Mario Sabino: Pelo direito de xingar governantes defensores da
democracia
A ditadura militar brasileira sentia-se ameaçada
por intelectuais e humoristas. A democracia brasileira sente-se ameaçada por
youtubers e humoristas. Intelectual, hoje, é o sujeito que lê um livro e meio
por ano — a metade do segundo não é necessariamente lida no ano seguinte. Ainda
que esse intelectual quisesse, ele não teria tempo para ameaçar ninguém.
O humorista mais perigoso para a democracia brasileira
é Léo Lins. Faz piadas com minorias e grupos vulneráveis. Quer dizer, faz piada
contra. A preposição é porque as suas piadas seriam crimes de ódio, preconceito
e discriminação. Imagino que, no Brasil, um humorista como o inglês Ricky
Gervais seria condenado inapelavelmente, em processo aberto de ofício para
colocá-lo na prisão. Executado, talvez.
Na semana que termina, o ministro André Mendonça
suspendeu a censura prévia que impedia Léo Lins de fazer o show suspenso pela
Justiça de São Paulo e também de contar as suas piadas não importava onde. Como
é “sem prejuízo da regular continuidade de eventual inquérito policial ou ação
penal em curso, decorrente ou conexo ao processo”, Léo Lins tem, que maravilha,
a opção da autocensura — a mais efetiva forma de censura.
Ao que parece, contudo, o humorista não se compara,
em termos de periculosidade, ao youtuber Monark. Já escrevi neste espaço que é
tão ridículo censurar o youtuber, que isso desmoraliza a própria censura.
Repito o argumento:
“Monark é mais um egresso da turma do fundão a quem
a internet deu holofote, sem que isso signifique absolutamente nada para o
mundo. Ele pode ter milhões de seguidores e espectadores, mas não é
influenciador de coisa nenhuma e a sua periculosidade é a mesma de um yorkshire.
O público de Monark está interessado apenas na irreverência boboca do velho
adolescente que ganha dinheiro zoando políticos e autoridades. Como é que a
democracia brasileira pode se sentir ameaçada por Monark?”
Não adianta. A democracia brasileira continua a
erguer da Justiça a clava forte para bater em Monark. As lorotas que ele conta,
as bobagens que ele diz, abalam os sólidos fundamentos das instituições. Os
xingamentos também. Uma juíza paulista aceitou a queixa-crime formulada pelo
ministro da Justiça, Flávio Dino, contra o youtuber.
O ministro da Justiça, veja você, subiu nas
tamancas porque Monark o chamou de “gordola”, depois de ter as contas
bloqueadas nas redes sociais pelo ministro Alexandre de Moraes. Verdade que o
youtuber chamou Flávio Dino de outras coisas feias, como “filho da puta” e
“bosta”, mas parece que o que pegou mesmo foi o “gordola”.
“Esse
gordola vai te escravizar, você vai ser escravizado por um gordola, mano”,
disse Monark. Ele acrescentou que o ministro da Justiça “não duraria na rua um
segundo, não consegue correr nem cem metros” e que “põe ele na floresta ali
para ver se ele sobrevive com os leões”. Quem sobreviveria, não é mesmo (na
savana, não na floresta)?
A potestade do governo do PT acusa o youtuber dos
crimes de calúnia e de difamação, além de atentar contra a sua honra. Na minha
opinião, mais do que pesadas, são acusações obesas em relação aos adjetivos
ginasianos empregados por Monark e às suas imagens maconheiro-literárias.
Ninguém gosta de ser xingado, nem precisa gostar.
Se você ocupa um cargo público, no entanto, um cargo que lhe confere muito
poder, teria de compreender, acho eu, que o cidadão que não gosta de você e
está contrariado com uma decisão sua, tem o direito de xingá-lo. Não de
acusá-lo, sem provas, de ter cometido crime ou qualquer coisa que o valha —
apenas de soltar uns palavrões contra você e de tentar ridicularizá-lo.
Na democracia, o poder não deveria coibir que
alguém extravasasse verbal e publicamente o seu desagrado com um poderoso,
inclusive com o baixo calão e outras invectivas do gênero. A liberdade de
expressão serve para proteger — principalmente — quem incomoda governantes, com
ou sem grosserias que não ultrapassem os limites previstos no código penal. Se
Monark fosse um jornalista respeitável, um grande empresário, um formador de
opinião de peso, até daria para entender a braveza do ministro e a sua
queixa-crime. Mas as opiniões (estou sendo generoso) do youtuber não conseguem
correr nem cem metros, e o “gordola” não teria ido além de cinquenta metros,
tivesse Flávio Dino ignorado o epíteto, assim como a juíza que aceitou a
queixa-crime.
