quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Jeffrey Sachs: Por que Joe Biden é um fracasso na política externa

Quando se trata de política externa, o presidente dos Estados Unidos tem dois papéis essenciais. O primeiro é conter o complexo militar-industrial, ou MIC, que está sempre pressionando por guerras. O segundo é conter os aliados dos EUA que esperam que os EUA entrem em guerra em seu nome. Alguns presidentes astutos têm sucesso, mas a maioria fracassa. Joe Biden certamente é um fracasso.

Um dos presidentes mais astutos foi Dwight Eisenhower. No final de 1956, ele enfrentou duas crises simultâneas. A primeira foi uma guerra desastrosamente equivocada lançada pelo Reino Unido, França e Israel para derrubar o governo egípcio e retomar o controle do Canal de Suez após sua nacionalização pelo Egito. Eisenhower forçou os aliados a interromperem seu ataque audacioso e ilegal, inclusive por meio de uma resolução patrocinada pelos EUA na Assembleia Geral da ONU. A segunda crise foi a Revolta Húngara contra a dominação soviética na Hungria. Enquanto Eisenhower simpatizava com a revolta, sabiamente manteve os EUA fora da Hungria e evitou assim um perigoso confronto militar com a União Soviética.

O histórico discurso de despedida de Eisenhower ao povo americano em janeiro de 1961 alertou o público para o crescente poder do MIC:

"Nos conselhos de governo, devemos nos proteger contra a aquisição de influência indevida, quer procurada ou não, pelo complexo militar-industrial. O potencial para o surgimento desastroso de poder mal colocado existe e persistirá.

Nunca devemos permitir que o peso dessa combinação coloque em perigo nossas liberdades ou processos democráticos. Não devemos dar nada como certo. Somente uma cidadania alerta e informada pode compelir a adequada interligação da enorme maquinaria industrial e militar de defesa com nossos métodos e objetivos pacíficos, para que segurança e liberdade possam prosperar juntas."

Mesmo Eisenhower não conseguiu conter totalmente o complexo militar-industrial, especialmente a Agência Central de Inteligência (CIA). Nenhum presidente conseguiu fazê-lo completamente. A CIA foi criada em 1947 com dois papéis distintos. O primeiro e válido era como agência de inteligência. O segundo e desastroso era como um exército secreto para o presidente. Nessa última capacidade, a CIA liderou uma calamidade após outra desde a época de Eisenhower, incluindo golpes, assassinatos e "revoluções coloridas" manipuladas, todas as quais geraram caos e destruição intermináveis.

Seguindo Eisenhower, John F. Kennedy resolveu brilhantemente a Crise dos Mísseis Cubanos em 1962, evitando por pouco um Armagedon nuclear ao enfrentar seus próprios conselheiros beligerantes para chegar a uma solução pacífica com a União Soviética. No ano seguinte, negociou com sucesso o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares com a União Soviética, apesar das objeções do Pentágono, e depois obteve a ratificação do Senado, recuando assim os EUA e a União Soviética da beira da guerra. Muitos acreditam que as iniciativas de paz de Kennedy levaram ao seu assassinato pelas mãos de agentes da CIA renegados. Biden se juntou à longa lista de presidentes que mantiveram documentos classificados ou censurados que lançariam mais luz sobre o assassinato.

Sessenta anos depois, o MIC tem um controle firme sobre a política externa americana. Como descrevi recentemente, a política externa se tornou um esquema interno, com o MIC controlando a Casa Branca, o Pentágono, o Departamento de Estado, os Comitês de Serviços Armados do Congresso e, é claro, a CIA, todos em um abraço apertado com os principais contratados de armas. Apenas um presidente excepcional poderia resistir ao lucrativo ciclo interminável dessa imensa máquina de guerra.

Infelizmente, Biden nem tenta. Ao longo de sua longa carreira política, Biden foi apoiado pelo MIC e, por sua vez, apoiou entusiasticamente guerras de escolha, vendas maciças de armas, golpes apoiados pela CIA e a expansão da OTAN.

O orçamento militar de Biden para 2024 bate todos os recordes, atingindo pelo menos US$ 1,5 trilhão em despesas para o Pentágono, CIA, segurança interna, programas nucleares não-pentagonais, vendas subsidiadas de armas estrangeiras, outras despesas ligadas ao militarismo e pagamentos de juros de dívidas passadas relacionadas à guerra. Sobre essa montanha de gastos militares, Biden busca um adicional de US$ 50 bilhões em "financiamento suplementar de emergência" para a "base industrial de defesa" dos EUA para continuar enviando munições para Ucrânia e Israel.

Biden não tem planos realistas para a Ucrânia e até rejeitou um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em março de 2022 que teria encerrado o conflito com base na neutralidade ucraniana ao encerrar a busca fútil da Ucrânia para se juntar à OTAN (fútil porque a Rússia nunca aceitará). A Ucrânia é um grande negócio para o MIC — dezenas e potencialmente centenas de bilhões de dólares em contratos de armas, instalações de fabricação em todo os EUA, a oportunidade de desenvolver e testar novos sistemas de armas — então Biden mantém a guerra em andamento, apesar da destruição na Ucrânia no campo de batalha e das mortes trágicas e desnecessárias de centenas de milhares de ucranianos. O MIC e, portanto, Biden, continuam a evitar negociações, embora negociações diretas EUA-Rússia sobre a OTAN e outras questões de segurança (como a colocação de mísseis dos EUA no leste da Europa) pudessem encerrar a guerra.

