Se Lula está mesmo comprometido com a democracia, precisa demitir logo
seu ministro da Defesa
DEPOIS DE NOVE MESES após o 8 de janeiro, já dá
para afirmar com certeza que o ministro da Defesa, José Múcio, está
comprometido em passar pano para o golpismo praticado pela cúpula das Forças
Armadas. Não há nada que indique o contrário. O ministro tem atuado nos
bastidores para blindar generais na CPMI e nas investigações da Polícia Federal
e insiste em dar declarações tirando toda a responsabilidade das Forças Armadas
na tentativa de golpe. Ele tem defendido a tese de que apenas alguns poucos
militares tinham intenção golpista, sem o aval da cúpula. É uma mentira que não
se sustenta com uma leitura simples e honesta dos últimos acontecimentos.
Nesta semana, Múcio deu uma declaração absurda em
entrevista para à CNN: “em todos os golpes que você vê na história, vão as
Forças Armadas na frente e o povo apoiando atrás. No 8 de janeiro houve uma
absoluta baderna patrocinada por alguns irresponsáveis. Não havia uma
liderança. Não havia uma palavra de ordem. Era como se uma agência de turismo
tivesse convocado desavisados para irem a Brasília pra fazer aquele
quebra-quebra. Não havia um líder. (…) Não se viu uma nota de nenhum comando
militar, uma nota de um general, uma nota de ninguém da reserva. A postura das
Forças Armadas foi absolutamente responsável”. Múcio defende a tese do “domingo
no parque” — a mesma defendida pelos ministros bolsonaristas do STF — e ainda
tem a audácia de afirmar que a postura dos militares foi “absolutamente
responsável”.
A fala é uma afronta à realidade dos fatos
levantados pelas investigações da CPI e da Polícia Federal. Não é aceitável que
Múcio permaneça à frente do ministério da Defesa. Uma demissão sumária é o
mínimo que deveríamos esperar de um governo comprometido com a democracia. Mas,
mesmo diante de tantos absurdos, Lula continua convicto de que Múcio é o homem
certo no lugar certo.
Como já se sabe há tempos, foi Múcio quem sugeriu a
Lula a implantação da Garantia da Lei e da Ordem, a GLO, para conter os
golpistas que invadiram os prédios dos Três Poderes. Essa medida daria
superpoderes para as Forças Armadas e, segundo o próprio Lula, seria a
consumação do golpe de estado. Ou seja, Múcio convidou o presidente para entrar
numa arapuca golpista. Lula rejeitou, mas segue confiando em quem ajudou a
armar a arapuca. Isso é inexplicável.
Nesta semana, tivemos novidades sobre a tentativa
de implantar o decreto golpista. A CPMI do Golpe descobriu novos detalhes que
escancaram o papel de protagonista das Forças Armadas na tentativa de romper a
ordem institucional. Após quebra de sigilo telemático do capitão de fragata da
Marinha, Elço Machado Neves, que é lotado no Ministério da Defesa, foi
encontrada uma minuta de decreto de GLO em seu email. Ele enviou o documento de
um email pessoal para o email funcional às 18:05 do dia 8 de janeiro.
No documento, entre os motivos descritos para a
adoção do decreto está a constatação de que a polícia militar do Distrito
Federal e da Força Nacional não eram “suficientes para conter os
manifestantes”. Ora, a polícia militar do Distrito Federal estava sob o comando
do ex-ministro de Justiça de Bolsonaro, que foi preso justamente por omissão e
conivência com os golpistas que invadiram os Três Poderes. Essa omissão
criminosa serviria como justificativa para a implementação da GLO, que seria o
ato final de um golpe de estado. Vejam como as peças do quebra-cabeça golpista
vão se encaixando perfeitamente. Depois da
intervenção federal, as forças de segurança do Distrito Federal
cumpriram seu papel e em poucos minutos resolveram a situação. Os invasores
golpistas foram retirados e presos. Este fato demonstra claramente que uma GLO
era totalmente desnecessária e só interessaria aos golpistas.
