O bobo da corte favorito de Henrique 8º, o rei que teve 6 esposas
O rei da Inglaterra Henrique 8º (1491-1547) ficou
famoso pela sua determinação para cortar a cabeça de quem quer que se opusesse
a ele, incluindo uma série de ex-amigos e pessoas íntimas – como duas das suas
seis esposas.
É fácil imaginar que, para manter a cabeça no lugar
na corte real naquela época, era preciso se manter vigilante e cuidar bem do
que falar.
Mas houve uma figura que atravessou de forma
aparentemente tranquila os sangrentos anos finais do reinado de Henrique 8º e
seus sucessores igualmente violentos: o bobo da corte, Will Somers.
Somers morreu em paz durante o reinado de Elizabeth
1ª (1533-1603), após uma longa e bem sucedida carreira na corte dos Tudor. A
história deste sobrevivente é contada pelo historiador sueco Peter Andersson no
livro Fool: In Search of Henry VIII's Closest Man ("Bobo:
em busca do homem mais próximo de Henrique 8º", em tradução livre).
Para escrever sobre Somers, Andersson enfrentou
dois problemas bastante sérios. O primeiro é que não sabemos quase nada sobre
ele. Existem diversas menções fortuitas, casos isolados sem importância e
registros contábeis – nada que acrescente muita informação.
Além disso, o que sabemos é que sua missão era
fazer as pessoas rirem. Mas o gênero cômico da era dos Tudor não envelheceu
bem, para dizer o mínimo.
Várias anedotas da época tinham seu ponto alto
quando um homem urinava nas calças. Andersson escreve, quase se justificando:
"você precisava estar lá". Mas talvez seja melhor não ter estado.
Reunir em um livro de 200 páginas o pouco que temos
disponível sobre Somers é uma tarefa hercúlea – e, às vezes, acabam ocorrendo
falhas na sua execução.
Andersson, de fato, recorre a muitos estudos
históricos e literários para interpretar o mundo de Somers – e ensina que esse
mundo é quase tão interessante quanto o livro de piadas dos Tudor.
O autor precisou procurar informações de forma
bastante ampla, buscando não apenas os fatos concretos, que são poucos e
preciosos, mas também "coisas que soam como verdadeiras", uma
categoria alarmantemente extensa. Mas, ainda assim, ele está na pista de alguma
coisa.
Andersson nos mostra que o bobo da corte era uma
categoria de ser incomum.
Muito diferente do palhaço, que sai para fazer as
pessoas rirem e faz parte da piada, o bobo da corte entra na comédia por
engano. Qualquer pessoa que quiser saber mais sobre esta figura, curiosamente
central na vida dos Tudor, irá encontrar utilidade no livro de Andersson.
·
O 'pet' do rei
Como muitos outros bobos da corte, Somers tinha a
fama de ser temperamental e, às vezes, atacar a pessoa errada quando estava
perturbado.
O mais incomum é que ele tinha a fama de adormecer
em momentos inoportunos.
Nada disso seria tolerado, por um momento que
fosse, em um membro normal da corte – e esta, provavelmente, era a questão.
Somers era um "antimembro" da corte e seu
mau comportamento era perdoado como se fosse um animal de estimação. E, de
fato, existe uma história que conta que ele dormia com os cães spaniel do rei.
Os livros contábeis demonstram que Somers era uma
presença apenas intermitente na corte, já que, provavelmente, poucas tolices
duram por muito tempo.
William Somers aparece no canto direito deste
retrato de Henrique 8º e sua família.
Os retratos que chegaram até nós mostram que Somers
era imberbe como uma criança. Seu cabelo era curto como o de um homem louco da
época.
Infelizmente, ele parece não ter usado os chapéus
enfeitados com guizos que imaginamos, mas sim roupas caras e distintas,
elaboradas para ele, que o diferenciavam visualmente dos seres humanos normais
da corte.
Somers se vestia principalmente de verde e suas
roupas eram aparentemente cobertas de botões de seda de cores brilhantes,
trazidos para ele às centenas. Tudo isso indica que ele não estava ali
particularmente pelos seus gracejos espirituosos, mas para ser observado e
ridicularizado, para que as pessoas rissem dele.
E também, ao que parece, para receber socos e
pontapés. A comédia da época não era sofisticada.
Em uma das últimas fontes disponíveis, Somers conta
que o rei "bateu na minha orelha, o que me fez atravessar três cômodos,
cair quatro lances de escadas e atingir cinco barris, até o fundo da
adega." Parece roteiro de desenho animado.
Como diz o Napoleão do ator britânico Ian Holm no
filme Os Bandidos do Tempo (1981), de Terry Gilliam: o gênero
cômico trata de "coisinhas batendo umas nas outras".
Não surpreende que o músico e dramaturgo da corte
de Henrique 8º, John Heywood (1497-1580), sentisse ciúmes ao ver suas próprias
obras encomendadas não serem produzidas, enquanto a corte gargalhava com este
tipo de coisa. Seria como dispensar Shakespeare e substituí-lo por um grupo de
anões lutadores.
·
Ninguém é bobo
Mas o que tornou Somers tão memorável foi que os
membros da corte nunca conseguiam decidir o que ele realmente era. Eles se
perguntavam repetidamente se ele seria um "bobo natural" ou
"artificial". Afinal, a piada era sobre Somers ou sobre eles próprios?
O livro de Andersson é difícil em alguns trechos,
mas este quebra-cabeça central estimula a leitura e mantém o leitor tentando
adivinhar a resposta até o final.
O livro de Peter K. Andersson leva o leitor a se
perguntar até o final se William Somers era um bobo 'natural' ou 'artificial'.
Vamos considerar o gracejo mais famoso de Somers.
Um dia, quando o rei lamentava sua pobreza, Somers
disse que era porque ele contratava muitos "trapaceiros, corruptos e
farsantes". Mas, para afirmar isso, ele usou trocadilhos com as palavras
inglesas "auditor", "surveyor" ("inspetor") e
"receiver" ("tesoureiro").
Teria alguém ensinado a ele esses trocadilhos, como
se ensina um papagaio a falar palavrões? Ou ele era mais perspicaz do que
parecia?
Andersson não acredita nesta última possibilidade.
Para ele, Somers era realmente um "bobo natural", "que dizia o
que vinha à mente e, de vez em quando, esbarrava acidentalmente em uma frase
engraçada ou dizia involuntariamente algo que poderia conter sinais de
comédia."
Não tenho tanta certeza. Se as pessoas que o
conheceram não conseguiam decidir o que ele era, parece insensato para nós
fazer este julgamento.
De longe, a citação mais bem comprovada de Somers –
para a qual temos três testemunhas independentes – diz que ele não respeitaria
nada que ele próprio houvesse dito. Ou seja, ele nos alertava para que não
acreditássemos em uma palavra que viesse dele.
É bom relembrar esta citação durante a leitura do
livro. Afinal, será que a piada é sobre ele ou sobre nós?
Fonte: Por Alec Ryrie, para The Conversation
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