terça-feira, 26 de setembro de 2023

Floresta amazônica só existe por causa da presença indígena, revela estudo

A Floresta Amazônica, conhecida por sua exuberante vegetação, esconde segredos há muito tempo investigados por cientistas. Uma descoberta recente, divulgada na revista Scientific American, revelou um elo crucial entre a presença ancestral de comunidades indígenas e a criação de um solo rico e fértil na região. O solo amazônico, notoriamente escuro e chamado de “terra preta”, tem sido objeto de especulação quanto à sua origem, mas um estudo interdisciplinar liderado por cientistas e colaboradores indígenas lançou luz sobre esse mistério.

“Isso pode mudar tudo”, afirma Lucas Silva, cientista ambiental da Universidade de Oregon, em referência ao estudo. Ele destaca que se as conclusões do estudo se confirmarem, será a primeira evidência da produção humana da Terra Preta, um feito que outros poderão buscar replicar. Entretanto, ele expressa cautela quanto à complexidade do processo, sugerindo que ainda há muito a ser compreendido.

A Terra Preta da Amazônia é conhecida por sua coloração escura, riqueza em nutrientes e alto teor de carbono orgânico, tornando-a um solo altamente fértil. O solo é fundamental para o crescimento de culturas devido ao seu rico conteúdo de fósforo, nitrogênio e cálcio. Além disso, devido ao seu acúmulo de carbono, os cientistas consideram a Terra Preta como um importante reservatório de carbono, contribuindo para a captura de gases de efeito estufa.

A presença de carvão, matéria orgânica proveniente de restos de alimentos e artefatos antigos, como cerâmica, em locais próximos a sítios arqueológicos sugeria que antigas civilizações contribuíram para a formação da Terra Preta. Contudo, a questão central debatida entre pesquisadores era se esse processo ocorreu de forma intencional ou por acaso devido às práticas das civilizações. Algumas teorias sustentavam que os nutrientes se acumularam naturalmente no solo ao longo dos milênios, antes da intervenção humana.

Para investigar a origem desse solo especial, Morgan Schmidt, arqueólogo e geógrafo da Universidade Federal de Santa Catarina, liderou uma equipe que concentrou suas análises na Terra Indígena Kuikuro, localizada no sudeste da Amazônia brasileira, nas margens do alto rio Xingu. Os pesquisadores coletaram amostras de solo de quatro sítios arqueológicos, bem como de aldeias históricas e uma aldeia moderna chamada Kuikuro II. As datas de radiocarbono indicaram que as amostras mais antigas tinham 5.000 anos, enquanto a maioria variava de 300 a 1.000 anos.

Comparando o solo das áreas residenciais com o solo periférico, os pesquisadores descobriram que o solo nas áreas habitadas continha mais do que o dobro de carbono orgânico e tinha um pH menos ácido, tornando-o mais fértil. Além disso, as amostras residenciais continham concentrações mais elevadas de elementos químicos associados à intervenção humana, como fósforo, potássio e cálcio. Esses resultados sugerem que práticas humanas modernas nas aldeias continuam a criar Terra Preta. Os pesquisadores calcularam cerca de 4.500 toneladas de carbono armazenado no solo de um sítio arqueológico, enquanto a vila moderna tinha 110 toneladas de carbono armazenadas em montes de solo.

Para entender como os Kuikuro modernos criam Terra Preta, a equipe de Schmidt trabalhou em estreita colaboração com membros da comunidade, incluindo Taku Wate Kuikuro, co-autor do estudo. Eles observaram como os moradores coletavam resíduos de peixe e mandioca em grandes lixeiras que podiam chegar a 60 centímetros de altura. Com o tempo, a matéria em decomposição enriquecia o solo. Os agricultores utilizavam esse solo para cultivar culturas que prosperavam nele. Além disso, os Kuikuro espalhavam deliberadamente cinzas orgânicas, carvão e resíduos de mandioca, conhecidos como ilũbepe (ou “o que eram cinzas”), para fertilizar o solo e criar Terra Preta para o cultivo futuro.

