Nestes tempos de “eu S.A.”, o desafio de redescobrir Lutero e a
Reforma, afirma teólogo luterano
Neste dia 31/10, fazemos a memória da Reforma, um movimento que foi gestado por nomes como Erasmo de Roterdã (1466-1536), mas que
eclodiu a partir das ações de Martinho
Lutero (1483-1546) e reconfigurou o Ocidente numa transição epocal
entre o medievo e a modernidade. Hoje, vivemos uma outra transição epocal.
Terá, mais de 500 anos depois, um movimento cristão condições de responder à
questão de nosso tempo?
O teólogo Rudolf Eduard von Sinner acredita
que sim. “A novidade da pós-modernidade é
o crescimento exponencial da diversidade ou ao menos da consciência e do
reconhecimento dela. As igrejas e as teologias são hoje uma voz entre outras.
Alguns podem considerar isto uma perda, mas a meu ver propicia chances para dar
testemunho do Evangelho no meio da pluralidade das vozes, procurando nem tanto
a autopropagação, mas a contribuição para o bem comum”, analisa. Por isso, é fundamental ter clareza na centralidade da mensagem de Lutero e
seu movimento. “O centro mesmo da Reforma foi a misericórdia
de Deus que propiciava aos crentes uma ‘troca
alegre’: Jesus, o Filho de Deus, carrega o peso do pecado e transmite a
salvação para os filhos e as filhas de Deus que o seguiam”, explica, na
entrevista concedida por e-mail ao Instituto
Humanitas Unisinos – IHU.
>>>> Confira
a entrevista.
·
IHU – A Reforma
reconfigurou a vida no século XVI, sendo importantíssima na transição epocal
para a Modernidade. Quais consequências poderá ter para o século XXI, na
transição epocal que vivemos para a chamada pós-modernidade?
Rudolf Eduard von Sinner
– A Reforma Protestante teve sua força na
redescoberta do Evangelho para o tempo atual. Nisto, ela continua exemplo –
precisamos da volta às fontes para exercer a missão no presente e orientar o
futuro. Insistiu na importância e igualdade de todo o povo de Deus, que à época
se confundia com o conjunto dos cidadãos, ainda que em duas e depois três
confessionalidades – católica, luterana e calvinista. Tragicamente os
anabatistas foram excluídos e procurou-se destruí-los.
A vocação era,
segundo Lutero, o exercício do mandato divino por cada um(a) no seu lugar, não apenas
para os clérigos. Meninas e meninos teriam que ter educação de qualidade paga
pelo Estado, o cuidado para com os pobres e os doentes e a justiça social
teriam que estar na pauta dos governantes, como Lutero reivindicou em seu comentário ao Magnificat
de Maria. Este belo livro, no Brasil publicado por uma
editora católica (Santuário), não é um tratado de mariologia, mas uma ética
política dirigida ao governante a partir do canto de Maria (Lc 1,46-55).
### Pós-modernidade
A novidade da pós-modernidade é o crescimento exponencial da diversidade ou
ao menos da consciência e do reconhecimento dela. As igrejas e as teologias são
hoje uma voz entre outras – os tempos da cristandade se foram. Alguns podem
considerar isto uma perda, mas a meu ver propicia chances para dar testemunho
do Evangelho no meio da pluralidade das vozes, procurando nem tanto a
autopropagação, mas a contribuição para o bem comum. As palavras-chave são diálogo e compromisso.
·
Mais especificamente, o
que o espírito que animou a Reforma pode nos dizer sobre a crise climática
atual e as guerras que temos vivido?
Rudolf Eduard von Sinner
– Lutero considerava o uso da força como uma
necessidade para conter o mal. Defendeu a ação militar contra os turcos, que à
época estavam ameaçando arrasar a Europa.
Chegaram duas vezes até Viena.
Contudo, não defendeu cruzadas, apenas ações defensivas.
Outrossim, valorizou a dedicação e a devoção dos
muçulmanos e recomendou a publicação do Alcorão traduzido ao latim e, inclusive, o prefaciou. Quanto
aos judeus, escreveu um tratado mais conciliador, “Que Jesus Cristo nasceu judeu”, de 1523, que
foi visto por alguns judeus como ar fresco dentro da forte restrição dos
direitos civis dos judeus na Europa à
época.
O antissemitismo era
comum. Vinte anos depois, em 1543, escreveu um tratado “Sobre os judeus e suas mentiras”, que devemos hoje considerar um
dos escritos mais horríveis que Lutero escreveu.
