quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Paulo Kliass: Lula e o melhor para o Brasil

A intervenção mais recente do Presidente Lula no debate a respeito da política fiscal parece ter o sentido de um reconhecimento, ainda que tardio, dos equívocos que vinham sendo levados à frente pelos dirigentes do Ministério da Fazenda no que se refere ao tema. Em uma entrevista coletiva realizada no dia 27 de outubro, que contou com a presença de profissionais dos principais órgãos de imprensa, o Chefe do Executivo dirimiu qualquer dúvida que ainda pudesse restar quanto à meta do resultado fiscal a ser defendida por seu governo para o exercício de 2024. Naquele café da manhã, ele afirmou que “dificilmente” sua equipe conseguirá cumprir a meta de déficit zero.

Com toda a elegância e a sensibilidade que o tratamento do tema merece, Lula transmitiu de forma cristalina um puxão de orelha público em Fernando Haddad. Afinal, foi o responsável pela área econômica quem havia criado uma armadilha para o próprio governo ao anunciar, todo orgulhoso e faceiro junto a seus interlocutores no sistema financeiro, que a meta oficial para o ano que vem seria a de zerar o déficit fiscal primário. Uma loucura, aliás! Com seu bom mocismo conhecido e cada vez mais habitual, Haddad afirmava que a meta era ambiciosa, mas necessária. E que o governo iria se empenhar a fundo para assegurar o seu cumprimento. Ele chegou até mesmo a mencionar a hipótese de um pequeno superávit. Um delírio no qual nem mesmo os mais ensandecidos adeptos da Faria Lima chegariam a acreditar.

·         Puxão de orelha elegante em Haddad.

Uma situação semelhante havia sido criada logo no início do governo, em janeiro do presente ano, quando o recém nomeado Ministro da Fazenda insistia em colecionar aplausos junto à nata do financismo e garantia não haver recursos no Orçamento para um reajuste real do salário mínimo, tal como havia sido prometido por seu chefe durante a campanha eleitoral. O ex-prefeito de São Paulo mencionava um valor de R$ 1.302, enquanto o reajuste com reposição da inflação deveria levar o piso da remuneração dos trabalhadores para R$ 1.320. Aquele que havia trocado a carreira de professor de filosofia da USP pela meca do financismo representada pelo INSPER relutava em conceder míseros R$ 18 mensais em nome de um doutrinarismo suicida. Pois, naquele momento Lula percebeu imediatamente o risco político e o equívoco da proposta. Assim, entrou na polêmica para anunciar o valor mais elevado a partir de 1º de maio.

Ocorre que a autonomia concedida ao seu auxiliar para os assuntos da economia terminou por comprometer grande parte da capacidade de o governo apresentar soluções sólidas e robustas para o enfrentamento das imensas dificuldades na seara social e econômica. Assim foi a relutância de Haddad em promover pura e simplesmente a revogação do teto de gastos. Ao vincular o fim da medida à aprovação de uma lei complementar tratando de um Novo Arcabouço Fiscal (NAF), o Ministro criou uma armadilha para o próprio governo de Lula. Nas interlocuções para definir o novo regime das contas públicas, ele se recusou a ouvir as propostas e ponderações do campo de economistas e políticos do campo progressista e desenvolvimentista. Fechou-se em copas nas famosas reuniões exclusivas com o Presidente do Banco Central e com representantes da fina flor do financismo.  

·         Haddad e a incorporação do financismo liberal.

O resultado de mais esta incursão da política econômica do terceiro mandato de Lula pelas trilhas do conservadorismo e das receitas de manual da ortodoxia foi o aprofundamento das medidas de austeridade. Como os fundamentos basilares do NAF mantinham a lógica de obtenção de superávit primário e de contenção das despesas orçamentárias não-financeiras a todo custo, as opções de políticas públicas e de construção de um programa nacional de desenvolvimento ficaram igualmente comprometidas, O discurso oficial e já conhecido do ”não temos recursos” se somou às falas dirigidas às elites do sistema financeiro assegurando que as contas fiscais do governo federal seriam zeradas a partir do ano que vem.

Além disso, tendo em vista a natureza igualmente austera do NAF, dirigentes da área econômica começaram a plantar notícias na imprensa e a oferecer falas públicas onde assumiam claramente a necessidade de eliminar os pisos constitucionais previstos para saúde e educação. Com isso reposicionavam no topo da agenda política do governo Lula 3.0 as propostas que nem Guedes nem a turma neoliberaloide mais exacerbada haviam conseguido emplacar até então. Para um candidato que havia dito que só aceitaria um novo período à frente do Palácio do Planalto se pudesse fazer mais e melhor do que havia feito entre 2003 e 2010, esta autolimitação parecia ser mortal em suas pretensões. Tanto mais quando se leva em conta que ele mesmo havia trazido para o palanque sua intenção de realizar 40 anos em 4.

