domingo, 28 de janeiro de 2024

Quantos dias mais de impunidade e violência no campo?

No dia 26 de janeiro, completaram-se três anos do assassinato de Fernando Araújo dos Santos, trabalhador rural. São três anos sem Fernando. Três anos de dor e saudade. Neste ano, também fazemos memória a tantas outras lutadoras e lutadores vítimas da violência no campo.

Na noite do dia 26 de janeiro de 2021, Fernando foi assassinado nos fundos de sua residência enquanto arrumava seus pertences para se mudar do local. Ele residia na Fazenda Santa Lúcia, mesma área onde havia presenciado a execução covarde, cruel e sem nenhuma chance de defesa de 10 trabalhadores (nove homens e uma mulher), por policiais civis e militares do Estado do Pará. Este episódio ficou conhecido como Massacre de Pau D’arco, ocorrido em 24 de maio de 2017.

Em seus depoimentos, narrava de forma detalhada a execução de seus companheiros e seu namorado pelos policiais. Além de sobrevivente, Fernando tornou-se uma das principais testemunhas do ocorrido naquele dia.

Em 20 de setembro de 2020, Fernando foi vítima de uma tentativa de assassinato, tornando-se, assim, duas vezes sobrevivente. Passados onze meses de sua morte, as investigações foram encerradas, tendo sido identificado pela Polícia Civil apenas o executor do crime, Oziel Ferreira dos Santos, denunciado pelo Ministério Público em dezembro de 2021.

Ocorre que, mesmo identificando o autor do assassinato, a investigação não foi capaz de constatar a existência de mandantes e os motivos. O inquérito, além de não apresentar as respostas esperadas, desconsiderou o fato de Fernando ser um sobrevivente e testemunha de uma chacina, a tentativa de homicídio que ele havia sofrido a poucos meses e os seus relatos de ameaça.

A requerimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), um novo procedimento para tentar sanar estas dúvidas foi reaberto pela polícia civil do Estado do Pará em 2022, a pedido do Ministério Público Estadual, mas ainda não foi concluído.

No ano seguinte ao assassinato de Fernando, em 29 de abril de 2022, mais um mártir da terra foi feito pela violência no campo. Edvaldo Pereira Rocha era líder quilombola da comunidade de Jacarezinho, na zona rural de São João do Soter, no Maranhão. Ele lutava pela titulação do território, contra a exploração ilegal de madeira no quilombo e contra a expansão da soja no Matopiba, fronteira agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Alvo de ameaças proferidas por latifundiários, foi covardemente assassinado a tiros.

Dias após o assassinato, um suspeito foi preso, mas foi solto pouco tempo depois. O inquérito que apurava a morte de Edvaldo foi concluído e enviado para apreciação da Justiça. Com isso, a quase dois anos do crime, nenhum executor ou mandante foi responsabilizado. A comunidade de Jacarezinho vive sob o medo e a angústia em razão das ameaças que se intensificaram após a morte de Edvaldo.

A violência continua sendo uma chaga no campo brasileiro. Em 2022, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, registrou um total de 1596 ocorrências de conflitos por terra. O Maranhão foi o segundo estado brasileiro com maior número de ocorrências (179), ficando atrás apenas da Bahia, com 184 ocorrências.

Estes são os dois estados com o maior número de assassinato de lideranças quilombolas registrados pela CPT. Dos 50 homicídios identificados pela Pastoral entre 2005 a 2023, 20 aconteceram no Maranhão, e 16 na Bahia.

No ano passado, mais um caso de violência extrema chocou o Brasil, ocorrido justamente no Estado da Bahia. No dia 17 de agosto de 2023, a líder quilombola e ialorixá Bernadete Pacífico foi executada a tiros no Quilombo de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, sendo considerado por pesquisadores um dos principais crimes políticos da história recente do país.