Seu colega reformador Martin Bucer,
em Estrasburgo, foi muito
mais aberto e dialógico.
### Espírito que animou a
Reforma
Você fala corretamente do “espírito” que animou
a Reforma – é este espírito evangélico, vinculado ao
Evangelho da misericórdia e do amor de Deus para com os seres humanos e toda
criação, que é importante também hoje. Isto não nos obriga seguir os
reformadores em tudo que fizeram e disseram, pois em cada época e em cada
contexto o Evangelho precisa ser novamente interpretado e vivido. É este
o espírito da Reforma.
Lutero ainda teve clareza e o cuidado para com o ser humano,
especialmente o doente e necessitado, e com a natureza fazia parte da missão
cristã. Existem lindos textos de Lutero que indicam isso. Entre outras
orientou, num escrito de 1527, que não se deve fugir de uma “praga mortal”,
referindo-se à onda de peste que assolava sua região à época. Lutero e sua
esposa Catarina abriram
sua casa para acolher doentes.
Em seu escrito, reprimiu tanto os que negaram a
doença, achando que como crentes eles eram imunes, quanto os que
fugiram de suas responsabilidades para com os doentes. Aqueles, no entanto, que
realmente não tinham responsabilidades, estes deveriam, sim, fugir para não
espalhar mais a doença. Teria ajudado muito observar isto na pandemia de Covid-19.
·
Todos os anos, quando
celebramos a experiência da Reforma, destacamos de forma laudatória o passado,
mas pouco falamos do presente e do futuro. A que o senhor atribui isso? Será um
dos sintomas da perda da relevância do cristianismo em nosso tempo?
Rudolf Eduard von Sinner
– Não vejo tal celebração apenas como uma
celebração do passado. Aos 500 anos da Reforma, foi publicado um livro “do
conflito à comunhão”, que mostrou um clima ecumênico muito diferente
do que em todos os centenários anteriores. Houve uma celebração ecumênica
nacional na catedral metropolitana de Porto Alegre.
A pesquisa católica sobre Lutero descobriu ele mais católico
do que muitos católicos de sua época. Afinal, o debate teológico proposto
por Lutero em
suas 95 teses contra as indulgências, provavelmente
afixadas publicamente em 31 de outubro de 1517, não aconteceu à época – o que
houve era a resistência do poder eclesiástico contra aquele mongezinho rebelde
que não quis se retratar a não ser que seja comprovado falso na base da
Escritura. A Reforma sobreviveu porque o povo tomou ela por si – a revolução
midiática do século anterior permitiu uma panfletagem ampla e não deixou ser
abafada pelas autoridades eclesiásticas e políticas.
O filme “Lutero”,
que veio a público em 2003, foi um enorme sucesso também no Brasil, visto por muitos católicos
inclusive. A grande mensagem que emergiu foi a da liberdade – e esta continua relevante hoje. Interessa também
a muitos pentecostais e
até agnósticos.
Por fim, as celebrações dos 500 anos procuraram,
especialmente nas terras de Lutero,
descobrir novas formas de dialogar com o mundo atual. Uma delas foi um robô que proferia bênçãos com imposição de uma mão
metálica e uma mensagem. É claro que criou polêmica – enquanto alguns gostaram
demais, outros acharam fora de propósito. Temos que ousar nos meter também em
temas e práticas polêmicas e reter aquilo que é bom.
·
Qual é a mensagem central
propagada por Martinho Lutero?
Rudolf Eduard von Sinner
– Para Lutero, o centro mesmo da Reforma foi a misericórdia
de Deus que propiciava aos crentes uma “troca alegre”: Jesus, o
Filho de Deus, carrega o peso do pecado e transmite a salvação para os filhos e
as filhas de Deus que o seguiam. Todas e todos estão diretamente diante de Deus
mediante Jesus Cristo, sem necessidade de nenhuma mediação sacerdotal ou
eclesiástica. Não precisavam, nem tinham como contribuir para a salvação com
méritos pessoais, qualidades específicas ou pagamentos em dinheiro.
Na terminologia técnica da época, chamava-se justificação por graça mediante a fé.
Esta terminologia hoje é muito difícil para compreender. Mas ser aceito por
Deus incondicionalmente – e, em decorrência disto, pelos seres humanos – continua
uma mensagem importante em meio às exigências do mercado e às exigências a si
mesmo. É uma boa fundamentação inclusive dos direitos humanos e fundamentais,
pois se aplica a cada ser humano sem nenhuma acepção. Decorrente dessa mensagem
central é a mensagem da liberdade do ser humano – o que certamente não perdeu
sua importância.
