Brasil tem 1,5 milhão de trabalhadores de aplicativos; 35,7% contribui
para a previdência
O trabalho por plataformas digitais caracteriza a
ocupação de 1,5 milhão de brasileiros e, apesar de empregar alta tecnologia, é
mais uma via de manifestação das desigualdades no país. Essa é uma das facetas
reveladas na pesquisa "Teletrabalho e trabalho por meio de plataformas
digitais 2022", da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
Contínua. Segundo Gustavo Fontes, um dos autores do estudo, "embora o
percentual de trabalhadores plataformizados ainda seja relativamente baixo, ele
abrange um contingente não negligenciável de pessoas". A faixa etária dos
trabalhadores é de 25 a 39 anos, seguida por pessoas de 40 a 59 anos.
Na avaliação dele, um dos maiores desafios
relativos à atividade laboral desempenhada via plataformas digitais diz
respeito à seguridade social. "As plataformas digitais podem representar
oportunidades de obtenção de trabalho para muitas pessoas, seja como o trabalho
principal, seja como uma forma de complementação da renda, mas também trazem
importantes desafios, sobretudo no que se refere às relações e condições de
trabalho e ao acesso à seguridade social. (...) A questão da contribuição
previdenciária por parte desses trabalhadores é um aspecto que deve ser
acompanhado", afirma.
Outro dado da pesquisa é a condição previdenciária
dos trabalhadores. De acordo com Fontes, os dados da pesquisa mostram que
"quando comparados aos demais ocupados no setor privado, observa-se que o
percentual de trabalhadores plataformizados que contribuíam para a previdência
era de 35,7%, percentual bastante inferior à participação dos contribuintes
entre os não plataformizados (61,3%). Além disso, a maior parte dos
trabalhadores por aplicativo estava em situação de informalidade (70,1%), o que
abrange, por exemplo, os trabalhadores por conta própria sem CNPJ e os
empregados do setor privado sem carteira de trabalho assinada. Para o total de
ocupados (exclusive no setor público), o percentual de pessoas em situação de
informalidade foi estimado em 44,2%".
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao
Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Fontes apresenta o perfil dos trabalhadores
plataformizados e suas condições de trabalho, que variam conforme diferença de
gênero e escolaridade. Atualmente, no país, informa, "essa forma de
exercer o trabalho está fortemente concentrada nos setores de transporte
particular de passageiros e de serviços de entrega, e, em menor medida, nos
serviços de alimentação".
Gustavo Fontes é analista do módulo Teletrabalho e
trabalho por meio das plataformas digitais da PNAD Contínua. Atua no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
<<<< Confira a entrevista.
• Segundo
a pesquisa "Teletrabalho e trabalho por meio de plataformas digitais
2022", da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, 1,5
milhão pessoas trabalham via plataformas digitais e aplicativos de serviços em
2022. O que esse número representa e significa no atual contexto de mercado
brasileiro?
Gustavo Fontes – O trabalho exercido por meio de
plataformas digitais de serviços representava 1,7% do total da população
ocupada no setor privado, no país, no 4º trimestre de 2022, considerando
exclusivamente o trabalho principal. Embora o percentual de trabalhadores
plataformizados ainda seja relativamente baixo, ele abrange um contingente não
negligenciável de pessoas. As plataformas digitais podem representar
oportunidades de obtenção de trabalho para muitas pessoas, seja como o trabalho
principal, seja como uma forma de complementação da renda, mas também trazem
importantes desafios, sobretudo no que se refere às relações e condições de
trabalho e ao acesso à seguridade social.
Atualmente, no país, essa forma de exercer o
trabalho está fortemente concentrada nos setores de transporte particular de
passageiros e de serviços de entrega, e, em menor medida, nos serviços de
alimentação. Há também aplicativos que abrangem outras ocupações, inclusive na
prestação de serviços profissionais qualificados, mas que ainda são menos
usuais no Brasil. A PNAD Contínua ainda não possui uma série histórica desses
dados que nos permitam avaliar a evolução do trabalho plataformizado no país,
mas entende-se que essa é uma forma de se exercer o trabalho que já é uma
realidade para um número importante de trabalhadores e que possivelmente irá se
expandir e alcançar novos setores. Ressalta-se, por fim, a necessidade de se
estabelecer, em âmbito internacional, definições conceituais e metodológicas
para a identificação dessa forma de trabalho que permitam a comparabilidade dos
dados entre países.
• Quais
são os principais dados evidenciados na pesquisa?
