Falta de providência, prevaricação: especialistas avaliam conduta de
militares em suposto plano golpista
Se a reunião entre o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) e as cúpulas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para discutir os
detalhes de um golpe de Estado for comprovada, os militares envolvidos poderão
ser denunciados pelo crime de prevaricação, na avalição de especialistas em
Direito ouvidos pela CNN.
O encontro foi relatado pelo tenente-coronel Mauro
Cid em delação à Polícia Federal. A resposta da cúpula da Marinha, segundo Cid,
teria sido que as tropas estavam prontas para agir, apenas aguardando uma ordem
dele. Já o comando do Exército não aderiu ao plano.
Para a advogada criminalista e juíza federal
aposentada do Tribunal Regional Federal (TRF) Cecilia Mello, os elementos
públicos da delação podem indicar que os militares deixaram de cumprir com seu
ofício no suposto encontro.
Ela ressalta que tudo depende do contexto: “Se restou
selado que haveria um golpe, aqueles que não anuíram deveriam ter tomado uma
providência. É preciso haver uma circunstância concreta para o militar tomar ou
não uma atitude diante dela”.
O advogado criminalista e professor de Direito da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino afirma que, do
ponto de vista formal, “houve prevaricação” na discussão golpista descrita por
Cid.
Para ele, os militares que eventualmente
participaram poderão argumentar, contudo, que “levar isso [uma denúncia]
adiante poderia agudizar a crise”. O advogado lembra que, ainda com Bolsonaro
no poder, as bases militares poderiam “se voltar contra o comando” das Forças
Armadas.
• Apuração
O relato precisa da corroboração de outras
evidências e testemunhas para ser considerado uma prova e as condutas, tanto do
ex-presidente quanto dos militares envolvidos na ocasião, serem apuradas pelas
autoridades.
Militares possuem um regulamento próprio de
contravenções, o Código Penal Militar (CPM). A prevaricação está descrita no
artigo 319, e ocorre quando um profissional da categoria retarda ou deixa de
praticar um “ato de ofício” (aquilo que faz parte de sua função) ou o pratica
indevidamente para “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
O delito é punido com detenção de seis meses a dois
anos.
Como exemplo, um sargento do Exército foi condenado
a nove meses de detenção no Superior Tribunal Militar (STM) em 2020 por
orientar à sentinela de guarda que um determinado veículo não fosse
identificado ao entrar no quartel — contrariando o procedimento da instituição.
A advogada constitucionalista Vera Lúcia Chemim
aponta um agravante ao caso delatado: a participação de militares em posição de
comando.
Ela ressalta que, se forem enquadrados na violação,
ocupantes de “função de direção ou assessoramento de órgão da administração
direta, como era o caso” terão sua pena aumentada em um terço.
• O que
dizem as defesas
Em nota, a defesa de Mauro Cid cita as matérias da
imprensa sobre “possíveis reuniões com a cúpula militar para avaliar golpe no
país” e afirma que “não tem os referidos depoimentos, que são sigilosos, e por
essa mesma razão não confirma seu conteúdo”.
Os advogados de defesa de Jair Bolsonaro (PL)
emitiram um comunicado alegando que o ex-presidente “jamais compactuou” com
qualquer movimento ilegal. Eles afirmam que o ex-presidente “durante todo o seu
governo jamais compactuou com qualquer movimento ou projeto que não tivesse
respaldo em lei, ou seja, sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição
Federal”.
A defesa ainda alega que Bolsonaro “jamais tomou
qualquer atitude que afrontasse os limites e garantias estabelecidas pela
Constituição e, via de efeito, o Estado Democrático de Direito”.
Por fim, os advogados afirmaram que vão adotar
“medidas judiciais cabíveis contra toda e qualquer manifestação caluniosa, que
porventura extrapolem o conteúdo de uma colaboração que corre em segredo de
Justiça, e que a defesa sequer ainda teve acesso”.
A Marinha do Brasil divulgou uma nota à imprensa
esclarecendo que “não teve acesso ao conteúdo de delação premiada do
tenente-coronel Mauro Cid” e “não se manifesta sobre processos investigatórios
em curso no âmbito do Poder Judiciário”.
No comunicado, a Marinha ainda reafirma que “pauta
sua conduta pela fiel observância da legislação, valores éticos e
transparência”. E reitera que “eventuais atos e opiniões individuais não
representam o posicionamento oficial da Força e que permanece à disposição da
justiça para contribuir integralmente com as investigações”.
Corporativismo!