·
Como o senhor compreende
que a mensagem da justificação pela fé pode ser apreendida em nosso tempo? Por
que parece haver uma incompatibilidade desta mensagem com a forma como temos
vivido?
Rudolf Eduard von Sinner
– Com o passar do tempo, precisamos não apenas
revisitar ou reformular as respostas tradicionais, mas também rever as
perguntas às quais querem responder. Como dizia Gottfried Brakemeier, professor emérito de
Teologia, grande ecumenicista e ex-presidente da IECLB, Paulo tinha
que ser derrubado do cavalo para enxergar que ele deveria servir a este cujos
seguidores estava perseguindo. Lutero tinha
que ser erguido do fundo de poço e libertado de seu enorme peso de querer
agradar a Deus e não conseguir fazê-lo, e enxergar a grande misericórdia divina.
Isto num momento da história em que pouca gente
passava dos 32 anos e havia muita preocupação com a vida após a morte, com
muito medo do inferno e até do purgatório. Estavam vivas as imagens do inferno,
do purgatório e do paraíso descritos na Divina comédia, de Dante
Alighieri, no século XIV.
Hoje, parece que as pessoas se preocupam muito mais
com a vida do aqui e agora. Perguntam-se pelo valor que têm diante da vastidão
do universo, desconhecida na época da Reforma. Parece que são apenas uma gotinha num enorme oceano – que
diferença fazem? Tem muito perigo de ser moído pelos moinhos do capitalismo
selvagem de hoje, ou por cobrança externa ou por autocobrança, sendo cada um(a)
seu(sua) próprio(a) empreendedor(a) – com alto perigo de fracassar diante de si
mesmo. Nestes tempos de “eu S.A.”, a aceitação incondicional de minha pessoa
sem necessidade de grandes números, títulos, contas bancárias ou algo do tipo
ainda me parece fazer muito sentido para escapar da infame “rodinha do hamster”
na qual facilmente chegamos a correr e nos esgotar.
·
Qual o lugar da fé na
sociedade do século XXI? Como ela tem se revelado? Ou tem cada vez menos se
revelado?
Rudolf Eduard von Sinner
– A fé continua muito viva, especialmente no Sul Global, na América Latina e na África, na grande e cada vez maior
diversidade de suas formas de ser vivida. Vimos uma politização constante de
grupos cristãos que anteriormente se abstiveram da política. Vimos uma
vergonhosa adesão maciça de grupos
evangélicos, mas também de muitos católicos ao projeto
negacionista, neoliberal e insano (literalmente) do bolsonarismo. Seus resquícios ainda
estão entre nós, perpetuando desprezo diante das muitas mortes na pandemia, que
poderiam ter sido evitadas, diante de minorias que sofrem violência
constantemente e diante do total descuido com o meio ambiente.
Temos que recuperar o Evangelho em sua mensagem
libertadora e cuidadora. Na Europa,
bem mais secularizada, a fé parece ter se despedido – mas isto pode ser uma
impressão superficial. Ela se diversificou e não está restrita às igrejas
tradicionais – no entanto, estas continuam sendo integrantes imprescindíveis da
sociedade civil que contribuem para com o bem comum. São elas também que mantêm viva a memória cultural e
religiosa da fé – e muita gente, ainda que não frequente uma igreja, ainda é
membro e paga sua contribuição, pois sente que, se não existisse, algo
faltaria.
·
Nossas igrejas cristãs
têm tentado demonstrar sua relevância no mundo, para além da fé, nas obras de
ajuda humanitária, na diaconia, no amor ao próximo e na fraternidade. Mas tem
sido convincente?
Rudolf Eduard von Sinner
– Sem dúvida ainda hoje é o que mais convence
na atuação das igrejas e lhe dá credibilidade. Onde estaríamos no Brasil se não tivéssemos organizações religiosas que
ajudam as pessoas em suas necessidades e as acolhem como família estendida
em meio à violência, ao desprezo e à carência? O Estado não dá conta, nem
outras organizações da sociedade civil. Igrejas e suas organizações atuam na
educação, na saúde, na assistência social, e muito.