Em Israel, o fracasso de Biden é ainda mais evidente. Israel é liderado por um governo extremista que repudia a solução de dois estados, segundo a qual israelenses e palestinos deveriam viver lado a lado em dois estados soberanos, pacíficos e seguros, ou qualquer solução que conceda aos palestinos seus direitos políticos. A solução de dois estados está profundamente enraizada no direito internacional, incluindo resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU e, supostamente, na política externa dos EUA. Os líderes árabes e islâmicos estão comprometidos em normalizar e garantir relações seguras com Israel no contexto da solução de dois estados.

No entanto, Israel é liderado por fanáticos violentos que fazem a alegação messiânica de que Deus deu a Israel toda a terra da Palestina de hoje, incluindo a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental. Esses fanáticos insistem, portanto, na dominação política sobre os milhões de palestinos em seu meio, ou na aniquilação ou expulsão deles. Netanyahu e seus colegas nem sequer escondem suas intenções genocidas, embora a maioria dos observadores estrangeiros não compreenda completamente as referências bíblicas que os líderes israelenses invocam para justificar seu contínuo massacre em massa do povo palestino.

Israel agora enfrenta acusações altamente credíveis de genocídio na Corte Internacional de Justiça, em um caso apresentado pela África do Sul. O registro documental apresentado pela África do Sul e outros é tão claro quanto arrepiante. A política israelense não é a política do pragmatismo e certamente não é a política da paz. É a política do apocalipse bíblico.

Mesmo assim, Biden fornece a Israel as munições para realizar seus enormes crimes de guerra. Em vez de agir como Eisenhower e pressionar Israel a encerrar seu massacre em violação do direito internacional, incluindo a Convenção de Genocídio, Biden continua a enviar munições, até mesmo contornando a revisão do Congresso na medida do possível. O resultado é o isolamento diplomático dos EUA do restante do mundo e o crescente envolvimento das forças armadas dos EUA em uma guerra que está se expandindo rapidamente e previsivelmente por Líbano, Síria, Iraque, Irã e Iêmen. Na recente votação da Assembleia Geral da ONU em apoio à autodeterminação política do povo da Palestina, os EUA e Israel ficaram sozinhos, com apenas dois votos a favor: Micronésia (obrigada por contrato a votar com os EUA) e Nauru (população 12.000).

A política externa americana está sem rumo, com um presidente cuja única receita para a política externa é a guerra. Com os EUA já até o pescoço nas guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, Biden também pretende enviar mais armas para Taiwan, apesar das objeções veementes da China de que os EUA estão violando a política de longa data de um único China, incluindo o compromisso feito há 42 anos no Comunicado Conjunto EUA-RP da China de que o governo dos EUA "não busca realizar uma política de longo prazo de vendas de armas a Taiwan". A profecia sombria de Eisenhower foi confirmada. O complexo militar-industrial ameaça nossa liberdade, nossa democracia e até nossa sobrevivência.

 

Ø  Administração Biden estuda limitar o envio de armamentos a Israel para pressionar Netanyahu

 

Mídia norte-americana destaca uma vontade por parte do atual governo dos EUA de fazer com que Israel seja forçado a seguir uma abordagem mais humana no conflito com o Hamas.

A Casa Branca está considerando a possibilidade de reduzir ou suspender o envio de armas a Israel para convencer o governo do premiê Benjamin Netanyahu a reduzir a intensidade de seu ataque militar à Faixa de Gaza, que já levou a vida de mais de 26 mil palestinos, reportou no domingo (28) a emissora norte-americana NBC News.

"Sob as ordens da Casa Branca, o Pentágono tem analisado o armamento que Israel solicitou e que poderia ser usado como alavanca."

"Os EUA estão considerando diminuir ou pausar as entregas na esperança de que isso leve os israelenses a tomar medidas, como abrir corredores humanitários para fornecer mais ajuda aos civis palestinos", informa a emissora, que cita três funcionários em exercício e um aposentado durante a reportagem.

De acordo com as fontes entrevistadas, Israel continua pedindo ao governo Biden bombas aéreas, projéteis de artilharia de 155 milímetros e munições conjuntas de ataque direto.

Os funcionários disseram que a pressão sobre Netanyahu ocorre após semanas de fracasso de Biden e de sua equipe de segurança nacional em convencê-lo a mudar as táticas militares em Gaza para minimizar as baixas civis.

Iniciada em 7 de outubro de 2023, após um ataque do Hamas em território israelense, a ofensiva já dura mais de três meses e acirrou a tensão no Oriente Médio, causando temor de que o conflito possa extravasar as fronteiras da região.

Um dos reflexos dele é a escalada de violência no mar Vermelho, onde milícias houthis estão atacando navios associados a Israel, em retaliação aos bombardeios em Gaza. Na sexta-feira (26), o porta-voz dos houthis afirmou que os ataques continuarão até o fim da agressão israelense contra a Faixa de Gaza.

 

Fonte: Publicado originalmente no Common Dreams/Brasil 247/Sputnik Brasil

 

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