Gustavo Fontes – Considerando os dados da PNAD
Contínua, referentes ao 4º trimestre de 2022, destaca-se o fato de que a maior
parte dos trabalhadores plataformizados não estava assegurada por instituto de
previdência. Quando comparados aos demais ocupados no setor privado, observa-se
que o percentual de trabalhadores plataformizados que contribuíam para a
previdência era de 35,7%, percentual bastante inferior à participação dos
contribuintes entre os não plataformizados (61,3%). Além disso, a maior parte
dos trabalhadores por aplicativo estava em situação de informalidade (70,1%), o
que abrange, por exemplo, os trabalhadores por conta própria sem CNPJ e os
empregados do setor privado sem carteira de trabalho assinada. Para o total de
ocupados (exclusive no setor público), o percentual de pessoas em situação de
informalidade foi estimado em 44,2%.
Quanto à questão da extensão das jornadas de
trabalho, especificamente para os motoristas de aplicativo, os dados da
pesquisa revelam que estes trabalham, em média, mais horas para obter
rendimentos parecidos com os dos motoristas que não usam plataformas digitais.
Em relação aos motociclistas no serviço de entrega, observa-se que os motoboys
plataformizados, mesmo trabalhando mais horas, possuem menores rendimentos
médios que os não plataformizados que realizam atividade semelhante.
• Qual
é o perfil dos trabalhadores de app e plataformas e dos teletrabalhadores hoje
no Brasil?
Gustavo Fontes – Em relação aos trabalhadores de
aplicativo, os homens representavam mais de 80% do total, o que reflete o
perfil ocupacional predominante desses trabalhadores, sendo a maior parte
condutores de automóveis ou motocicletas, que são ocupações exercidas
principalmente por homens. As pessoas de 25 a 39 anos formavam o grupo etário
predominante (48,5%), seguidas por aquelas de 40 a 59 anos (34,0%). Em relação
à escolaridade, observa-se que a maioria dos trabalhadores plataformizados
possuíam níveis intermediários de instrução, sobretudo o nível médio completo
ou superior incompleto (61,3%). Mais de 3/4 dos trabalhadores por meio de
plataformas digitais eram trabalhadores por conta própria, sendo que os
empregados com carteira assinada representam apenas 5,9%.
No caso do teletrabalho, observa-se um perfil
diferente, com as mulheres representando quase a metade (48,8%) desses
trabalhadores. Inclusive, a taxa de realização de teletrabalho é maior entre as
mulheres, frente aos homens. Mais de 2/3 dos teletrabalhadores possuem ensino
superior completo e observa-se um predomínio de ocupações mais bem remuneradas,
como diversas ocupações no grupamento dos profissionais das ciências e
intelectuais (por exemplo, engenheiros, advogados, economistas, professores e
diversos profissionais da área de TI), cargos gerenciais e de direção, além de
técnicos e profissionais de nível médio. Os empregados do setor privado com
carteira de trabalho assinada representavam quase 40% dos teletrabalhadores.
Observa-se, também, que os empregados do setor público e os empregadores tinham
maior peso entre os teletrabalhadores, ao comparar a participação desses grupos
no total de ocupados.
• Qual
é a situação dos trabalhadores de aplicativos e dos teletrabalhadores em termos
de jornada trabalhista, salário e direitos sociais? Comparando, quais são as
principais diferenças e aproximações entre as jornadas de trabalho deles
evidenciadas na pesquisa?
Gustavo Fontes – Considerando apenas as pessoas
ocupadas no setor privado, observa-se que o rendimento médio habitualmente
recebido no trabalho principal dos trabalhadores plataformizados era 5,4%
superior ao rendimento médio dos não plataformizados. Por outro lado, os
trabalhadores plataformizados também tinham jornadas de trabalho mais extensas:
trabalhavam, em média, 6,5 horas a mais por semana. Assim, estima-se que o
rendimento médio por hora trabalhada dos trabalhadores por aplicativo era
inferior ao daqueles que não exerciam sua ocupação por meio dessas ferramentas
digitais.
Ao comparar os diferenciais de rendimentos entre
ocupados plataformizados e não plataformizados, é importante considerar que
existem diferenças na composição desses dois grupos quanto ao nível de
instrução, assim como em relação às ocupações predominantemente exercidas,
especialmente no que se refere à menor proporção, entre os plataformizados, de
pessoas sem instrução ou com fundamental incompleto, ou do grupamento de
ocupações elementares. Quando restringimos a análise aos motoristas no
transporte particular de passageiros e aos moticiclistas na atividade de malote
e entrega, podemos comparar pessoas que exercem ocupações semelhantes em
atividades correlatas. Nesse caso, observamos que a jornada de trabalho tanto
dos motoristas de aplicativo quanto dos motoboys entregadores era, em média,
mais extensa do que a jornada daqueles trabalhadores que exerciam trabalhos
similares, porém não usavam aplicativos para exercer o trabalho. Para ambas as
categorias, observou-se um menor rendimento-hora, em comparação aos não
plataformizados em ocupações parecidas, além de que menos de 1/4 desses
trabalhadores estavam cobertos por instituto de previdência.