Em pesquisas da organização Latinobarómetro, a confiança nas igrejas vem logo após a
confiança nos bombeiros, muito antes da confiança no governo, nos políticos ou
na polícia. Isto resulta da sua atuação social e diaconal. No entanto, os casos
de pedofilia e abusos sexuais na
Igreja Católica e a intolerância e
o chamado “racismo religioso” em
igrejas principalmente evangélicas têm
arranhado esta imagem positiva. Aqui há muito a ser feito.
·
A fé sem obras é morta.
Mas quais os desafios do cristianismo para que nas obras, especialmente de
caridade, tão importantes em nosso tempo, não percamos a dimensão da fé? Ou,
por outro lado, o que faz as obras de uma igreja serem diferentes de uma
ONG, por exemplo?
Rudolf Eduard von Sinner
– Pois é, não devemos esquecer que, se a diaconia é um aspecto
irrenunciável do ser da igreja, ela não é o único. O testemunho da fé é para as
pessoas poderem encontrar o Deus
misericordioso que propicia perdão e reconciliação – com Deus, com
a outra pessoa, consigo mesmo. A libertação do pecado, como dizemos na
linguagem teológica, desdobra-se na libertação da integralidade do ser humano
em todas as suas dimensões, espiritual e material.
Como dizia Lutero, as obras são decorrentes da fé e se tornam boas na medida
em que são praticadas na fé. Por isso a igreja tem feições de uma ONG, mas não se restringe a isso. Ela
não pode deixar de tratar do sentido da vida e das grandes questões da nossa
existência – por que existimos, para que existimos, para onde vamos.
·
O que é ser cristão hoje?
Rudolf Eduard von Sinner
– Um dos aspectos é o desdobramento da questão
anterior: ser testemunho do
Evangelho que dá sentido à vida mesmo em meio ao sofrimento, mas
procura proclamar e propiciar a libertação de
tudo que nos amarra. Disto decorrem obras de diaconia. A liberdade cristã, como já dizia Lutero, não é apenas ter liberdade de
escolha. Esta é boa escolha e nunca na história foi tão grande como hoje.
Escolhemos a nossa religião, onde vamos morar, com
quem casar-se, onde e em que trabalhar. É verdade que muitos não podem
efetivamente usufruir desta liberdade por restrições materiais ou pelas mais
diversas ameaças à sua existência. Isto nunca deveria nos deixar quietos.
Agora, a liberdade cristã é
uma liberdade que se coloca a serviço – de Deus e dos seres humanos. Um não
cristão não pode fazer este serviço também? Pode, é claro. Mas a questão
importante para nós é: um cristão pode não servir?
·
Vivemos tempo de
emergência de uma outra reforma no cristianismo?
Rudolf Eduard von Sinner
– Creio que sim, em várias frentes. Uma delas é
que a teologia
da prosperidade tomou conta de grande parte do cristianismo no Brasil e alhures.
O desejo de dar-se bem na vida é compreensível e faz parte do nosso tempo. Mas
o Evangelho é
totalmente deturpado quando Deus não dá a graça e seu amor gratuitamente, mas
tem que ser comprado e teria que fazer a sua parte obrigatoriamente quando o
“cliente” paga.
Também precisamos de uma Reforma que pudesse afinar o
testemunho cristão num pluralismo sem
desprezo nem violência, mas com gratuito amor e paciência. É também necessário
reconhecer o devido espaço das mulheres,
das pessoas afrodescendentes,
das pessoas indígenas, das
pessoas com deficiência e
da população hoje denominada de LGBTQIA+ na
igreja e na sociedade. Pode ser a parte mais difícil, mas é necessária, a meu
ver.
·
A Igreja Católica viveu
nestes últimos dias a primeira etapa da assembleia do
Sínodo sobre a Sinodalidade.
Um dos temas postos a partir das paróquias, onde emergiu a consulta sinodal, é
a ordenação feminina. As igrejas que nascem dos reformadores históricos já
vivem esta realidade. Por que este tema é importante e como o sacerdócio ou a
diaconia feminina podem contribuir para amplificação da mensagem do
cristianismo?
Rudolf Eduard von Sinner
– Lamentavelmente nem todas as igrejas oriundas
da Reforma vivem esta
realidade. Mas o número das que o fazem é muito considerável. Algumas igrejas pentecostais também
começaram a ordenar mulheres,
que de fato já faziam todo trabalho pastoral igual aos homens, mas não eram
reconhecidas.
