iguais", diz Byanca.
·
'Faz tempo que não
pago uma conta'
O discurso
que defende a ideia de que o homem deve ser o grande responsável pelo sustento
da família, enquanto a mulher se dedica aos cuidados da casa e dos filhos,
deixou de ser o status quo há décadas.
Ainda
assim, há quem acredite, por motivos religiosos ou ideológicos, que esse é o
caminho a ser seguido.
Mas para
Byanca e muitas outras mulheres que têm exposto nas redes sociais suas vidas
como mulheres sustentadas pelos parceiros — as "esposas troféu", como
muitas delas se chamam —, desejar que o homem assuma todas os gastos não
significa apoiar o modelo patriarcal de família tradicional.
"Esse
conceito mudou muito. O homem provedor hoje em dia é aquele que te alimenta
financeiramente, mas também te exalta, te reconhece e te admira. Esse deveria
ser o mínimo para todos os relacionamentos, mas infelizmente não é", diz
Byanca.
Em suas
redes sociais, a mineira compartilhou um vídeo em que conta "os
luxos" que o marido permite que ela tenha como responsável pelas finanças
do casal.
"Faz
muito tempo que eu não pago uma conta", diz ela na postagem, confessando
também que sequer se lembra da data de vencimento do aluguel da casa.
"Toda
semana, no mínimo uma vez, a gente sai para jantar e eu tenho o luxo de poder
levar minha micro bolsinha que só cabe um batom porque eu sei que ele que vai
pagar a conta."
Byanca
afirma ainda que tem acesso a todas as contas bancárias do casal e pode comprar
o que quiser, "mesmo eu sendo aquela que não traz o dinheiro para
casa".
A mineira
mantém seu trabalho como influencer, mas diz que todos os lucros que obtém com
as redes sociais vão para gastos supérfluos com ela mesma ou investimentos
pessoais. "Mas se um dia eu decidir parar de trabalhar, sei que ele vai me
apoiar", afirma.
Para ela,
seu modelo de relação é reflexo da confiança do marido em seu senso de
responsabilidade financeira, mas também uma forma de valorizá-la.
Além de
pagar as contas e jantares, Byanca afirma que o marido, que é empresário
autônomo, frequentemente chega em casa com presentes. "Não acho que é
necessário o homem pagar algo para você se sentir valorizada. Mas essas
pequenas coisas fazem a diferença."
Em casa, o
casal divide as tarefas domésticas. "Não existe essa obrigação de que por
ele estar pagando eu tenho que fazer isso ou aquilo", diz.
"Na
realidade mesmo, aqui dentro de casa nós dois sentamos para conversar sobre
qualquer tipo de assunto e tomamos todas as decisões juntos."
·
'Não se trata de
interesse'
A paulista
Amanda Okamoto, de 26 anos, tem uma história semelhante à de Byanca.
Formada em
Enfermagem, ela conheceu o marido Guilherme, que é médico, no centro cirúrgico
do hospital em que ambos atuavam. Hoje ela não trabalha mais e é sustentada
inteiramente por ele.
"Na
minha adolescência, por volta de 2010 ou 2011, o movimento feminista estava
ganhando força e eu acreditava que não queria casar e queria ser
independente", relata.
"Eu
achava que eu não precisava de homem para viver. E não é que eu precise — mas
eu gosto e é melhor com ele."
Amanda
afirma que o marido não espera nada em troca por pagar todas as contas da casa
ou disponibilizar um cartão de crédito que ela pode gastar como quiser.
"Mas eu sei que tudo é uma troca e eu sempre busquei atender a algumas
necessidades dele. Se eu sei que ele gosta que eu faça tal comida, porque eu
não vou fazer?", diz.
"Não
me sinto comprada. Sinto que eu gosto de fazer porque eu gosto de ver ele bem,
gosto de ver ele feliz."
