sábado, 30 de setembro de 2023

Em discurso de posse, Barroso manda “recados”

Ao tomar posse nesta quinta-feira como presidente Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso aproveitou seu discurso para enviar uma série de recados, inclusive a figuras sentadas ao lado dele durante a solenidade: os presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT); do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A fala do ministro também foi recheada por temas que ele considera prioritários para sua gestão, como a defesa de minorias.

Um dos eixos centrais do pronunciamento, no entanto, mirou o entorno de Jair Bolsonaro (PL), mesmo que ele não tenha sido citado diretamente. Barroso atacou o que classificou como “extremismo, populismo e autoritarismo”, lembrou os ataques de 8 de janeiro — perpetuado por apoiadores do ex-presidente — e até frisou que, “na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”.

>>>> Confira, abaixo, alguns dos principais pontos do discurso do novo presidente do STF.

1-    Agradecimento a Dilma

Logo ao início de sua fala, Barroso fez questão de agradecer à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que a indicou ao STF em 2013. Em meio às expectativas pelo anúncio de Lula sobre o substituto de Rosa Weber, que estão deixando a Corte, o ministro frisou que, ao escolhê-lo, a petista “não pediu, não insinuou, não cobrou”.

— Minha gratidão vai também para a presidenta Dilma Rousseff, que me indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou. Procurei retribuir a confiança servindo ao Brasil sem jamais ter qualquer outro interesse ou intenção que não fosse a de fazer um país melhor e maior, um país justo, quem sabe um dia — disse.

·         2- Elogios a Rosa

Se a menção a Dilma veio logo ao início do discurso, Barroso dedicou, pouco depois, ainda mais tempo aos elogios a Rosa Weber, que o antecedeu no posto de presidente da Corte. A ministra foi chamada de “amiga querida” e “figura doce”, dona de uma “personalidade cativante”. Elencando a trajetória jurídica da magistrada — classificada como uma “carreira impecável” —, Barroso afirmou que sucedê-la “não é tarefa fácil”

— Ministra Rosa Weber, sei que seu espírito reservado não é afeito a honrarias. Mas, em nome da nação agradecida, em nome dos que sabem distinguir as grandes figuras da história deste Tribunal, eu a reverencio pelos imensos serviços prestados ao Brasil — derreteu-se.

Ele também lembrou a atuação da então presidente da Corte após os ataques de 8 de janeiro:

— Em um dos momentos mais dramáticos de nossa história, liderou a reconstrução deste Plenário em 21 dias, de modo a que estivesse pronto na reabertura do ano judiciário.

·         3- Democracia protegida

Barroso afirmou que a democracia viveu momentos de sobressalto em todo o mundo, não só no Brasil, com ataques às instituições, mas venceu. E acrescentou que agora é preciso trabalhar pela pacificação do país, acabando com “os antagonismos artificialmente criados para nos dividir”.

— As instituições venceram, tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da Imprensa e do Congresso Nacional. E, justiça seja feita, na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo. Costumamos identificar os culpados de sempre: extremismo, populismo, autoritarismo… E de fato eles estão lá. Mas a recessão democrática fluiu, também, pelos desvãos da democracia: as promessas não cumpridas de oportunidades, prosperidade e segurança para todos.

O presidente do Supremo também frisou que o “país não é feito de nós e eles”:

— Ninguém é dono da verdade, ninguém tem o monopólio do bem e da virtude. A vida na democracia é a convivência civilizada dos que pensam diferente. E quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, mas meu parceiro na construção de uma sociedade aberta, plural e democrática.

·         4- Recado para Lula

Se outros momentos do discurso podem ser lidos como recados velados a Lula, em pelo menos uma passagem o paralelo ficou ainda mais explícito. Dias depois de o presidente assegurar que não levará em conta “critérios de gênero e cor” para o preenchimento da vaga de Rosa Weber, Barroso saiu abertamente em defesa da diversidade no Judiciário:

— Comprometo-me a contribuir para que (os magistrados) sejam selecionados com rigor, sejam ouvidos e valorizados. Ainda assim, há dois pontos em que temos de melhorar. O primeiro: aumentar a participação de mulheres nos tribunais, com critérios de promoção que levem em conta a paridade de gênero. E, também, ampliar a diversidade racial.

·         5- Aceno ao Congresso

O ministro pregou a harmonia entre os Poderes, no momento em que o Legislativo se queixa de suposta interferência do STF em suas atribuições. Barroso chegou a falar em “autocontenção” por parte da Corte.

— Nada obstante, é imperativo que o tribunal aja com autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade, como sempre procuramos fazer e pretendo intensificar. Numa democracia, não há Poderes hegemônicos. Garantindo a independência de cada um, presidente Arthur Lira, presidente Rodrigo Pacheco, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais que somos pelo bem do Brasil — discursou Barroso, inclinando-se em direção aos parlamentares.