Mas a pergunta que não quer calar é: por que esta insistência quase messiânica com uma meta tão irrealista quanto equivocada? Afinal, não existe razão alguma para que o governo se esforce ao máximo para que o resultado entre receitas e despesas primárias seja igual a zero. Esse número pode até ser bonitinho e redondinho, mas assumir com tanta antecedência que ele será o resultado das contas orçamentárias para o final de 2024 é um tremendo tiro no próprio pé. A grande maioria dos países do mundo capitalista mais desenvolvido passam longe de tal façanha. E o próprio Brasil tem apresentado ao longo da última década números que confirmam a tendência oposta. O gráfico abaixo nos demonstra que penas em 2022 as contas primárias foram superavitárias. Nos 9 demais exercícios o resultado apresentou um total de despesas superior às receitas. E nem por isso o País quebrou ou a antessala do apocalipse foi atingida.

·         Déficit zero é criar armadilha para si mesmo.

O esforço necessário para promover a reconstrução de tudo aquilo que foi destruído desde o golpe perpetrado contra Dilma Roussef em 2016 não pode ser negligenciado. Recuperar capacidades estatais para implementar políticas públicas e restabelecer o protagonismo do Estado exigem investimentos públicos e programas de despesas governamentais que são a antítese da austeridade sugerida por Haddad. O blábláblá de que tais necessidades seriam solucionadas por meio das “parcerias púbico privadas” (PPPs) não passa uma ilusão liberal ou de pura má fé para defender o avanço do capital privado em searas até então destinadas prioritariamente ao setor público.

Lula sabe muito bem dos riscos políticos e dos prejuízos econômicos de se manter tal rigidez irracional como sendo o objetivo central de política econômica de seu governo. Tanto essa avaliação é verdadeira que, na referida conversa com jornalistas, seu discurso parecia ter sido influenciado pelos economistas críticos à guinada neoliberal de seu Ministro da Fazenda:

(…) “O que eu posso dizer é que ela não precisa ser zero, o país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para esse País” (…)

(…) “Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida. E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada” (…)

A decisão do Presidente de se envolver mais diretamente com aspectos estratégicos da política econômica pode significar uma mudança na postura registrada até o momento, ou seja, de conceder excessiva autonomia a Haddad neste quesito. Os grandes meios de comunicação, mais uma vez, não perdoaram tal correção de rumo. Criticaram a fala de Lula com grande veemência, ao passo que as forças progressistas e desenvolvimentistas aplaudiram a iniciativa. Esse foi o caso, por exemplo, do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), que divulgou uma nota elogiando a decisão do chefe de Haddad.

Não custa relembrar que as decisões a respeito deste e de outros temas da área econômica são de natureza eminentemente política. Não existe nenhum manual de regras e procedimentos rígidos a serem adotados a cada instante. Ao contrário do que dizem os representantes do financismo e de seus porta vozes nos grandes meios de comunicação, a solução para tais questões não é “técnica”, como se a economia política fosse parte do campo do conhecimento das ciências exatas. Basta que os interlocutores de Lula comuniquem a novidade ao relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso Nacional, deputado Danilo Fortes (União Brasil – CE). Afinal o próprio parlamentar já tem dado declarações no mesmo sentido de tornar meta mais realista.

·         Basta mudar a proposta da LDO.

 Desta forma, o texto que havia sido preparado por Haddad deverá ser alterado na votação definitiva da matéria. Manter a proposição inicial seria oferecer ao fisiologismo e às forças conservadoras mais um arsenal para colocar a faca no pescoço do governo mais à frente, ao longo do ano que vem. Vejam só o garrote auto imposto que corria o risco de ser votado, caso Lula não entrasse em cena. Um misto de sincericídio liberal avançado com irresponsabilidade política primária.

(…) “Art. 2º A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2024 e a execução da respectiva Lei deverão ser compatíveis com a meta de resultado primário de R$ 0,00 (zero real) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV a esta Lei.” (…)  [GN]

 Afinal, qual o sentido de Haddad fechar os olhos para os volumes astronômicos de despesas financeiras próximos a R$ 700 bi anuais com o pagamento de juros da dívida pública e voltar a sua motosserra austericida apenas para eliminar direitos sociais e investimentos públicos? Felizmente Lula percebeu a armadilha de “zerar o primário” a tempo Essa meta irrealista e equivocada poderá ser substituída por um valor equivalente a 1 % ou1,5 % do PIB e o governo contará com a folga fiscal necessária para realizar o que é, de fato, melhor para o Brasil.

 

Ø  A burrice reiterada da discussão fisca. Por Luís Nassif

 

Fui apresentado aos furos da contabilidade pública há muitos anos, provavelmente em fins dos anos 80, quando o auditor Antoninho Marmo Trevisan levantou uma questão óbvia, porém ignorada.

