Exame de sangue detecta transtorno bipolar, mostra pesquisa
Pessoas com transtorno bipolar passam por episódios
de depressão e mania, e o diagnóstico costuma ser feito em torno dos sintomas
apresentados nessas duas fases. No entanto, a avaliação, mesmo realizada por
profissionais, pode falhar quando o quadro do paciente não é claro. Com o
objetivo de tornar mais rápida e precisa a detecção da doença mental,
cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, criaram uma abordagem
que inclui um exame de sangue, para facilitar o processo. Segundo a pesquisa,
detalhada nesta quarta-feira (25/10), na revista Jama Psychiatry, a amostra
sanguínea, sozinha, consegue diagnosticar até 30% dos casos. A novidade é
considerada um avanço por especialistas, e pode agilizar o tratamento adequado.
Segundo a pesquisa, o transtorno bipolar acomete 1%
da população, cerca de 80 milhões de pessoas em todo o mundo. Todavia,
aproximadamente 40% dos pacientes é diagnosticado de maneira errada, como se
sofressem de depressão. Para Jakub Tomasik, primeiro autor do trabalho e
pesquisador sênior de Cambridge, um teste sanguíneo, como o criado por eles, é
uma ferramenta mais rápida e objetiva para a detecção do distúrbio.
"Poderia melhorar substancialmente a
eficiência do diagnóstico, reduzir a carga de trabalho dos médicos e permitir a
seleção do tratamento correto muito cedo no processo terapêutico. Isso não
apenas melhoraria os resultados para os pacientes, mas representaria um passo
significativo em direção a um atendimento de saúde mais personalizado na
psiquiatria", ressaltou o pesquisador.
Para o trabalho, a equipe usou amostras e dados de
um estudo anterior, chamado Delta, realizado no Reino Unido entre 2018 e 2020.
O objetivo da análise das informações era identificar o transtorno bipolar em
pacientes que receberam um diagnóstico de depressão nos cinco anos anteriores e
apresentavam sintomas da doença à época do ensaio. Em seguida, mais de 3 mil
voluntários foram recrutados, e cada um deles completou uma avaliação on-line
sobre saúde mental com mais de 600 perguntas. O questionário incluiu uma série
de tópicos, como episódios depressivos, ansiedade generalizada, mania,
histórico familiar ou abuso de substâncias.
• Mania
Após examinar as respostas do questionário, os
pesquisadores selecionaram 1 mil pacientes para enviar uma amostra de sangue
seco, obtida a partir de uma pequena picada no dedo. O grupo, então, analisou o
material, observando mais de 600 metabólitos diferentes com uma técnica chamada
espectrometria de massa. Após completar a Composite International Diagnostic
Interview, uma ferramenta estruturada e validada para estabelecer diagnósticos
de transtornos de humor, 241 participantes se destacaram.
Tomasik conta que os pesquisadores, então,
compararam a composição molecular das amostras de pacientes diagnosticados com
transtorno bipolar à daqueles com depressão, usando a análise metabólica do
sangue para encontrar biomarcadores do primeiro. "Isso resultou na
detecção de 17 biomarcadores que poderiam diferenciar as duas condições."
Os marcadores biológicos encontrados foram
correlacionados, principalmente, com sintomas de mania ao longo da vida e
validados em um grupo separado de pacientes. A equipe notou, ainda, que a
combinação das informações relatadas e o exame de sangue melhorou
significativamente os diagnósticos para pessoas com bipolaridade, sobretudo
para aquelas cujo quadro não era óbvio. "Isso é importante porque os
sintomas depressivos nesses pacientes são indistinguíveis, e as duas condições
requerem terapêuticas muito diferentes. Tratar incorretamente pacientes com
transtorno bipolar com antidepressivos pode piorar a saúde mental,
possivelmente induzindo episódios maníacos ou resultando em falta de
resposta", reforçou o primeiro autor do estudo.
• Potencial
para uma variedade de condições mentais
De acordo com Fábio Leite, psiquiatra do Hospital
Santa Lúcia Norte, em Brasília, encontrar os marcadores da bipolaridade ajuda,
sobretudo, a descobrir a condição sem precisar esperar que os sintomas se
tornem muito aparentes. "Nem sempre o paciente apresenta de maneira
inicial os sintomas de hipomania. A pessoa só pode ser considerada bipolar, de
forma categórica, se tiver um episódio de mania. A grande questão é que muitos
pacientes com transtorno depressivo são bipolares, mas que nunca apresentaram
um episódio maníaco. Ainda demora muitos anos até o diagnóstico e, às vezes, a
descoberta é feita ocasionalmente. Esses biomarcadores representam uma
tentativa de um diagnóstico precoce para a pessoa não ficar tanto tempo
sofrendo sem saber da bipolaridade e por isso não ter o tratamento
adequado."
Para a psicóloga Alessandra Araujo, da Clínica
Vitae, em Brasília, a abordagem dos pesquisadores da Universidade de Cambridge
poderá servir para outros transtornos no futuro. "Muitas vezes, o paciente
passa por algumas hipóteses diagnósticas, que levam a um plano de tratamento
errado, não adequado para a psicopatologia que ele enfrenta. Tendo a
possibilidade de uma resposta mais exata por meio do exame, a terapêutica
também será mais assertiva, trazendo uma melhora significativa. Exames que
envolvem a análise de metabólitos e biomarcadores têm o potencial de serem
utilizados em uma variedade de diagnósticos. Isso ocorre porque os metabólitos
refletem as alterações bioquímicas que ocorrem em várias condições de
saúde."
Conforme os cientistas, ainda há várias etapas
antes que o teste possa ser usado clinicamente. Inicialmente, as descobertas
exigem uma extensa validação em grupos maiores e mais representativos de
pacientes. "Além disso, a tecnologia precisa ser otimizada e simplificada
para os biomarcadores-alvo, garantindo facilidade de uso e identificação
precisa", esclarece Jakub Tomasik, principal autor do estudo publicado na
revista Jama. O teste ainda deve cumprir rigorosos padrões regulatórios para
obter as aprovações das agências de vigilância em saúde, processo demorado, que
pode levar vários anos antes que um produto chegue ao mercado, pondera o
pesquisador.
>>>> Palavra de especialista / Risco de
psicose - Silvia Marchant, psiquiatra do hospital Anchieta, em Brasília
"De forma simplificada, há dois tipos de
transtorno bipolar, tipo 1 e tipo 2. O tipo 1 envolve pelo menos uma alteração
grave que leva o paciente a ter uma fase maníaca na vida. Nas noites de sono,
de descanso, ele fica hiperativado com pensamentos rápidos e tem uma grande
chance de perda de contato com a realidade, então nesses casos há chance de uma
psicose. Costuma ter bastantes ideações religiosas, pensamentos de conteúdo
maníaco, de elevação de humor, de riqueza, consumo e hipersexualidade, varia
conforme o paciente. O tipo 2 é hipomaníaco, às vezes é bem difícil de reconhecer.
Um paciente bipolar pode levar até 10 anos para ter o diagnóstico, porque ele
chega no consultório na fase em que ele está deprimido, depressivo. Ele
experimenta duas fases, depressão e mania, ou depressão e hipomania. Pode ser
um hipomaníaco funcional, então é uma fase que ele está um pouco acelerado, mas
não como no no tipo 1."
Fonte: Correio Braziliense
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