Jesus teve muitas mulheres entre seus discípulos e entre as pessoas que o procuraram, e reconheceu-as de uma
maneira muito além do seu tempo. Paulo cumprimenta Febe como “diácono” (!) e “preposta”, portanto
liderança, o que as traduções de Romanos
cap. 16 tendem a esconder. Também tradicionalmente faziam da Junia em Rm 16,7 um homem, Junias, pois
acharam insuportável a ideia que uma mulher poderia ser citada entre os que “se
destacam entre os apóstolos”.
Agora, diáconas existiam
nos primeiros cinco séculos, com o mesmo tipo de ordenação que seus colegas varões. Caiu em desuso depois, mas
o diaconato
feminino pode sem problemas ser reativado tanto na
Igreja Católica quanto na ortodoxa. O sínodo discutiu isso e ainda não chegou a
um consenso, mas ao menos está na pauta. Me parece algo sobremaneira
importante, pois fomos privados durante séculos da benéfica contribuição das mulheres. Onde ela
existia e existe, ela tende a ser invisibilizada.
### Testemunho feminino
O trabalho de religiosas no Amazonas, por exemplo, é muito pouco valorizado, mas
é importantíssimo. É uma questão da completude e integralidade do ministério do
povo de Deus e uma questão de justiça. Também é uma questão sociológica: a
ordenação somente de varões já de longe não dá mais conta do trabalho pastoral
a ser feito.
No estado do Amazonas, por exemplo, temos hoje cerca de 400 padres e mais de
3.000 pastores (e agora também pastoras) somente das Assembleias de Deus. A Igreja Católica
está perdendo o norte. Vejo como único caminho a inclusão e valorização do
ministério de mulheres e a abolição do celibato obrigatório.
·
Nestes mesmos encontros
da assembleia sinodal, o Papa Francisco tem insistido na mensagem de que todo o
batizado na fé cristã tem seu espaço na comunidade de fé, deve ser ouvido e
ativo no Segmento de Cristo. Diante dos desafios atuais, como conquistar este coração
dos batizados para que efetivamente vivam a fé cristã?
Rudolf Eduard von Sinner
– Acredito que um dos grandes problemas da
atração de pessoas às igrejas é o abalo de sua credibilidade por erros morais (abusos sexuais) ou políticos. Também a
falta do ministério de mulheres e a
manutenção do celibato obrigatório na Igreja Católica são
coisas cada vez menos compreensíveis, e uma hierarquia que não respeita a
colaboração das pessoas leigas é um testemunho muito negativo.
Lutero defendeu – como já lemos na primeira carta de Pedro 2,9 – o sacerdócio universal de todos(as)
os(as) crentes. A Constituição do Concílio
Vaticano II sobre a Igreja, Lumen Gentium, incluiu
esta compreensão e fortaleceu a noção bíblica do Povo de Deus. O papado hoje
representa, estruturalmente, a última monarquia absoluta da Europa e, em grande parte, do mundo.
O Papa
Francisco faz muito para mudar isto, vejo, reconheço e aprecio. Ele
fala, com toda propriedade, de uma Igreja
em saída. As pessoas cada vez menos vêm por si mesmas. É preciso ir ao
encontro delas, onde estão, pois os convidados do banquete não vieram, para
citar a parábola registrada no Evangelho
de Lucas 14,15-24. Levar o povo de Deus como um todo a sério,
conceber o ministério ordenado no meio e a partir dele e construir uma
liderança compartilhada entre ministros(as) ordenados(as) e pessoas leigas me
parecem elementos muito profícuos. E ver como e onde as pessoas de fato vivem –
não adianta reproduzir estruturas de uma igreja que deram certo no passado
quando a realidade mudou substancialmente, por exemplo por meio da maciça
urbanização.
·
Entre o culto e a praia,
a opção pelos dois
Para dar apenas um exemplo muito simples: os cultos
na igreja luterana em
geral ocorrem na manhã de domingo. Uma paróquia perto do mar percebeu que quase
ninguém mais vinha – é que vão para praia naquele horário. Já à noite tem como
celebrar culto com boa adesão...
Há também o Culto de Tomé, algo concebido na igreja luterana finlandesa nos anos 1980, num ambiente urbano
e (pós-)moderno, procurando propiciar uma preparação e celebração mais
participativa que atendem melhor às necessidades das pessoas. As pessoas podem
orar, aconselhar-se, agradecer e interceder, receber o perdão e saem com uma
unção e bênção personalizada. Toque a emoção tanto quanto a razão, o que é
especialmente importante numa igreja como a minha, que tende a ser muito
racional.
Fonte: Entrevista com Rudolf Eduard von Sinner,
para IHU OnLine
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