  • A contabilidade tem que refletir a situação da empresa ou das contas públicas de maneira realista e dinâmica.
  • Se o governo deixa de dar manutenção a uma estrada, está criando um passivo futuro, já que mais à frente haverá um gastos maior na sua recuperação.
  • A contabilidade trata esse fenômeno com a taxa de depreciação, como se fosse uma dívida a ser paga no futuro. A contabilidade pública, não. Limita-se à conta de padaria, de conferir quanto restou em caixa, no final do dia.

Essa ignorância atroz limita todas as discussões sobre déficit público ao déficit nominal, que é a diferença imediata entre as receitas e despesas públicas, incluindo os juros nominais da dívida pública. Em outras palavras, é o quanto o governo gasta a mais do que arrecada, incluindo os juros que precisa pagar para financiar sua dívida.

Ora, essa conta atende aos interesses ideológicos dos terroristas do fiscalismo, mas é totalmente falsa.

A contabilidade privada, por exemplo, separa despesas de investimentos. Porque o investimento gerará uma nova receita mais adiante que, espera-se, seja maior do que o valor do investimento – senão, não haveria lógica em fazer o investimento. Por isso mesmo, é uma conta separada, porque é autofinanciável – seja na forma de financiamento ou na melhoria da infraestrutura do país.

Na contabilidade pública, leva-se em conta apenas o gasto. O governo financia uma nova estrada, uma nova ferrovia, aumenta a eficiência da economia, barateia o transporte, estimula novos pontos de desenvolvimento. Mas esse gastos são tratados apenas como despesa e servem para idiotas da planilha colocarem na conta genérica da “gastança”.

Pior acontece com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O banco praticava taxas internacionais de juros para financiamentos de longo prazo. Alegaram que a diferença entre a taxa BNDES e a Selic configurava subsídio – isto é, gastança -, embora a taxa anormal fosse a da Selic. Rapelaram o caixa do banco, para poder quitar o suposto subsídio.

No mundo real, como funcionam os números:

  • O BNDES empresta o dinheiro.
  • O financiamento vai direto para a construção de novas fábricas.
  • As novas fábricas vão gerar, no futuro, quando estiverem em operação, mais postos de trabalho, mais fornecedores, mais produção. Tudo isso significa mais receita fiscal: da folha de salários dela e dos fornecedores, ao Imposto sobre Produção Industrial, e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias.

Tem-se numa conta final não apenas superavitária – se for considerar apenas a questão fiscal -, mas amplamente legitimada pela geração de emprego, pela ampliação da capacidade produtiva do país. Ou seja, traz desenvolvimento, que é o objetivo final de toda política econômica.

Então, usam esses conceitos por burrice? Claro que não: usam por esperteza confiando na burrice da cobertura da mídia, no total divórcio entre mídia e universidade, nas fontes viciadas da mídia, incapazes de arejar a discussão com opiniões contrárias.

Na Espanha, a presidente mundial do Santander, Ana Bottin, diz o óbvio: “Não estamos preocupados com o déficit fiscal brasileiro. Retomando o crescimento, o déficit acaba”. CEO do Bradesco, Octávio Lazzari repetiu o mesmo discurso em evento do BNDES, criticando a maneira como está se relativizando a necessidade de crescimento.

Recentemente, membros da equipe econômica estiverem em uma turnê com os executivos dos principais fundos de investimento globais. Nenhum manifestou preocupação com a questão fiscal brasileira, que consideram muito melhor do que a maioria dos países. Em todos os cantos, México, Brasil e Índica são vistos como a bola da vez dos investimentos internacionais.

Porque, então, essa grita da mídia brasileira? Exclusivamente porque as declarações de Lula afetaram as cotações de fundos multimercado em um momento de vencimento.

Os fundos multimercados que investem no mercado futuro podem utilizar uma variedade de estratégias, como:

  • Arbitragem: compra de um ativo no mercado futuro e venda do mesmo ativo no mercado à vista, com o objetivo de lucrar com a diferença de preços entre os dois mercados.
  • Speculação: compra ou venda de um ativo no mercado futuro com o objetivo de lucrar com a variação de preços do ativo no futuro.
  • Hedging: utilização de contratos futuros para proteger uma carteira de investimentos contra oscilações de preços.

O que acontece, simplesmente, foi que a declaração de Lula afetou levemente as cotações dos vencimentos futuros, trazendo prejuízo aos vendidos. Ou seja, por conta de um cassino, sem nenhuma implicação na economia real, jornais fazem um carnaval sem sentido, mostrando cada vez mais a necessidade de Lula apresentar um projeto concreto, para superar a atoarda irresponsável da mídia.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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