Os novos resultados têm implicações significativas para as comunidades indígenas da região, fornecendo insights sobre como a Terra Preta é formada e enriquecida. Taku Wate Kuikuro, que desempenhou um papel crucial na entrevista com moradores e nas escavações arqueológicas, afirma que essa descoberta é importante para sua comunidade. “Agora, sabemos o que realmente acontece com a terra… quantos anos ela tem e por que é boa para cultivo”, diz ele, acrescentando que outras aldeias também estão interessadas em participar da pesquisa.

Morgan Schmidt enfatiza que existem evidências substanciais de que a Terra Preta está relacionada a grupos indígenas antigos na Amazônia, mas este estudo marca a primeira documentação científica de sua formação na era moderna. Embora o estudo tenha recebido elogios pela abordagem etnográfica inovadora, persistem questionamentos sobre se as práticas das antigas civilizações eram idênticas às dos Kuikuro modernos. A busca por respostas continuará, com a necessidade de esclarecer o processo moderno de produção de Terra Preta em outras aldeias da Amazônia. Lilian Rebellato, geoarqueóloga da Universidade Federal do Oeste do Pará, destaca que é essencial investigar mais a fundo, a fim de rastrear esse conhecimento ao longo do tempo e em diferentes partes da região amazônica, com o objetivo de resolver este intrigante debate científico.

 

       Antigos amazônicos criaram intencionalmente uma “terra escura” fértil

 

Um artigo publicado na Science Advances no último dia 20 oferece uma resposta para algo que vinha intrigando pesquisadores na região amazônica: a origem de manchas escuras e férteis em solos de assentamentos humanos datados de centenas a milhares de anos. O novo estudo concluiu que essa terra foi criada por antigas comunidades indígenas, e em atividades que não ficaram no passado.

Apesar da riqueza florestal que cerca a bacia do rio Amazonas, os solos cobertos pela vegetação são, em sua maioria, ácidos e pobres em nutrientes. Isso os torna ruins para cultivo e, consequentemente, impactam o sustento de populações.

O estudo, liderado por pesquisadores do Brasil e também do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade da Flórida, ambos nos Estados Unidos, buscava entender se a terra escura havia sido criada de forma proposital ou se surgiu como um subproduto de culturas antigas.

Assim, descobriu-se que houve um acúmulo intencional de restos de comida, carvão e demais resíduos nessas áreas mais férteis. Isso contribuiu para a criação de um solo que armazena grandes quantidades de carbono, em quantidades presentes na região amazônica até hoje.

•        Do passado ao presente

Para chegar a essas conclusões, o estudo reuniu análises de solo e observações etnográficas em colaboração com indígenas do povo Kuikuro, no Alto Xingu. Foram sintetizados dados coletados entre 2000 e 2019 tanto nas terras indígenas modernas quanto em sítios arqueológicos.

Nas estimativas dos pesquisadores, cada aldeia antiga contém milhares de toneladas de carbono armazenadas no solo por centenas de anos graças a esforços humanos.

Ao observarem práticas modernas de manejo do solo, os cientistas notaram atividades como a geração de pilhas de lixo e de restos de comida ao redor do centro da aldeia. Esses montes se decompõem e se misturam ao solo – e, como resultado, formam uma terra escura que é usada para plantar, a qual os Kuikuro chamam de “eegepe”.

"Vimos atividades que eles faziam para modificar o solo e aumentar os elementos, como espalhar cinzas pelo chão ou espalhar carvão ao redor da base da árvore, que eram obviamente ações intencionais", diz em comunicado o autor principal da pesquisa, Morgan Schmidt.

Nos sítios arqueológicos, também foi observado um padrão na disposição espacial da mancha escura ao longo do centro e bordas das aldeias, além de igual presença de carbono, fósforo e outros nutrientes na terra enriquecida. "Esses são todos elementos presentes em humanos, animais e plantas, e são eles que reduzem a toxicidade do alumínio no solo, que é um problema notório na Amazônia", comenta Schmidt.

A partir da terra, os pesquisadores inferiram que as práticas observadas atualmente também aconteciam no passado, demonstrando que o solo era trabalhado de forma intencional para que as colheitas sustentassem grandes comunidades.