Silêncio de comandantes não significa apoio a golpe, diz ex-presidente do STM
Ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM), o
tenente-brigadeiro do ar Sérgio Xavier Ferolla avaliou que o silêncio dos
comandantes das Forças Armadas na reunião em que o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) teria apresentado um plano para questionar o resultado das eleições não
significa um apoio a um golpe de estado.
À CNN, o ex-presidente do STM disse que “o silêncio
revelou clara falta de coesão e aprovação por parte dos realmente democratas,
ao se posicionarem acima das peculiaridades políticas e partidárias”.
Segundo Ferolla, ao agirem assim, os militares que
não apoiaram o plano “demonstravam que nosso país não poderia se comportar como
republiqueta”.
Em depoimento à Polícia Federal, o tenente-coronel
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, revelou que o ex-presidente se
reuniu com os comandantes das Forças Armadas para discutir detalhes de um plano
de golpe para não deixar o poder.
Então chefe da Marinha, almirante Almir Garnier
teria se manifestado favoravelmente ao intento golpista e colocado à tropa à
disposição, enquanto o ex-comandante do Exército, general Marco Antonio Freire
Gomes, teria se colocado contrário ao plano.
Ferolla diz que militares, que eventualmente possam
a vir a ser condenados por crimes na Justiça Federal, também estão sujeitos ao
julgamento no Superior Tribunal Militar por transgressões ao Código Penal
Militar.
O ex-presidente da Corte Militar acrescentou ainda
que, pelo que se sabe até aqui, os comandantes agiram para manter os preceitos
das Forças Armadas. “Pelo visto sou levado a concluir terem optado pela
manutenção dos pilares sagrados da Hierarquia e da Disciplina, sobre os quais
estão edificadas as Forças Armadas da República”, disse à CNN.
• Divergência
Como mostrou a CNN, juristas e integrantes das
Forças Armadas divergem sobre se comandantes teriam o dever de denunciar um
plano golpista caso ele fosse aventado pelo presidente da República.
Um grupo argumenta que o ilícito não poderia ser
ignorado e haveria obrigação por parte dos oficiais de comunicar às autoridades
o ocorrido.
Outros afirmam que a obediência à hierarquia
militar impediria qualquer ação. O presidente da República é o comandante
supremo das Forças Armadas e, por isso, seus subordinados não poderiam levar
adiante uma acusação como esta.
Mauro
Cid chamava Bolsonaro de “tio”
Delator que disse à Polícia Federal ter presenciado
discussões em torno de um golpe de Estado, o tenente-coronel Mauro Cid deu a
primeira fatia de bolo a Bolsonaro em seu aniversário, em maio do ano passado,
reforçando o vínculo de proximidade.
Na ocasião, o ajudante de ordens do presidente
celebrava 43 anos. Dentro de um avião, ao lado de outros integrantes do
governo, Bolsonaro pediu a atenção dos passageiros:
“Mais um
aniversário a bordo. Quarenta e quantos (anos)?”, perguntou a Cid. “Quarenta e
três”, respondeu o tenente-coronel.
Bolsonaro, então, prosseguiu: “Filho de aspirante.
Está há três anos conosco, né? Vai nos deixar o final do ano. Vai comandar o
batalhão lá de Goiânia”, disse, antes de puxar o coro de parabéns.
Em seguida, Cid estendeu o prato com bolo a
Bolsonaro:
“Para o senhor o primeiro pedaço”, disse, ao que o
então presidente abriu um sorriso.
Na juventude, Mauro Cid costumava chamar Bolsonaro
de “tio”, dada relação de proximidade entre o ex-presidente e seu pai, o
general Lourena Cid, também investigado no suposto esquema de venda de joias.
O entorno de Bolsonaro ainda vê com ceticisimo a
possibilidade de que Cid tenha complicado o ex-presidente com o depoimento que
deu à Polícia Federal.
Já se sabe que o ex-ajudante de ordens apontou que
Bolsonaro recebeu uma minuta golpista das mãos do ex-assessor Filipe Martins. E
que o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria apoiado uma intervenção
militar.
Aliados
de ex-comandante da Marinha veem blindagem ao Exército em delação de Cid
Aliados do ex-comandante da Marinha Almir Garnier
veem blindagem ao Exército em colaboração premiada do tenente-coronel Mauro
Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No depoimento à Polícia Federal (PF), o
tenente-coronel disse que o ex-presidente se reuniu com os comandantes das
Forças Armadas para discutir detalhes de um plano de golpe para não deixar o
poder.
