terça-feira, 31 de outubro de 2023

Parto: Os riscos para mãe que come a placenta após dar à luz

A influenciadora Fernanda Lacerda, conhecida como "mendigata", apareceu em um vídeo numa rede social comendo a própria placenta após o parto de seu filho. Na imagem, ela alega que comer seria bom para a produção de ferro e combate à anemia, além de melhorar na produção de leite. No entanto, não há qualquer comprovação científica de que a ingestão de placenta possa trazer benefícios.

👉 A placenta é um órgão que faz a conexão entre a mãe e o bebê, facilita a troca de nutrientes e protege a criança das substâncias eliminadas pelo corpo da mãe.

A placentofagia -- o costume de ingerir partes do órgão ou ele por completo -- se tornou uma tendência e já foi reproduzida por famosas como as Kardashian e a atriz January Jones. Além da ingestão "in natura", há quem faça até cápsulas com partes do órgão.

A ingestão se baseia na crença de que ela possa trazer benefícios à saúde da mãe e do bebê. Segundo especialistas, porém, não há qualquer evidência de que isso seja verdade. Eles alertam ainda para os riscos de transmissão de doenças.

•        🔎 Um levantamento feito na Faculdade de Medicina de Northwestern, em Chicago, analisou dez pesquisas sobre o tema publicadas recentemente e disse não ter encontrado evidências de que o consumo de placenta ofereça proteção contra depressão pós-parto ou que reduza dores, dê mais energia, ajude na amamentação, promova a elasticidade da pele, auxilie no vínculo entre mãe e bebê, nem tampouco seja fonte de ferro para a mãe.

Não, não comam placenta. Tem muita modinha, mas ela é um tecido e pode transmitir doença. — Lígia Mascarenhas, ginecologista obstetra

Os especialistas alertam que o risco é maior no caso de mães com hepatite ou HIV, mas outras doenças infecciosas também podem ser transmitidas.

A ginecologista e obstetra Mariana Lemos Osiro ainda argumenta que, além de não ter estudos que comprovem os benefícios, as doenças que seriam "tratadas" pela ingestão de placenta já têm tratamento.

"A gente escuta esse argumento de que melhora na anemia, na produção de ferro na gestante, mas não temos qualquer base científica para isso. E já existe tratamento para essas questões".

Outro agravante é o fato de que, por se tratar de um tecido como qualquer outro, irá apodrecer se não estiver armazenado adequadamente, o que irá expor a mãe ainda mais a infecções.

 

Ø  Comer a placenta tem vantagens ou é perigoso?

 

A placenta é um órgão formado durante a gestação, responsável por produzir hormônios e proteger o bebê no útero, repassando a ele todos os nutrientes e o oxigênio de que precisa. Depois do parto, ela sai, junto com o bebê. Por conta de sua função e também por ser o principal elo de ligação da mãe com o bebê na barriga, muitas pessoas acreditam que consumí-la pode trazer benefícios à mãe e ao recém-nascido. A prática, que tem adeptos famosos, como Fernanda Lima e Bela Gil, tem até nome: placentofagia. Ela pode ser ingerida em preparados, como se fosse uma refeição mesmo, ou em forma cápsulas, com a placenta em pó, ou ainda nas formas de óleo, tintura e creme.

A prática, no entanto, divide opiniões de especialistas, já que não há estudos científicos que comprovem nem que faz mal ou que tenha benefícios. Médicos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA) não recomendam a ingestão de placenta, pois o ato pode levar à infecção por bactérias, como o estreptococo do grupo B, causando problemas graves nos pulmões, cérebro, sangue, ossos e articulações em bebês recém-nascidos.

A ingestão também é desaconselhada por médicos da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “Temos uma preocupação muito grande pela questão de transmissão de doenças, pois a placenta funciona como um filtro entre a mãe e o feto e algumas doenças podem acometer a gestação, como HIV, sífilis, hepatite viral. Com isso, este órgão pode ser um vetor de contaminação”, pontua a ginecologista Rivia Lamaita, membro da Comissão Nacional Especializada em Reprodução Humana da Febrasgo.

A médica alerta que não se sabe qual a melhor forma de preservar a placenta até a ingestão. “Como o órgão tem um fluxo sanguíneo muito grande, se não for corretamente preparado, pode conter a presença de bactérias e levar à contaminação da mãe e do bebê, já que algumas doenças se transmitem pelo leite materno. Mas não temos nenhuma fórmula para conservar a placenta ou garantir que ela não vá trazer nenhum problema", explica.

A médica confirma que, do ponto de vista da ciência, não há evidência de nenhum benefício na ingestão do órgão. “Nem nutricional, nem hormonal, nem para reduzir a dor ou o risco de depressão pós-parto", afirma.

Rivia observa que a prática cresceu nos últimos anos, com a busca pela humanização do parto, e que, apesar de a opção de ingerir a placenta não se recomendada, é um direito da mulher. “Não podemos negar, apenas orientar sobre os riscos e desestimular. Porém, se for o desejo da paciente, ela deve informar o seu médico e o hospital, pois existe um protocolo para isso e é necessário autorização prévia", diz.

·         Mais leite, mais energia, menos depressão. Será?

Apesar da ausência de evidências científicas, existem até profissionais que defendem o consumo da placenta e ajudam as mulheres a prepará-la para isso. São as chamadas ‘placenteiras’, que manipulam o órgão e treinam outras mulheres para fazer o mesmo.

Segundo os adeptos, a ingestão melhora a produção de leite, dá mais energia e diminui os sintomas da depressão pós-parto. É possível consumi-la em cápsulas (seca, desidratada e em pó), em tintura (extrato líquido), óleo e ainda em creme para a pele, da mãe e do bebê.

A ginecologista e obstetra Melania Amorim, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ressalta que a ciência não conseguiu demonstrar nenhum benefício com a ingestão da placenta, mas, tampouco, malefícios. “Sou cientista e não acredito que haja efeitos benéficos na prática. Só defendo, como feminista, que a placenta é da mulher e que ela tem o direito de fazer o que quiser com ela, já que não há comprovação de efeitos maléficos. Desde que não seja uma placenta infectada", explica.

Para a médica, há uma forte simbologia envolvida nesta prática. “Por ser o órgão que abriga e nutre o bebê, quem consome acredita que pode haver melhora da anemia em longo prazo, com as cápsulas ou no consumo imediato, redução de hemorragia etc. Nada disso foi cientificamente comprovado. Porém, também não há evidência de efeitos adversos", aponta.

A pesquisadora, aliás, contesta o termo placentofagia. “Há quem pense que a pessoa pega a placenta e come aos bocados, como fazem os animais - e não é isso. Até parece que as mulheres estão pegando a placenta e consumindo toda, como se fosse um ato de antropofagia. Este termo não inclui todas as práticas”, aponta Melania.

Ela diz que é como um ritual, que pode envolver crenças espirituais e de saúde. “A minha placenta eu enterrei e plantei simbolicamente uma árvore por cima, que ficou sendo ‘a árvore de Joaquim’ [filho dela, hoje com 10 anos]. É uma forma de eternizar o órgão, sem, necessariamente, ingeri-lo. Outra maneira de criar uma lembrança é o ‘carimbo da placenta’, técnica em que ela é usada para fazer uma espécie de “print” em um papel, Como o formato da placenta com o cordão umbilical lembra o de uma árvore, muitas pessoas chamam o desenho de “árvore da vida”.

 

Fonte: g1/Crescer

 

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