A ialorixá atuava na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e passou a fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) após o assassinato do filho, conhecido como Binho do Quilombo, em 2017, também alvejado por vários tiros, dentro do território. O caso ainda é investigado pela Polícia Federal e, mais de seis anos depois, a morte de seu filho segue impune.

Segundo a Conaq, lideranças das comunidades quilombolas e terreiros de Simões Filho são ameaçadas permanentemente por grupos ligados à especulação imobiliária, interessados em ocupar os territórios, provocando o medo e intimidando as famílias.

Três meses após a execução, a investigação realizada pela Polícia Civil apontou o tráfico de drogas na região como principal responsável pelo crime, oferecendo denúncia contra cinco suspeitos. A família e a comunidade de Pitanga dos Palmares, porém, rejeitam a linha de investigação, reafirmando o histórico de conflitos e a atuação de Mãe Bernadete em defesa do território quilombola.

Os casos aqui apresentados pela Campanha Nacional Contra a Violência no Campo possuem muitas características em comum, sendo a impunidade a principal delas. Diante da frágil resposta apresentada pelo Estado, com investigações precárias, morosas e, muitas vezes, parciais, estes e centenas de outros crimes no campo seguem impunes.

Foi no ano em que mataram Fernando que iniciou-se a mobilização para a criação da Campanha Contra a Violência no Campo, um instrumento de organização popular e denuncia frente ao contexto de agravamento dos conflitos.

Caminhando para o segundo ano da Campanha, hoje fazemos memória à luta de três mártires da violência no campo, ao mesmo tempo em que exigimos do Estado brasileiro a adoção de ações contundentes direcionadas à proteção dos territórios e das vidas humanas ameaçadas.

Mãe Bernadete Pacífico, PRESENTE!

Edvaldo Pereira, PRESENTE!

Fernando dos Santos, PRESENTE!

 

Ø  Empresário garimpeiro financiou tentativa de destruir helicóptero do IBAMA em Roraima, conclui PF

 

A Polícia Federal (PF) concluiu neste mês o inquérito referente à destruição de um veículo do IBAMA e uma tentativa de ataque a um helicóptero da autarquia em setembro de 2021. Sete suspeitos foram indiciados por envolvimento direto nos episódios, entre eles o empresário Rodrigo Mello, mais conhecido como Rodrigo Cataratas, figura famosa entre os defensores do garimpo ilegal em Roraima.

Os criminosos destruíram um veículo do IBAMA estacionado no pátio de sua unidade no bairro Aeroporto, zona norte de Boa Vista, em 7 de setembro de 2021. Cinco dias depois, o grupo invadiu a superintendência da PF na capital de Roraima e tentou atear fogo em um helicóptero do IBAMA utilizado na repressão de crimes ambientais.

De acordo com a PF, a ação criminosa foi uma retaliação às operações de combate ao garimpo na Terra Indígena Yanomami. Os ataques teriam sido idealizados e apoiados por meio de um grupo de troca de mensagens com mais de 100 integrantes. Rodrigo Cataratas faria parte desse grupo e também teria apoiado financeiramente as ações.

O empresário se apresenta como líder de um suposto “movimento popular” em favor do garimpo em Roraima. Em 2022, ele foi candidato a deputado federal pelo PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas acabou derrotado. Além da defesa do garimpo, Cataratas é dono de empresas de táxi aéreo frequentemente apreendidas em operações de fiscalização antigarimpo na Terra Yanomami. Ele também possui uma empresa de construção de poços artesianos que chegou a ser contratada pelo Exército para obras em uma unidade dentro do território indígena.

Uma das empresas de Cataratas também é investigada por envolvimento em uma esquema milionário de comercialização de ouro retirado ilegalmente da Terra Yanomami. O Ministério Público Federal (MPF) estimou que a empresa tenha movimentado cerca de R$ 425 milhões entre 2021 e 2022 somente com o transporte de insumos e mercadorias para o garimpo ilegal dentro do território.