Mas ainda tem mais peças para encaixar no
quebra-cabeça. Desde o governo Bolsonaro, Elço Neves chefia a Coordenação de
Operações Conjuntas do Estado-Maior das Forças Armadas — cargo vinculado ao Ministério da Defesa.
Sua nomeação ocorreu depois que o comando da Marinha o colocou “à disposição do
Ministério da Defesa a fim de servir”, como está descrito em uma portaria
assinada pelo almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Força Naval.
Na semana passada, em depoimento à Polícia Federal, Mauro Cid disse que Garnier
apoiou as intenções golpistas de Bolsonaro e se mostrou disposto a acompanhá-lo
na empreitada. Entre os comandantes das Forças Armadas, Garnier era considerado
o mais alinhado ao ex-presidente.
O almirante nunca fez muita questão de disfarçar
seu espírito golpista: faltou à cerimônia de posse do novo presidente — fato
inédito na história da República — e também à cerimônia de posse do seu
sucessor no comando da Marinha. Mas, antes de sair, enviou uma mensagem a Múcio
dizendo ter “total confiança” nele. Aliás, o ministro da Defesa confessou que
já sabia da inclinação golpista de Garnier, mas minimizou dizendo ser apenas
uma “posição pessoal”.
Vamos amarrar os fatos: o comandante mais
bolsonarista e golpista das Forças Armadas colocou seu homem de confiança no
Ministério da Defesa. Esse homem continuou no governo depois da posse do
governo petista. Sob o comando e a confiança de Múcio, redigiu a minuta
golpista de GLO que o próprio Múcio sugeriu a Lula que assinasse. Esse
encadeamento de fatos deveria fazer com que Lula retirasse imediatamente Múcio
do ministério da Defesa, no mínimo, por omissão e conivência com o golpismo. No
máximo, por participação direta na tramoia golpista. Não há qualquer
justificativa razoável para que Lula o mantenha no cargo.
A tese de que o golpismo dentro das Forças Armadas
era um caso isolado não se sustenta sob qualquer ponto de vista. A cúpula dos
militares permitiu que os golpistas acampassem nos quartéis mesmo depois da
posse de Lula, sentou à mesa com Bolsonaro para discutir a possibilidade de um
golpe, atuaram diretamente para desacreditar as urnas eletrônicas e passaram
quatro anos de governo Bolsonaro vendo
os militares faturando alto com cargos em um governo que fazia ameaças golpistas
de maneira permanente. Ora, estamos falando das mesmas Forças Armadas que até
hoje chamam o Golpe de 64 de “revolução”. Afirmar que o golpismo é um caso
isolado dentro das Forças Armadas é como afirmar que a Terra é plana.
As Forças Armadas estão enfraquecidas e
desmoralizadas. A cada semana surgem novos elementos nas investigações que
evidenciam o envolvimento de militares com corrupção e golpismo. Esse é o
momento certo para enquadrá-los e isso passa inevitavelmente pela demissão de
Múcio. É compreensível a tentativa de Lula de distensionar as relações do
governo com as Forças Armadas. Faz parte do perfil pragmático do presidente
buscar a pacificação para poder governar com tranquilidade. Mas para tudo há um
limite. Estamos diante de um enfrentamento inadiável. Não é mais possível tolerar
militares golpistas enfiando a faca no pescoço da democracia e saindo sempre
impunes. Mas, ao que tudo indica, Lula parece disposto a continuar dormindo com
o inimigo.
Lula
quer mudar o mundo, mas esquece de resolver as múltiplas encrencas nacionais.
Por Elio Gaspari
Lula viajou pelos sete mares propondo uma nova
governança mundial para o meio ambiente, a reforma do Conselho de Segurança da
ONU e novas moedas para as transações internacionais. Tudo muito bonito, mas
quando ele voltar ao Planalto, terá um país onde coisas mais imediatas e graves
estão queimando nas panelas.
1) O Supremo Tribunal Federal e o Congresso estão
em curso de colisão com temas como o aborto e a demarcação de terras indígenas.