Amanda
abandonou o trabalho depois de passar por um burnout e ser diagnosticada com
depressão após a pandemia. Ela até tentou retornar às atividades auxiliando o
marido em sua clínica privada, mas voltou a se sentir mal e decidiu abandonar a
ocupação por enquanto.
"Todo
mundo me chama de aproveitadora, dizem que eu só fiz enfermagem para me casar
com um médico. Eu nunca usaria uma profissão tão honrada para fazer isso, mas
infelizmente a nossa cultura é muito machista", afirma.
Nas redes
sociais, Amanda brinca ao se definir como "esposa troféu". Mas no dia
a dia diz que usa o termo mais como uma provocação.
"Já
usei para responder outros homens que me diminuem pela minha situação, para dar
uma cutucada", afirma. "Mas acho que pode ser um termo problemático
em alguns contextos, principalmente quando o homem expõe a mulher como um
objeto."
Mas a
jovem diz não se sentir menos independente por deixar o marido arcar com todos
os gastos: "Eu sou independente. Tenho a liberdade de ir e vir, não vivo
em uma prisão".
E apesar
de no passado sequer se imaginar casada, Amanda diz que não conseguiria mais
aceitar um relacionamento em que tivesse que dividir as contas com o parceiro
ou não se sentisse valorizada.
"Depois
do meu relacionamento com o Guilherme, subiu muito a minha régua de como eu
quero ser tratada, de como eu mereço ser tratada. E não se trata de
interesse", diz.
"Já
tive relacionamento em que tudo era dividido, mas eu não sentia que ele cuidava
ou se importava comigo. Então eu vejo tudo isso como uma forma de demonstrar
amor e zelar pela pessoa que está com você."
·
'Nasci para ser esposa
troféu'
Assim como
Byanca e Amanda, outras mulheres, que são mantidas pelos maridos e acreditam
que esse estilo de vida corresponde ao de uma parceira amada e valorizada, têm
exposto mais suas opiniões nas redes sociais.
As reações
às postagens são diversas. Enquanto algumas mulheres criticam a atitude como
gananciosa ou submissa, outras dizem sonhar com o dia em que encontrarão um
marido que as torne "esposas troféu".
"Como
consigo isso para mim?", questiona uma internauta em um dos vídeos em que
Byanca compartilha sua rotina.
"Eu
nasci para ser esposa troféu", diz outra.
Poder
escolher abrir mão da própria carreira e ter um relacionamento em que o marido
sustenta a casa não é a realidade da maior parte das mulheres no Brasil.
Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados no
final do ano passado, quase 7 milhões de mulheres entre 15 e 29 anos não
estudavam nem estavam ocupadas em 2022.
Desse
total, pelo menos 2 milhões disseram que tiveram que abrir mão das atividades
para cuidar de afazeres domésticos ou tomar conta de parentes.
Para Brena
Fernandez, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e
coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Economia Feminista (NEEF), casos como os
de Byanca e Amanda são exceção.
"A
grande maioria das mulheres que não trabalha e é dependente financeiramente dos
maridos no Brasil não tem condições financeiras boas e o faz não por desejo
próprio, mas por necessidade", diz.
"Elas
não dão conta de trabalhar fora por falta de formação ou porque precisam estar
envolvidas com o trabalho invisível de cuidados e não têm condições de obter
ajuda para que possam cumprir a segunda jornada."
De acordo
com Mirla Cisne, professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(Uern), muitas dessas mulheres acabam em situação de vulnerabilidade ao abrirem
mão do poder econômico dentro da família.
"É
preciso ter cuidado para não estabelecer uma relação de poder desigual, em que
o homem é o sujeito central da relação e determina até onde as coisas podem ir
ou não só porque ele banca tudo e a mulher é dependente dele", diz.
Mesmo nos
casos em que não trabalhar ou se isentar das responsabilidades financeiras é
uma escolha da mulher, as especialistas enfatizam a importância de manter uma
relação saudável e equilibrada.