No caso dos teletrabalhadores, não se observaram
diferenças significativas quanto à jornada de trabalho, quando comparados aos
ocupados que não realizaram teletrabalho. No que se refere ao rendimento,
observa-se que os teletrabalhadores apresentavam, em média, rendimentos
substancialmente maiores, o que se deve, sobretudo, ao perfil ocupacional
desses trabalhadores e ao fato de que estavam mais presentes em
estabelecimentos inseridos em atividades que pagam maiores remunerações.
• Quais
as diferenças percebidas entre as distintas categorias de trabalho por app?
Gustavo Fontes – A pesquisa abrangeu quatro tipos
de aplicativos: aplicativos de táxi; aplicativos de transporte particular de
passageiros (exclusive aplicativo de táxi); aplicativos de entrega de comida,
produtos etc.; e aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais.
As pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de transporte de
passageiros, de táxi ou não, correspondem a pouco mais da metade dos
trabalhadores plataformizados, ao passo que quase 40% trabalhavam por meio de
aplicativos de entrega. Observa-se que os trabalhadores de aplicativos de
transporte de passageiros (exclusive aplicativos de táxi) e os entregadores em
aplicativos de entrega revelaram os maiores graus de dependência, em relação às
plataformas, no que se refere a alguns aspectos importantes de seu trabalho,
como o valor a ser recebido pelo trabalho, prazos de realização de tarefas e
clientes a serem atendidos.
• Um
dos pontos considerados positivo pelos trabalhadores de app é a flexibilidade
para conciliar o trabalho com outras atividades cotidianas, como o cuidado dos
filhos, ainda que muitos argumentem que se trata de uma falsa liberdade ou
flexibilidade. Como essa questão foi abordada na pesquisa? O que os
trabalhadores relatam?
Gustavo Fontes – De fato, observa-se que os
trabalhadores de aplicativo tinham, em média, jornadas semanais mais extensas
em comparação aos não plataformizados. A PNAD Contínua investigou diferentes
estratégias empregadas pelas plataformas digitais de trabalho que, em certa
medida, poderiam influenciar a jornada de trabalho dos trabalhadores
plataformizados, além da possibilidade de escolha de dias e horários de forma
independente. Observa-se que a forma mais recorrente de influência das
plataformas sobre as jornadas de trabalho ocorria por meio de incentivos, bônus
ou promoções que mudam os preços. No entanto, mais de 40% dos motoristas de
aplicativos (exclusive aplicativos de táxi) relataram ter a jornada
influenciada por ameaças de punições ou bloqueios realizados pela plataforma.
Ao mesmo tempo, entre os motoristas de aplicativos (exclusive aplicativos de
táxi), mais de 80% relataram a possibilidade de escolha de dias e horários de
forma independente.
• Alguns
estudiosos do mundo do trabalho afirmam que está se criando uma subcategoria de
trabalho, com subempregos, sob uma falsa premissa de modernização. Outros veem
nas plataformas novas possibilidades de trabalho, inclusive como alternativa ao
desemprego. Como os dados da pesquisa sobre o que tem sido a prática laboral
nos ajudam a refletir sobre essas questões? Como o senhor tem refletido sobre a
atuação do trabalho via plataformas e apps?
Gustavo Fontes – O IBGE não tem a função de
formular políticas públicas, mas possui um importante papel de coletar dados e
disponibilizar informações que retratam a realidade do país, seja em relação à
situação laboral, seja quanto a outros aspectos que impactam a condição de vida
da população brasileira. As informações geradas pelo Instituto contribuem para
a formulação de políticas públicas, estudos acadêmicos e a tomada de decisões
por parte de gestores públicos e privados.
Quanto ao trabalho por meio de plataformas
digitais, essa tem sido uma forma de inserção no mercado de trabalho e de
obtenção de renda para uma parcela da população brasileira, com especial
participação de adultos jovens do sexo masculino com nível médio de instrução
ou com o superior incompleto. Para muitos desses trabalhadores, o trabalho
plataformizado representa o seu trabalho único ou principal, sendo essa a
principal fonte de seu sustento.
No entanto, há dois pontos que chamam a atenção
sobre a situação de trabalho dessas pessoas. Primeiramente, ainda que os
trabalhadores plataformizados sejam, em sua maior parte, classificados como
trabalhadores por conta própria, tais trabalhadores possuíam autonomia e
controle limitados de alguns aspectos relativos ao exercício do próprio
trabalho. Outro relevante aspecto, sobretudo no caso dos condutores de veículos
ou motocicletas, observa-se que uma pequena parcela dos condutores
plataformizados tinham acesso à seguridade social, embora, no exercício do
trabalho de condutor, possam estar expostos a acidentes ou outros riscos
relacionados à sua ocupação. Portanto, a questão da contribuição previdenciária
por parte desses trabalhadores é um aspecto que deve ser acompanhado.
Fonte: Entrevista com Gustavo Fontes, para IHU
Nenhum comentário:
Postar um comentário