terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Descolonizar é preciso: analistas contam como a imposição do pensamento colonial tem sido superada

Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, especialistas analisam como países do continente africano e povos africanos em diáspora têm superado o pensamento colonial por meio, principalmente, da educação e da cultura.

Descolonização e processos de independência são ações que se confundem, de acordo com Marcos Paulo Amorim dos Santos, pesquisador em estágio de pós-doutoramento pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutor em história social da África pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Quando comecei a pensar esse processo de descolonização, meu primeiro ímpeto foi compreender as estruturas de violência que geram a colonização. Nesse sentido, compreender qual é o artifício da colonialidade, ou seja, como é que o colonizador produz sentido sobre as discussões pra qualificar melhor o que é resistência e o que é agência negra nesse processo", conta o pesquisador, que realizou consultas em processos, crimes e acusações de feitiçaria para o desenvolvimento de seu trabalho.

Para efeito de comparação entre descolonização e processo de independência, Santos usa como exemplo a atual situação do Níger, que expulsou o que seriam as últimas tropas francesas do país. "O que o Níger conseguiu foi se tornar independente. Uma independência que aconteceu há quase 60 anos após o seu processo de independência política de fato."

O pesquisador pontuou ainda que, mesmo com o processo de independência política, muitos países do continente africano ainda continuaram dependentes econômica e culturalmente de suas respectivas colônias.

Já o processo de descolonização, por sua vez, estaria ligado à superação da experiência que, ao longo dos séculos, "se deu por meio de disputas ideológicas relativas ao passado, ao presente e ao futuro das populações colonizadas", explica Silas Fiorotti, doutor em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

"Se a gente pensar nas populações africanas, os colonizadores criaram imagens dos africanos como inferiores para justificar a escravização, o comércio e o tráfico de africanos", explica.

A questão ideológica e o conceito de descolonização sofre deslocamentos ao longo da história, "com as ideias iluministas, os ideais humanitaristas" que exigiram "uma reelaboração dessa ideologia". Então os europeus passaram a se colocar como "importantes para o desenvolvimento do continente africano", explica o professor.

Ainda de acordo com Fiorotti, populações de países africanos abraçaram esse ideal desenvolvimentista europeu e confiaram que "países ricos e ocidentais seriam responsáveis por salvar, resgatar e tirá-los do atraso, da tradição, do tribalismo e trazer a eles a civilização", analisa em um processo que apontou como "colonização das mentes".

A ideia do estatuto do Indigenato — que dava direito ao colonizado, ao conseguir a liberdade, acessar as condições de cidadania do colonizador [o estatuto foi muito utilizado na colonização de países africanos por portugueses e franceses, segundo Santos] —, visto por muitos como algo positivo, desenvolvimentista, é considerado por Santos como uma política de assimilação e um "processo violento de apagamento dos costumes e das práticas culturais desses povos africanos".

Fiorotti analisa, ainda, que os ideais ocidentais inspiraram movimentos de libertação, movimentos nacionalistas na África, que redundam em conflitos étnicos. "Eles querem o desenvolvimento do homem, o progresso, criar novas nações. Os ideais ocidentais, as ideias iluministas da razão querem alcançar a razão, o desenvolvimento, o progresso", compara.

Pensar, portanto, a superação do pensamento colonial demandaria o que o filósofo martinicano Frantz Fanon chamou de "sair da grande noite" em que os colonizados estiveram submersos, abandonar os desígnios submetidos pela Europa, ou seja, "deixar de enxergar protagonismo nos países ocidentais", diz Fiorotti.

Como a descolonização é assunto no Brasil?

Para Santos, o Brasil, país com a maior população negra do mundo fora do continente africano, está longe de ser "mil maravilhas", mas comparado a outros países, mesmo os africanos, o Brasil está à frente no que diz respeito à implementação de políticas públicas, por exemplo.

"Não é motivo de comemoração. É motivo, na verdade, de aumentar", pondera, sobre investimentos para diminuir as desigualdades raciais e sociais no país.

A superação da assimilação colonial no Brasil passa, para Fiorotti, em valorizar a cultura afro-brasileira, resistente ao apagamento, de modo a valorizar a ancestralidade.

"É preciso resgatar tanto a história africana como a história da diáspora, a história afro-brasileira. Olhar para esse protagonismo das populações negras, valorizar essa cultura, valorizar esse conhecimento por meio da linguagem, do corpo, das religiões afro. Todo esse resgate da cultura, da história das populações negras é importante […] para esse processo de descolonização das mentes."

O Brasil, além das políticas de ações afirmativas implementadas nos últimos anos, conta atualmente com espaço ministerial, sobretudo com o Ministério da Igualdade Racial, para a discussão da pauta.

"Ter esse espaço público e político para essa pauta, essa integração entre os países. O Ministério da Igualdade Racial tem tentado constantemente fazer intercâmbio com os países africanos. Então tudo isso parece um esforço de formiguinha, mas traz um brutal resultado lá na frente", salienta Santos.

Os analistas avaliam que a superação total de um "olhar colonial" está longe do horizonte, mas, para não haver retrocessos nos avanços, conforme Santos, "é preciso fazer história para o nunca mais", ou seja, "produzir uma história que seja de denúncia, no sentido de que ela ajuda no remédio, mas do outro lado evita que isso se repita".


ONU: mais de 10 milhões de pessoas deixaram suas casas por conta do conflito armado no Sudão


Mais de 10 milhões de pessoas precisaram se deslocar no Sudão, em virtude do conflito armado, informou a Organização Internacional para as Migrações (OIM), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Um total de "10,7 milhões de pessoas foram deslocadas por conta dos conflitos no Sudão", informou a organização.

Segundo a OIM, dessas pessoas, 9 milhões permanecem no Sudão, enquanto 1,7 milhões fugiram para países vizinhos como Chade, Sudão do Sul, Egito, Etiópia e República Centro-Africana.

De acordo com os dados publicados pela OIM em 23 de janeiro, o número de refugiados do Sudão inclui mais de 2 milhões de crianças com menos de cinco anos.

"Os novos números destacam a necessidade urgente de intensificar os esforços humanitários e a atenção mundial para fazer frente à maior crise de deslocamento do mundo", disse o comunicado.

Ainda conforme o texto, até a presente data, a OIM ajudou cerca de 1,2 milhões de pessoas no Sudão e em países vizinhos, proporcionando a eles, entre outras coisas, ajuda humanitária, refúgio, apoio financeiro e água.

Além disso, a organização transportou quase 150 mil desabrigados a lugares seguros, onde puderam receber os serviços humanitários em condições seguras.

Desde o dia 15 de abril do ano passado, o Sudão é palco de confrontos entre as Forças Armadas sudanesas e a RSF, um grupo paramilitar do país.

As partes, além do fogo cruzado, trocam informações contraditórias sobre o êxito de suas operações e de seus territórios controlados, promovendo uma guerra de informações nos meios de comunicação e nas redes sociais.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) alertou que a continuidade do conflito armado no país pode desencadear surtos de doenças e colapsar o sistema de saúde.


Fonte: Sputnik Brasil


 

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