“Isso é exatamente o que queremos para os esforços de mitigação das mudanças climáticas. Talvez possamos adaptar algumas das estratégias indígenas em uma escala maior, para fixar o carbono no solo, de maneiras que agora sabemos que permaneceriam lá por um longo tempo", aponta Samuel Goldberg, coautor do estudo.

 

Ø  Após derrubar marco temporal, STF vai decidir sobre mineração em terras indígenas?

 

Durante o julgamento histórico que declarou a inconstitucionalidade do marco temporal das terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a deliberar sobre outros pontos que ameaçam os modos de vida dos povos originários. Entre eles, está a abertura das terras indígenas para atividades de grande impacto socioambiental, a exemplo da mineração, da construção de hidrelétricas e da exploração de petróleo e gás natural.

A iniciativa de expandir o tema original da ação, que era apenas o marco temporal, partiu de Dias Toffoli. O ministro defendeu que o STF dê prazo de um ano para o Congresso Nacional regulamentar a mineração industrial nas terras indígenas. Ele se baseou em um trecho da Constituição que determina que o poder Legislativo decida a respeito do tema.

Toffoli propôs que os indígenas tenham participação nos lucros e que eles sejam indenizados pela porção do território que será destinada à atividade econômica. O ponto preocupante, porém, é que o ministro não citou a necessidade de consentimento prévio dos povos indígenas.

Ouvidos pelo Brasil de Fato, advogados que atuam na causa indígena afirmam que a proposta de Toffoli é inconstitucional e pode ter consequências desastrosas para os povos originários. Segundo os especialistas, o Supremo viola a Constituição ao introduzir temas tão sensíveis, sem antes permitir que os povos indígenas se manifestem em tempo hábil.

Na sessão que invalidou o marco temporal, o STF decidiu não tratar sobre as propostas de tese alheias à tese jurídica ruralista. A presidente da Corte, Rosa Weber, prometeu pautar a análise para a próxima semana, quando o restante dos ministros poderão se manifestar a respeito das propostas de Toffoli.

·         Advogados apontam inconstitucionalidade na proposta de Toffoli

“A inserção de um posicionamento definitivo do STF sobre a exploração econômica desses territórios, nestes termos, viola o devido processo legal, garantido pelo art. 5, LIV, da Constituição Federal, ao não permitir que os reais interessados e impactados pela decisão se manifestem de maneira informada e em tempo hábil sobre o tema”, aponta uma nota técnica elaborada pela assessoria jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“A mineração em Terras Indígenas, atividade por meio da qual se pretende autorizar toda sorte de exploração econômica de territórios tradicionais, possui alto grau de prejudicialidade à garantia e manutenção dos Direitos dos Povos Originários, além de ameaçar diretamente sua sobrevivência física, religiosa e cultural”, prosseguiu a Apib.

Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que defende povos indígenas em ações relativas ao marco temporal, também criticou a introdução repentina de temas que não haviam sido tratados ao longo dos dois anos em que a ação tramita no plenário do Supremo. Modesto ressalta os impactos negativos de grandes empreendimentos econômicos.

“A gente sabe o que acontece quando há exploração econômica de territórios indígenas. É violência contra comunidades, é doença chegando, é prostituição, alcoolismo… Onde tem não-indígena impactando a terra indígena, vemos esse resultado”, afirmou Modesto.

 “E o objeto do processo, que é a posse indígena, não comporta discussão sobre a exploração das terras indígenas por terceiros. A gente espera que não tenha seis votos para aprovar essa tese”, acrescentou o advogado do Cimi.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também expressou preocupação com o voto de Toffoli. A entidade avalia que a proposta flexibiliza um dispositivo importante da Constituição, o usufruto exclusivo dos indígenas sobre seu território, e promete se mobilizar contra violações a esse princípio.

“Efetivar os pressupostos constitucionais referentes ao direito originário dos povos sobre seus territórios (demarcação) e do usufruto exclusivo permanecem como prioridades na nossa pauta de luta”, escreveu a Coiab.

“O Marco Temporal caracteriza um entre os diversos instrumentos que representam retrocessos e empecilhos à efetivação dos nossos direitos, de modo que sua superação é parte em um todo da nossa resistência unificada”, prosseguiu a organização.