Nos últimos tempos, é com grande esforço que saio
da Grécia e da Roma Antigas. Ando lendo mais de um livro e meio por ano de
autores gregos e latinos, embora não seja um intelectual. É fascinante e
instrutivo. Educativo, mesmo.
Na Roma republicana, havia assembleias populares
convocadas por magistrados. Nelas, os representantes do populacho, a plebe,
aceitavam ou rejeitavam as propostas de leis que lhes eram levadas pelos
senadores. Eles só não podiam modificá-las. O dado que interessa aqui é que
tinham o direito de insultar os políticos como bem entendessem, sem nenhum tipo
de impedimento, censura ou retaliação.
Isso porque, entre os romanos, as imprecações contra
políticos e entre políticos eram vistas como forma de urbanidade, em
contraponto à rusticidade dos bárbaros que habitavam além do Rubicão. Havia
sabedoria aí: os xingamentos eram uma forma de evitar o acúmulo de rancor e de
manter a paz social, pelo menos no curto e médio prazos, o que na Antiguidade
eram prazos até seculares. Mas Roma não era uma democracia, entendo.
<><> Justiça aceita queixa-crime de
Flávio Dino contra Monark por calúnia
A juíza federal Maria Isabel Prado, da 5ª Vara
Federal Criminal de São Paulo, aceitou a queixa-crime formulada pelo ministro
da Justiça, Flávio Dino, contra o youtuber e podcaster Bruno Aiub, o Monark,
que em junho deste ano o chamou de “gordola” e “filho da puta”.
Dino acusa Monark de calúnia, difamação e crime contra
a honra. A decisão da juíza se deu após manifestação favorável à ação feita
pelo Ministério Público Federal.
Monark terá dez dias para apresentar sua defesa por
escrito. Maria Isabel disse, em sua decisão, que “a inicial de acusação contém
a exposição de fato que, em tese, configura infração penal” e, por isso, mandou
a ação prosseguir.
A juíza também se reconheceu como competente para
analisar o caso na Justiça Federal pelo fato de Dino ser ministro de Estado.
As falas de Monark foram proferidas durante uma
live, após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes
bloquear suas contas em redes sociais.
“Esse gordola vai te escravizar, você vai ser
escravizado por um gordola, mano”, disse o youtuber.
A pena por calúnia, segundo o Código Penal, é de
detenção de seis meses a dois anos e pagamento de multa.
Ø Cassado, Deltan se filia ao
partido Novo ao lado de Zema
O deputado federal cassado Deltan Dallagnol
oficializou sua filiação ao Novo neste sábado, 30, durante o sétimo encontro
nacional do partido. A legenda anunciou uma nova marca. Não abandonou o
laranja, mas agora também já usa o azul como cor oficial do partido.
Para recrutar o ex-procurador da Lava Jato, a
comissão executiva nacional do Novo precisou abrir uma exceção ao seu próprio
estatuto, uma vez que o documento proíbe a admissão de brasileiros que não
estejam no pleno gozo dos direitos políticos, que seria o caso do ex-deputado.
Ele participou de encontro nacional do Novo,
realizado em São Paulo, que teve a presença do governador de Minas Gerais,
Romeu Zema, recebido com gritos de "ole, olá, Zema", em momento em
que o mineiro foi apresentado. O governador é cotado para se lançar à
Presidência da República em 2026.
Em discurso no evento, Deltan exaltou a nova
legenda e falou em "lutar contra os donos do poder".
Em seu discurso ao lado do presidente nacional
Eduardo Ribeiro e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, Dallagnol criticou
a decisão que o cassou e disse que a volta do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva à Presidência é um "retrocesso". Questionado sobre a perda de
seus direitos políticos, o deputado cassado argumentou que, segundo vários
juristas, ele não perdeu os seus direitos políticos, uma vez que somente a sua
candidatura foi anulada. "Eu permaneço elegível, mas a minha elegibilidade
vai ser discutida a cada eventual campanha eleitoral", disse.
"Eu decidi me filiar ao Novo porque encontrei
um time de pessoas patriotas e idealistas, que lutam com coragem por pautas em
que eu acredito, como a defesa da família e da vida, o combate à corrupção, a
oposição ao PT, limites para o Supremo Tribunal Federal, o aumento do emprego e
da renda, a defesa da liberdade de expressão e a colocação de bandidos de todo
o tipo na cadeia e não na presidência da República", afirmou em depoimento
em vídeo.
Nas redes sociais, o Novo definiu Deltan como
aquele que "comandou a maior operação de combate à corrupção da história,
e conseguiu um feito inédito no Brasil: colocar políticos e poderosos atrás das
grades".
"Para que o país dos nossos sonhos se torne
realidade, é preciso coragem para enfrentar o sistema. É preciso de gente
correta, competente e unida, caminhando na mesma direção", escreveu o
partido.