"Em
uma relação de dependência, a mulher pode se tornar uma propriedade em que o
homem faz investimentos. Às vezes pode parecer cuidado ou valorização, mas
quando a mulher não corresponde mais aos interesses do investidor ele pode
simplesmente descartá-la", diz Cisne.
Segundo a
especialista, não é incomum que mulheres que se dedicaram a vida toda ao
trabalho não remunerado de cuidado sejam deixadas pelos parceiros sem nada
quando a relação acaba.
Além
disso, muitos casos de dependência financeira evoluem para violência
psicológica e até física, diz.
Byanca
Moraes também vê esse risco e, por isso, sempre procura aconselhar outras
muheres que a procuram como inspiração do modelo de relação.
"É
preciso ter maturidade para saber tomar uma escolha como a que eu tomei",
diz.
"Nos
meus vídeos, vejo muitas meninas novinhas comentando que queriam ter minha
vida, ou que queriam ser esposas troféu para passar o dia em casa vendo
novela", diz. "Eu me preocupo."
"Mas
eu não me considero uma esposa troféu. Uma esposa troféu seria aquela que não
faz absolutamente nada, que tem empregados para tudo. Então é essa não é minha
realidade financeira."
A mineira
diz ainda que acredita ser muito importante manter certa independência
financeira sempre que possível, guardando dinheiro ou investindo em educação.
"Quem
casa nunca pensa em divorciar, né? Mas é importante pensar no futuro e se
resguardar. E se você decidir não trabalhar, esteja segura do seus
direitos", aconselha.
·
'Nunca gostei de
depender de ninguém'
Yasmin
Carmona, de 23 anos, não consegue se imaginar sendo sustentada pelo atual
parceiro.
"Conheço
muitos casos em que a mulher perdeu a independência — o homem arcava com tudo,
mas a mulher ficava engolindo sapo, ouvindo coisas que não queria", diz.
"Não quero passar por isso nunca na minha vida."
Ela e o
namorado moram juntos há cerca de um ano em Maricá, Rio de Janeiro, e desde o
começo da vida em casal dividem todos os gastos.
"Não
acho justo que seja uma dívida unilateral, uma relação em que só ele paga,
porque estamos começando a vida e tentando construir algo legal juntos",
diz.
Segundo a
carioca, o casal distribui os custos de forma proporcional. "Não é 50%
para cada porque recebemos salários diferentes", conta. "Mas nunca
gostei de depender de ninguém."
Para Brena
Fernandez, a luta pela independência feminina passa também pelo direito de
escolher.
"Existem
várias linhas de discussão e discordâncias dentro do femininismo, mas o mínimo
denominador comum seria a busca fundamental pela garantia de direitos. Desde a
luta pela educação básica, passando pelo direito de ter uma carreira, tudo deve
ser um direito garantido", explica.
"Mas
se a mulher decidir que não quer usufruir desse direito (de ter uma carreira),
isso é uma questão pessoal."
Segundo
Mirla Cisne, a própria estrutura em que nossa sociedade está ancorada torna
impossível que essa escolha seja tomada de forma totalmente justa.
"O
desemprego afeta grandemente as mulheres e os trabalhos mais precarizados são
aqueles destinados às mulheres", diz.
Segundo a
especialista, as próprias condições precarizadas a que muitas mulheres são
submetidas no mercado de trabalho podem motivar o sonho de algumas de se
tornarem "esposas troféu" ou serem sustentadas.
"Somos
ensinadas desde a infância a esperar um príncipe encantado que vai nos salvar
de todos os problemas da pobreza, das durezas da vida, do trabalho
precarizado", diz.
"Mas
nem todas nós queremos ser princesas. Se as mulheres puderem ter condições de
desenvolver uma consciência crítica, nada é mais importante do que poder ter
autonomia e o direito de dizer sim ou não de acordo com os nossos
desejos".
Fonte: BBC
News Brasil
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