Em tempo 1:

- As ações da PF e do IBAMA na Terra Yanomami no mês de janeiro resultaram na destruição de duas aeronaves, cinco motobombas, 78 motores e 2,5 mil litros de combustível apreendidos com garimpeiros. Os agentes também apreenderam uma arma de fogo com munições e acessórios, além de coletes à prova de balas e rádios comunicadores. Agência Brasilg1 e Metrópoles deram mais detalhes.

Em tempo 2: 

- A Folha revelou mais um exemplo da indisposição das Forças Armadas em apoiar os esforços contra o garimpo ilegal e em favor dos indígenas na Terra Yanomami. De acordo com a reportagem, os militares pediram R$ 993 milhões por dia para manter o apoio logístico às operações de fiscalização e entrega de cestas básicas às aldeias. O Ministério da Defesa vem sendo bastante criticado por ter se distanciado da Terra Yanomami nos últimos meses, o que abriu espaço para o retorno dos garimpeiros ao território.

 

Ø  Observatório do Clima e outras entidades vão ao STF contra marco temporal

 

Organizações da sociedade civil, encabeçadas pelo Observatório do Clima, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para ingressar como amici curiae (amigos da Corte) na ação que questiona a constitucionalidade da lei sobre o marco temporal aprovada pelo Congresso no ano passado. A notícia é da Folha.

De acordo com as entidades, a nova lei ataca “de forma inconstitucional, violenta e injustificada” os Direitos dos Povos Indígenas às suas terras. “O Poder Legislativo não realizou nenhum procedimento de consulta livre, prévia e informada acerca das medidas capazes de afetar os Povos Indígenas diretamente”, destacou o pedido.

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi submetida em dezembro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Além da análise sobre a constitucionalidade da matéria pelo STF, a ação também pede a concessão de tutela de urgência antecipada, já que a lei segue em vigor enquanto a Corte não avaliá-la.

A aprovação da lei foi cravada de polêmica. A decisão do Congresso aconteceu depois que o STF, em outra ação que defendia a legalidade do marco temporal, considerou a tese inconstitucional. A lei chegou a ser parcialmente vetada pelo presidente Lula, mas o Congresso derrubou os vetos no final do ano passado.

Já na última 3ª feira (23/1), o presidente Lula defendeu o veto do governo à lei sobre o marco temporal. Segundo ele, o veto era uma “questão política”, através do qual o governo se posicionou pública e oficialmente contra a tese. “Era preciso que a sociedade e a humanidade soubessem que eu vetei o marco temporal que eles [Congresso] aprovaram e eles derrubaram o veto”, disse. FolhaPoder360 e Valor, entre outros, abordaram a fala do presidente.

A decisão do Congresso intensificou as tensões entre comunidades indígenas e fazendeiros em diversos pontos do Brasil. O caso da indígena Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, assassinada no último domingo (21/1) em um ataque armado de fazendeiros contra indígenas no sul da Bahia, é um exemplo dessa escalada, como bem pontuou O Globo.

“A proposta [marco temporal] impulsionou ainda mais fazendeiros, empresários e políticos contrários à causa indígena a investirem contra as comunidades indígenas”, afirmou o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). “Em pouco mais de 30 dias (14 de dezembro a 21 de janeiro), foram registradas pelo menos oito investidas contra os Povos Indígenas no sul e no extremo sul da Bahia”.

Além do sinal verde do Congresso, os inimigos dos Povos Indígenas também contam com a leniência – e, nos piores casos, a colaboração aberta – das forças de segurança pública. A Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPR/BA) afirmam que a morte da indígena tem ligação com a existência de uma milícia formada por policiais militares.

“A proteção dos Direitos Indígenas é um dever do Estado através de todos seus entes federativos, conforme preconizado pela Constituição Federal e tratados internacionais. A postura governamental adotada até aqui viola os Direitos Humanos e perpetua um ciclo de violações e injustiça que faz com que o sangue indígena continue sendo derramado com a conivência do Estado brasileiro”, afirmaram as entidades em nota conjunta

 

Fonte: CPT/ClimaInfo

 

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