Deltan foi o mais votado do Paraná à Câmara em
2022, mas teve o mandato de deputado federal cassado por unanimidade em maio
pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em ação decorrente de representação da
Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV) e do PMN, que afirmava que ele
não poderia ter deixado a carreira de procurador da República para entrar na
política porque respondia a sindicâncias, reclamações disciplinares e pedidos
de providencias junto ao Conselho Nacional do Ministério Público.
Dallagnol afirma, porém, que disputar um novo
mandato não está em seus planos no momento. Dentro do Novo, ele vai ocupar o
cargo de embaixador do partido, com o objetivo de trazer e formar novas
lideranças. "Se nós queremos transformar o Brasil, nós precisamos começar
a fazer isso por meio da política, esse é o começo, é o ponto de partida de
tudo", disse o ex-deputado, que titubeou ao ser questionado sobre uma
eventual ida do senador Sérgio Moro (União Brasil) ao novo.
As críticas ao presidente Lula e a atuação do
Supremo Tribunal Federal (STF) também marcaram o evento do Novo. Membros da
cúpula do partido acusaram o Supremo de estar "atropelando o Congresso
Nacional". Para os integrantes do partido, a agremiação é a única que
"tem coragem para enfrentar os donos do poder". Já o presidente Lula
foi chamado de ladrão por diferentes membros do partido, como o deputado Marcel
Van Hattem e a economista Marina Helena.
O slide de powerpoint que Dallagnol apresentou à
imprensa durante a Lava Jato, em 2016, para acusar Lula de comandar o esquema
de corrupção na Petrobras chegou a ser exibido no evento. Neste momento, o
publico gritava "Lula ladrão, seu lugar é na prisão". Logo em
seguida, a arte foi trocada por um novo slide que relacionava o Novo a condutas
éticas. "E não queria decepcionar tantos de vocês que pediram, que gostam
dos meus powerpoints. Solta o powerpoint", ironizou.
A esposa do ex-deputado, Fernanda Dallagnol, também
se filiou ao partido. Ela é cotada para disputar a Prefeitura de Curitiba nas
eleições do ano que vem. Segundo Dallagnol, a entrada de Fernanda na política
acontece, sobretudo, em função de sua cassação. "Dentro da ideia de que
quando um soldado cai, outro entra no seu lugar. E, por isso, ela se filiou,
ela tem se preparado", disse.
Dias antes do ato, João Amoêdo, ex-presidente do
Novo, fez uma crítica à legenda, citando, entre outros pontos, que o partido
fundado para melhorar a vida do cidadão por meio da gestão pública "se
dispõe a filiar quem não é ficha limpa", o que classificou como estratégia
oportunista de obter votos de eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após perder o mandato, Deltan foi convidado pelo
Podemos, ao qual era filiado, para exercer uma função remunerada no partido,
coordenando a formação de novos líderes políticos.
·
Partido Novo muda marca e aciona cor azul
No encontro nacional, o partido Novo também lançou
sua nova identidade visual. A principal mudança na marca foi a incorporação da
cor azul, além da adição do slogan "A gente respeita o Brasil"
acompanhado da bandeira nacional. Segundo Marina Heleno, responsável pela
equipe que elaborou a mudança, a cor principal do Novo segue sendo o laranja,
porém com novas possibilidades de aplicação.
De acordo com o presidente do Novo, Eduardo
Ribeiro, o lançamento da nova identidade visual é acompanhado de um
reposicionamento político da sigla. Segundo ele, o contexto político atual é
diferente do cenário observado quando o partido foi criado em 2011. Por isso, o
Novo precisou mudar, mas segue se guiando pelos principais liberais. As
mudanças, porém, desagradam um dos fundadores do partido, João Amoêdo, que deixou
a legenda no ano passado.
Em seu perfil no X (antigo Twitter), Amoêdo
criticou a filiação de Dallagnol e a gestão do governador mineiro Zema.
"Do Novo original, restou apenas o nome", escreveu. Questionado sobre
as críticas do antigo colega, Ribeiro disse que a maior contradição que vê é
"alguém que fundou um partido liberal, ter votado no Lula no segundo
turno", em alusão a declaração de voto de Amoêdo nas eleições do ano
passado.
Já o governador Zema se limitou a uma breve fala
durante o evento. Ele defendeu que a siga foque nas eleições municipais do
próximo ano. Para Zema, antes de pensar na eleição presidencial, o Novo precisa
pavimentar o caminho por meio da eleição de prefeitos. "Esqueçam, por
favor, o ano de 2026. Vamos focar em 2024?, disse.
Fonte: FolhaPress/Agencia Estado
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