Então chefe da Marinha, Garnier teria se
manifestado favoravelmente ao intento golpista e colocado à tropa à disposição,
enquanto o ex-comandante do Exército teria se colocado contrário ao plano.
Desde a delação de Cid, as atenções se voltaram
para Garnier, que ainda não se manifestou oficialmente sobre as acusações.
• Na
mira
O almirante, que vive em Brasília, está na mira das
investigações da PF e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) dos atos de 8
de janeiro.
A relatora da comissão, senadora Eliziane Gama
(PSD-MA), quer convocar ex-comandante da Marinha e também a quebra de seu
sigilo telemático.
Pessoas próximas a Garnier alegam que o
ex-comandante, embora deixasse claro suas preferências políticas, jamais
discutiu com a cúpula da Marinha uma proposta de golpe. À CNN, um colega disse
que o almirante “se expressava de maneira transparente sobre sua opinião, mas
isso não quer dizer tentar um golpe”.
Os aliados ainda argumentam que Cid é um
tenente-coronel da ativa do Exército e filho de um general da reserva.
Portanto, na avaliação deles, seria “natural” que o ex-ajudante de ordens
fizesse uma blindagem à Força à qual pertence.
Interlocutores de Garnier ainda questionam o teor
do depoimento de Cid sobre a reunião entre Bolsonaro e os comandantes no
Palácio da Alvorada após a derrota nas eleições presidenciais. O argumento é
que reuniões como essas são assuntos de Estado e ocorrem fechadas, sem a
presença de assessores.
Outro ponto questionado por aliados de Garnier é
que mensagens encontradas pela PF no celular de Cid pedindo uma intervenção
para impedir a posse do presidente Lula eram de integrantes do Exército.
• Quem
é Garnier?
O almirante Almir Garnier foi nomeado comandante da
Marinha por Bolsonaro em 9 de abril de 2021 e ficou no cargo até o fim do
governo. Dentre os três comandantes das Forças, ele era considerado o mais
bolsonarista.
Sob comando de Garnier, a Marinha organizou um
desfile de blindados e veículos militares em frente ao Palácio do Planalto em
agosto de 2021, no mesmo dia em que a Câmara de Deputados votaria a proposta do
voto impresso. O projeto foi rejeitado pelos parlamentares.
Com a derrota de Bolsonaro, Garnier se recusou a se
reunir com o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, indicado pelo
presidente Lula. O almirante também faltou à cerimônia de passagem de cargo
para o atual comandante Marcos Sampaio Olsen.
Garnier jamais escondeu a admiração por Bolsonaro e
nas redes sociais reforçava a proximidade com ex-presidente. Questionados,
aliados defendem que o almirante tem a “lealdade” como principal característica
e lembram que o ex-comandante atuou em cargos de confiança em nos governos de
Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Na gestão Dilma, o almirante foi assessor dos
ex-ministros da Defesa Celso Amorim, Jaques Wagner e Aldo Rebelo. E atuou ao
lado do o ex-ministro Raul Jungmann no governo Temer.
CPMI
tem depoimento de Heleno na terça e pode votar pedido de relatórios financeiros
de Bolsonaro e Michelle
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do
8 de janeiro terá uma semana agitada. Na terça, está previsto o depoimento do
general da reserva do Exército Augusto Heleno, ex-ministro do gabinete de
Segurança Institucional do governo de Jair Bolsonaro (PL).
A revelação de trecho da delação do tenente-coronel
Mauro Cid agitou a CPMI, que se encaminha para o final, em 17 de outubro. O
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse à Polícia Federal (PF) que Bolsonaro
teria se reunido com a cúpula do Exército, da Marinha e da Aeronáutica após o
resultado das eleições de 2022 para discutir detalhes de um possível golpe para
não deixar o poder.
Heleno era próximo de Bolsonaro, sendo uma das
vozes mais influentes entre militares da reserva das Forças Armadas, e sua
convocação vem na esteira das declarações de Cid.
Questionado pela CNN, Heleno negou ter participado
de reunião para articular um golpe de Estado e afirmou que, em sua presença,
“não houve nenhuma reunião” com esse teor.
• Votação
de requerimentos
Nesta mesma data da oitiva com Heleno, está
prevista uma sessão deliberativa que deve acontecer antes do depoimento para
aprovação de novos requerimentos, que podem convocar depoentes e solicitar o
envio de documentos.