·         Indenização a fazendeiros também preocupa indígenas

Além da proposta de Toffoli, outra tese que será debatida pelos ministros na próxima semana é de autoria de Alexandre de Moraes. Ele propôs que proprietários de fazendas sobrepostas a terras indígenas tenham direito à indenização no momento da desapropriação, e não apenas pelo valor das construções erguidas na área, como está previsto na Constituição, mas também pelo valor da terra.

Ao defender engordar as compensações aos fazendeiros, Moraes “requentou” uma pauta defendida por ruralistas há pelo menos 15 anos. Em nome dos latifundiários de Mato Grosso do Sul, a ministra Simone Tebet é uma antiga articuladora da proposta, que agora tem chances de se concretizar via Judiciário.

 “Nós defendemos que essas indenizações sigam o rito que determina a Constituição, que são as indenizações pelas benfeitorias de boa-fé. E que essas indenizações sejam feitas desatreladas de qualquer processo demarcatório e que isso não inviabilize as demarcações”, disse Maurício Terena, advogado da Apib.

Para a Apib, o ministro desconsiderou o cenário generalizado de grilagem e de ocupação criminosa de territórios indígenas pelo agronegócio, inclusive com a prática de pistolagem. O setor jurídico da Apib teme que a indenização substancial possa servir de estímulo à invasão de terras em fase de regularização, premiando os invasores e aumentando os conflitos no campo.

“A violência contra os povos indígenas é causada por uma série de fatores, incluindo o desmatamento, a mineração ilegal, a grilagem de terras e a expansão da fronteira agrícola, mas o principal motivo é a morosidade na demarcação das terras”, escreveu a Apib.

 

Ø  Sônia Guajajara calou deputados ruralistas ao defender importância das terras indígenas

 

No último dia 12, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados se reuniu para debater a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, localizada nos estados de Mato Grosso (MT) e Pará (PA). Esta área, ocupada pelos povos Mebêngôkre e Yudjá, aguarda há 30 anos pela conclusão do processo de demarcação. A audiência contou com a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que trouxe esclarecimentos sobre como funcionam os estudos de delimitação de terras indígenas.

O requerimento para a convocação da ministra foi apresentado pela deputada Coronel Fernanda (PL-MT). Durante a sessão, a ministra Sonia Guajajara enfatizou a importância de compreender o processo demarcatório de territórios indígenas e pediu aos deputados presentes na audiência pública compreensão e abertura de diálogo sobre o tema. Ela destacou: “Não se trata de retomar o Brasil. O que nós reivindicamos, e o que a Funai possui em seu sistema, são processos de terras tradicionalmente ocupadas. E é por isso que nós trouxemos aqui hoje todo o detalhamento desse processo.”

A ministra também esclareceu o processo legal necessário para a demarcação de um território indígena e ressaltou que há territórios que levam mais de 30 anos para ter um processo concluído. Além disso, ela dirigiu-se à deputada Coronel Fernanda, destacando a importância de direcionar convites às autoridades competentes para fornecer informações, pois o ministério não é formalmente responsável por nenhuma das etapas do processo demarcatório.

Sonia Guajajara abordou ainda a questão das mudanças climáticas, enfatizando que a consciência dos seres humanos em relação à proteção do meio ambiente, da biodiversidade e à produção sustentável é crucial. Ela lamentou que alguns negacionistas interpretem seu discurso como uma questão ideológica, ressaltando: “A salvação da mãe terra depende da compreensão coletiva de estarmos de fato vivenciando uma emergência climática.” Lembrou ainda que as demarcações não afetam apenas a preservação das culturas indígenas, mas também garantem a estabilidade dos ecossistemas em todo o planeta.

No decorrer da sessão, a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) questionou sobre a convocação para esclarecimento, destacando que os povos indígenas também gostariam de esclarecimentos sobre a violência e diligência intimidatória em seus territórios. Ela lembrou a Medida Provisória 1154, que retirou a atribuição da demarcação dos territórios indígenas do Ministério dos Povos Indígenas.

 

Fonte: eCycle/Revista Galileu/Mídia Ninja

 

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