2) A base de apoio parlamentar do governo virou uma
paçoca, com o centrão pedindo a entrega a Caixa Econômica de “porteira
fechada”. Ou ainda o loteamento da Funasa.
3) A segurança pública nacional está acuada entre a
anomia e a selvageria. De um lado, o crime tornou-se um poder paralelo na
Amazônia. De outro, a Bahia tornou-se campeã nas estatísticas de letalidade
policial.
Da Bahia, vêm as notícias de que foram mortos “nove
suspeitos” numa operação contra traficantes realizada na periferia de Salvador.
O que vem a ser um “suspeito” morto? Essa figura pertencia à necropolítica do
Rio de Janeiro.
A Bahia tem governos petistas desde 2007. Um de
seus ex-governadores é o atual chefe da Casa Civil, outro lidera a bancada do
governo no Senado.
Nenhuma dessas mazelas foi criada pelos petistas.
Todas caíram nas suas costas e, enquanto não vem a reforma do Conselho de
Segurança da ONU, há uma visível paralisia do governo para lidar com os
problemas.
Não se pode pedir a Volodimir Zelenski que negocie
o acervo da Caixa Econômica com o doutor Arthur Lira. Também não se pode pedir
a Joe Biden que arbitre as relações do Congresso com o Supremo Tribunal. Lula é
quem precisa entrar em agendas nas quais parece estar ausente.
Lula elegeu-se com uma pequena diferença de votos
(1,8 ponto percentual) mas é o exclusivo mandatário do Poder Executivo. Num
contrapeso, assumiu com um Congresso à sua direita.
No Chile, o choque de realidade obrigou o
presidente Gabriel Boric a reequilibrar suas metas. No Brasil, essa busca está
emperrada alimentando-se de realidades paralelas como a do déficit zero em 2024
enquanto na vida real fechou-se agosto de 2023 com um rombo de R$ 104,6
bilhões.
No primeiro consulado petista, aquilo que pareciam
ser pequenas dificuldades ou ainda dificuldades alheias desembocou numa crise.
Faltou a percepção de que o governo precisa conversar ouvindo o outro.
O Supremo Tribunal que manteve Lula preso foi o
mesmo que anulou suas condenações.
À primeira vista, faltaria ao governo um coordenador
político. Se o problema estivesse na falta de uma pessoa, seria fácil de
resolver, mas o que falta é propósito. Ele existiu durante a campanha
eleitoral, quando Lula apresentou-se como um fator de pacificação e novas
ideias. Do candidato restou pouca coisa.
Ø Lula precisa escalar ministros que tenham afinidade com as suas pastas
O desempenho do governo Lula na área de política
externa vem alcançando sucesso, sobretudo porque reincluiu o Brasil no mapa
universal do qual foi afastado pelo governo Bolsonaro. Mas, no plano interno, o
resultado não tem sido tão positivo, embora tenham ocorrido avanços nas áreas
da Fazenda e do Planejamento.
Em muitos casos, porém, ministros nomeados por
indicação do Centrão não têm a mínima afinidade com os setores que ocupam, a
começar pelo ministro dos Esportes, que desconhece a história esportiva do
país, e não apareceu em qualquer momento em que as seleções de voleibol e de
ginástica olímpica lutam para classificar-se para a Olimpíada de 2024 em Paris.
O ministro André Fufuca chegou a dizer que os
resultados internacionais do esporte brasileiro são quase iguais a zero.
Esqueceu, por exemplo, o fato de o Brasil ser pentacampeão do mundo no futebol,
além de vários outros casos emblemáticos. O ministro das Comunicações,
Juscelino Filho, por sua vez, também não tem afinidade também com o setor.
Portanto, o rendimento não pode ser positivo para o governo e nem para o país.
Não basta preencher os cargos por indicação do
Centrão. É preciso haver o mínimo de critérios e ajustar pessoas com
conhecimento pelo menos básico. Sem isso, a administração não avança e o país
perde. Pelas nomeações fora de foco, a população não vê a realização de
projetos que poderiam beneficiar a todos.
Fonte: Por João Filho, para The Intercept/O Globo/Tribuna
da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário