terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Prefeitura de Maceió sabia que área de risco crescia desde setembro, indica ofício

A Defesa Civil de Maceió tinha ciência de que a movimentação do solo na área da mina 18 da Braskem estava aumentando desde o fim de setembro, mais de dois meses antes de tornar essa informação pública, em 29 de novembro. O afundamento também foi comunicado à petroquímica em novembro, que se recusou a tomar medidas imediatas. As informações foram reveladas com exclusividade pelos jornalistas Malu Gaspar e Johanns Eller, do jornal O Globo.

Um documento obtido pelo jornal, o ofício 774 da Defesa Civil, datado de 13 de outubro, revela que o órgão já havia observado movimentos na região crítica da mina, no bairro do Mutange, na orla da Lagoa de Mundaú, antes da informação vir a público.

Embora o documento não tenha alterado a classificação de risco da mina, ele indicou a necessidade de incluir o bairro de Bom Parto na área de monitoramento, onde residem cerca de 300 famílias. Além disso, foram adicionados mais trechos à classificação de máximo risco, denominada "criticidade 00". Essas alterações deveriam refletir em um novo mapa de risco feito pela Defesa Civil.

No entanto, nada disso foi divulgado ao público até 30 de novembro, quando a Justiça Federal determinou a divulgação da nova versão do mapa de ações prioritárias de Maceió, acompanhada de um plano de comunicação para garantir informações adequadas aos moradores afetados.

Ainda segundo o jornal, foi apenas nesse momento que os habitantes de Maceió tomaram conhecimento do que a Defesa Civil havia comunicado em 21 de setembro ao Ministério Público Federal, Ministério Público de Alagoas, Defensoria Pública da União, Defesa Civil do Estado e a Defesa Civil nacional.

Naquela ocasião, foi informado que o monitoramento da prefeitura detectou "movimentos persistentes na região da lagoa" e que era necessário atualizar o mapa de risco, cuja última versão era de dezembro de 2020.

O Ministério Público Federal exigiu que a Defesa Civil divulgasse imediatamente a expansão da área de risco, mas os representantes do órgão solicitaram um prazo, que se encerrou em 13 de outubro.

Apesar do ofício de outubro, a prefeitura pediu que as mudanças fossem mantidas em sigilo, alegando que a divulgação antecipada de "dados sensíveis" causaria "transtornos" à população.

Ao O Globo, o procurador-geral de Maceió, João Lobo, afirmou que o município manteve os órgãos de controle informados e buscava uma maneira adequada de comunicar a população sobre os riscos, visando evitar tumultos desnecessários.

O MPF alertou a Braskem sobre o risco de colapso em meados de novembro, cobrando a colaboração da empresa na realocação dos moradores e a inclusão deles no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da companhia. A empresa, no entanto, recusou-se a fazer alterações, alegando que todas as medidas de segurança já haviam sido tomadas.

A liminar da Justiça, resultado de uma ação civil pública, determinou que a Braskem incluísse todos os moradores das áreas consideradas de criticidade 00 no novo mapa da Defesa Civil no programa, garantindo indenização por danos morais e materiais.

As 26 famílias restantes no bairro do Mutange, um dos cinco evacuados devido a rachaduras e instabilidade no solo, foram obrigadas a deixar suas casas. Até agora, aproximadamente 60 mil pessoas foram realocadas, e mais de 14 mil imóveis foram evacuados em cinco bairros da cidade, de acordo com o jornal.

 

Ø  Braskem, a empresa multada por danos em Maceió e cobiçada por estatal árabe

 

A crise decorrente do risco de colapso de uma mina de exploração de sal-gema em Maceió (AL) tem colocado em foco a Braskem, empresa petroquímica global com origem no Brasil.

O Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA-AL) informou na terça-feira (05/12) que multou a companhia em mais de R$ 72 milhões por problemas relacionados à mina 18, no bairro do Mutange. O IMA cobra que a empresa seja punida por danos ambientais, pelo risco de colapso e pela omissão de informações relativas à mina.

Em nota enviada à BBC News Brasil, a Braskem disse ser "inverídica" a acusação de que omitiu informações ao IMA.

"Foram feitas comunicações imediatas aos órgãos competentes, inclusive ao IMA, a respeito das alterações captadas nos dados da rede de monitoramento, bem como as medidas de segurança adotadas pela companhia", disse a empresa.

Também na terça, a bolsa de valores brasileira, a B3, anunciou que, por conta da situação em Maceió, a Braskem foi excluída de seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) — que acompanha o desempenho dos ativos de empresas que se comprometem com questões ambientais, sociais e de governança corporativa.

A Braskem não respondeu a um pedido de posicionamento feito pela reportagem sobre a decisão da B3.

A empresa — a maior da América Latina no setor petroquímico e entre as maiores do mundo — afirma que segue monitorando a situação da mina 18, cujo risco de colapso fez a Defesa Civil de Maceió emitir um alerta no último dia 29 e forçou várias famílias a evacuarem suas casas.

Em boletim sobre a crise divulgado pela Braskem em seu site na segunda (4/12), a empresa afirma que segue monitorando 24h por dia a situação da mina e que a área permanece isolada. Entretanto, a empresa constatou que a velocidade de movimentação do solo vem diminuindo e diz que não foram constatados novos tremores.

O desenrolar da situação, no entanto, segue indefinido tanto para os moradores quanto para os negócios da empresa.

Na sexta-feira (1/12), a agência de classificação de risco Fitch afirmou que a crise em Maceió ameaça os ratings (nota que busca indicar a capacidade de empresas e países de honrarem suas dívidas) da Braskem e seu fluxo de caixa.

"Outro evento geológico nas instalações da petroquímica pode aumentar substancialmente o número de novas ações judiciais contra a companhia e impactar sua capacidade de acessar aos mercados de capitais, uma vez que os investidores estão mais restritivos e preocupados com questões ambientais, sociais e governamentais (ESG, na sigla em inglês)", diz a análise da Fitch.

"No momento, as consequências de um potencial incidente ainda são incertas", afirmou a agência em comentário sobre a crise em Maceió.

Na sexta-feira (01/12), o ministro dos Transportes e senador licenciado de Alagoas, Renan Filho, que foi governador de Alagoas, atribuiu a responsabilidade do caso à Braskem.

"A responsabilidade da Braskem é total. No Brasil, a legislação ambiental impõe o crime a quem o pratica", disse ele.

Procurada na ocasião, a empresa não se manifestou sobre a declaração do ministro.

Em agosto, a Fitch havia classificado a Braskem com rating BBB- em escala global e AAA em escala nacional. A perspectiva em escala global foi rebaixada de estável para negativa, enquanto a métrica nacional se manteve estável.

O rebaixamento a nível internacional foi justificado pela Fitch pela "elevada vulnerabilidade da Braskem à prolongada recessão do setor petroquímico". Por outro lado, a agência afirmou que "a diversificação geográfica e de matérias-primas é importante pilar do perfil de negócios da Braskem".

O relatório anual de 2022 da Braskem mostra que sua receita foi de R$ 96,5 bilhões.

Desde o dia 29, com o início de um novo capítulo da crise em Maceió, as ações da Braskem na B3 estão caindo.

A crise vem em um momento importante para a empresa, que tem como maiores acionistas a Novonor (antiga Odebrecht) e a Petrobras — a primeira com 38,3% do capital total da Braskem e a Petrobras com 36,1%.

No início de novembro, a Adnoc, empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, fez uma oferta de US$ 2,1 bilhões (R$ 10,3 bilhões) para adquirir grande parte da participação da Novonor na Braskem.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou que, de acordo com uma fonte, a oferta não empolgou as partes.

Uma reportagem da BBC revelou que os Emirados Árabes pretendiam usar a COP28, a Cúpula sobre Mudanças Climáticas, para solicitar apoio à ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, para "garantir o alinhamento e o endosso" à oferta pela Braskem.

Questionada pelo jornal Folha de S.Paulo, Marina Silva afirmou que "em hipótese alguma" tratou do assunto com representantes dos Emirados Árabes.

"Não tenho controle dos assuntos que as pessoas dizem que vão tratar [comigo], mas comigo não foi tratado. E se porventura tivesse, teria sido com a pessoa errada, por que o que tenho eu a ver com a Braskem?", disse a ministra ao jornal.

Ela também fez declarações sobre a mina da Braskem em Maceió. Na Alemanha, Marina Silva afirmou na terça-feira que o empreendimento na capital alagoana é "desastroso" e pediu maior rigor nos processos de licenciamento ambiental.

Enquanto isso, a Braskem decidiu cancelar sua participação na COP28 por conta do "agravamento da crise em Maceió".

Em seu site para investidores, na seção "Controvérsias", a Braskem explica o seu histórico de exploração de sal-gema em Maceió.

A empresa afirma que explorava o sal desde 2002, uma matéria-prima para a produção de clorossoda e dicloretano.

Em 2018, foram registradas as primeiras rachaduras em prédios e casas, além de um tremor na cidade. Em 2019, foi apontada como possível causa dos incidentes a atividade da Braskem. Houve evacuação nos bairros de Pinheiro, Mutange e Bebedouro.

"Em 9 de maio de 2019, a Braskem preventivamente decidiu paralisar as atividades de extração de sal-gema na região, e nesse contexto, iniciou um projeto de investimento para a aquisição de sal marinho de terceiros como matéria-prima para a planta em Alagoas", diz o site da empresa.

A Braskem responde a várias ações judiciais pela situação em Maceió, incluindo ações civis públicas e ações individuais. A empresa já firmou alguns acordos com o Ministério Público e a Defensoria Pública, nos níveis estadual e federal.

Segundo cálculos do portal UOL, a Braskem já desembolsou R$ 9,2 bilhões em compensações financeiras ao poder público e a moradores desde 2020.

A empresa afirma que, até o fim de outubro, apresentou 19.085 propostas de compensação às famílias, das quais 18.533 foram aceitas e 17.828 foram pagas.

Em um relatório do fim de setembro, a Braskem afirmou que, embora já tenha acordos em andamento e tenha separado verbas para isso, o custo final da situação ainda não pode ser previsto.

"A companhia não pode descartar futuros desdobramentos relacionados ao evento geológico de Alagoas, ao processo de realocação e ações nas áreas desocupadas e adjacentes, de modo que os custos a serem incorridos pela Braskem poderão ser diferentes de suas estimativas e provisões", diz um trecho do documento da empresa.

A Braskem foi fundada em 2002 a partir da integração de empresas dos grupos Odebrecht e Mariani, ambos brasileiros.

Hoje, a empresa tem escritórios e unidades industriais em 11 países.

O leque de produtos da empresa inclui solventes, resinas e outros produtos químicos usados em várias indústrias, como as de embalagens de alimentos, automobilística e de produção de tintas.

 

Fonte: Redação Terra/BBC News Brasil

 

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