A avaliação da base governista é que as informações
da delação de Cid impulsionam a reta final da CPMI. Isso aumentou a pressão
para que os requerimentos que pedem o Relatório de Inteligência Financeira
(RIF) da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e de Bolsonaro sejam postos em
pauta.
O presidente da comissão, deputado Arthur Maia
(União-BA), no entanto, afirmou que fará as votações dos requerimentos em bloco
na sessão e, como não há mais possibilidade de acordo entre oposição e base,
ele é quem definirá o que será posto para votação.
Maia disse ainda que deve priorizar a convocação de
representantes da Força Nacional e de financiadores dos atos criminosos e dos
acampamentos bolsonaristas instalados em Brasília após as eleições de 2022.
Com o tempo apertado, o presidente disse que está
disposto a aumentar o número de encontros semanais da comissão para colher os
depoimentos necessários até o encerramento dos trabalhos.
• Delação
Premiada
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da
CPMI, ofereceu um acordo de delação premiada para o blogueiro Wellington Macedo
de Souza, condenado a seis anos de prisão por tentar implantar uma bomba no
aeroporto de Brasília, em dezembro do ano passado.
Wellington foi convocado para depoimento na última
quinta (21), mas permaneceu calado perante as perguntas dos parlamentares
presentes.
Na argumentação em defesa da delação, Eliziane
ressaltou que a pena imposta ao blogueiro pode “dobrar ou triplicar” devido a
outros processos que ele ainda responde, inclusive na comissão.
O advogado de Wellington, Síldilon Maia Thomaz,
disse que não tinha nenhuma restrição quanto à delação, mas que precisaria ter
acesso aos autos que estão no STF (Supremo Tribunal Federal) antes de avaliar
esse possível acordo.
A Advocacia do Senado decidiu em 29 de agosto que a
CPMI do 8 de Janeiro poderá fazer acordos de colaboração premiada desde que
tenha a participação e o aval do Ministério Público no processo.
• Próximos
depoimentos
Na quinta-feira (28), está previsto o depoimento de
Alan Diego dos Santos, um dos envolvidos na tentativa de explodir uma bomba em
um caminhão de combustível nas imediações do Aeroporto Internacional de
Brasília, na véspera do Natal de 2022.
Para a primeira semana de outubro, está previsto o
depoimento de outro ex-ministro de Bolsonaro: o general Walter Braga Netto.
Candidato a vice na chapa do ex-presidente, Braga Netto também ocupou os
ministérios da Defesa e da Casa Civil no governo passado.
A CPMI está na reta final. A previsão é que o
relatório da CPI seja divulgado no dia 17 de outubro.
• “Vou
comparecer à CPMI”, diz general Heleno
O general da reserva Augusto Heleno disse, neste
domingo (24), à CNN, que vai comparecer ao seu depoimento da CPMI do 8 de
Janeiro marcado para terça-feira (26).
Heleno era um dos ministros mais próximos do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e uma das vozes mais influentes entre
militares da reserva das Forças Armadas.
Perguntado pela CNN, ele disse que nunca participou
de reunião, durante o governo passado, cujo assunto fosse discutir um golpe de
Estado.
O depoimento do general da reserva foi marcado na
esteira do vazamento de trechos da delação do tenente-coronel Mauro Cid.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse à
Polícia Federal (PF) que Bolsonaro teria se reunido com a cúpula do Exército,
da Marinha e da Aeronáutica após o resultado das eleições de 2022 para discutir
detalhes de um possível golpe para não deixar o poder.
Essa não será a primeira vez que Heleno será
questionado sobre os atos de vandalismo de 8 de janeiro. Em 1º de junho, o
ex-ministro prestou depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da
Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) sobre os atos antidemocráticos.
Na ocasião, Heleno afirmou que declarações dadas
por ele enquanto era ministro no governo Bolsonaro não tinham teor golpistas e
classificou os atos de 8 de janeiro como “manifestações” e “demonstração de
insatisfação”.
“Esse termo ‘golpe’ está sendo empregado com
extrema vulgaridade”, afirmou o general Heleno no depoimento. “Eu acho que o
tratamento que estão dando a essa palavra golpe não é um tratamento adequado”,
defendeu o ex-ministro, acrescentando que “para ter um golpe precisa ter líder”.
Nesta mesma data da oitiva com Heleno, está
prevista uma sessão deliberativa que deve acontecer antes do depoimento para
aprovação de novos requerimentos, que podem convocar novos depoentes e
solicitar o envio de documentos.
Fonte: CNN Brasil/Metrópoles
Nenhum comentário:
Postar um comentário