Na última quarta-feira, o Senado aprovou projeto estabelecendo um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, logo após essa tese ter sido rejeitada pelo STF. A proposta, segundo a qual indígenas só podem reivindicar terras já ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988, foi encaminhada para a sanção do presidente Lula, que pode vetá-la.

·         6- Defesa de minorias

Apesar do aceno ao Congresso, Barroso não se furtou de defender a decisão do STF acerca do marco temporal. Enquanto elencava a atuação recente da Corte no que chamou de “proteção dos direitos fundamentais”, ele frisou:

— Povos indígenas passaram a ter a sua dignidade reconhecida, bem como o direito a preservarem sua cultura e, ao menos, uma parte de suas terras originárias.

O presidente também destacou as posições do Supremo “em favor do heroico esforço da população negra por reconhecimento e iguais oportunidades” e o “reconhecimento de importantes direitos” dos LGBTQIA+, “com destaque para a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais”.

— Há quem pense que a defesa dos direitos humanos, da igualdade da mulher, da proteção ambiental, das ações afirmativas, do respeito à comunidade LGBTQIA+, da inclusão das pessoas com deficiência, da preservação das comunidades indígenas são causas progressistas. Não são. Essas são as causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas — afirmou Barroso.

 

Ø  “Vou provar que sou melhor do que você me acha”, diz Barroso na posse

 

Foi um início protocolar, como todo evento de posse de um presidente do Supremo Tribunal Federal, e dois discursos significativos. Especialmente porque ali era a República, com o presidente Lula, os presidentes da Câmara e do Senado, e de todos os demais poderes celebrando a vitória da democracia – colocada em risco justamente pela ação prévia descuidada dos mesmos poderes.

O primeiro, o do decano Gilmar Mendes saudando o novo presidente Luís Roberto Barroso. Brigas passadas, rixas pesadas, tudo foi deixado de lado, em favor de um reconhecimento sobre os trabalhos de Barroso acerca do neoconstitucionalismo. Mas com uma fala forte alertando para a necessidade premente de punir todos os envolvidos na conspiração, incluindo os militares que a alimentaram aceitando os acampamentos em quartéis.

O segundo, do próprio Barroso, propondo a pacificação geral do país em torno de valores, e com uma definição óbvia, porém indispensável na quadra atual: ser a favor dos direitos das minorias, do combate à miséria, da luta pela inclusão de mulheres, negros, LBTGQ1+, do emprego formal, não são teses progressistas, são princípios civilizatórios. Exagerou ao colocar as Forças Armadas como âncoras da legalidade. Rui Barbosa deve ter tremido no túmulo com a afirmação.

No mais, foi um discurso bem elaborado, que não chegou a ser uma autocrítica em relação à sua atuação passada. Pode também ser a repetição de um velho chavão das elites brasileiras que, desde o século 19, esmerava-se em defender teses civilizatórias com a mesma superficialidade com que acolhia a última moda da Europa – como a abolição da escravatura -, mas, na prática, nada fazia para não “inviabilizar a economia”. 

No evento de ontem, todos os discursos enfatizaram a prioridade do combate à miséria e às desigualdades. 

Fui um crítico severo do Ministro Barroso, talvez uma reação proporcional ao meu desapontamento quando ele deixou o garantismo de lado e caiu de cabeça no punitivismo da Lava Jato e no raso-liberalismo do inacreditável Flávio Rocha, do grupo Riachuelo, um empresário com cérebro de galinha influenciando aquele que pretendia ser o Ministro iluminista.

Barroso sempre quis entrar para a história. Escolheu caminhos errados, como a destruição de direitos trabalhistas e de garantia do devido processo legal. Agora, no discurso, defende o trabalho formal e o combate às desigualdades.

Gentilmente me convidou para o evento. Na hora de cumprimentá-lo, o olhar era magoado, mas as palavras saíram firmes:

  • Vou provar para você que sou muito melhor do que você me acha!
  • Que o espírito de Joseph Stiglitz baixe no Supremo!, respondi, em referência ao seminário organizado por Barroso, para ouvir Stiglitz, a grande referência mundial na luta contra a ultrafinanceirização.

Se o Ministro usar sua energia e vontade de transformação em busca de um país mais justo, o Brasil terá a ganhar.

O encerramento mostrou que, ao menos no campo da sensibilidade, se terá um Ministro completo. A seu pedido, Maria Bethânia cantou “Todo sentimento”, de Chico Buarque e Cristóvão Bastos, em homenagem à sua esposa, recentemente falecida.

 

Ø  Questionado sobre embates, Barroso diz não ver 'crise' entre Congresso e STF, e prega diálogo

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta sexta-feira (29) que não vê uma "crise" entre o Legislativo e o Judiciário no país. O ministro também pregou diálogo entre as instituições para a superação de impasses.

Barroso deu as declarações durante entrevista, concedida um dia após o magistrado tomar posse como novo presidente do Supremo.

Ele foi questionado sobre os recentes embates entre Congresso Nacional e Supremo a respeito de julgamentos em andamento na Corte, como o do marco temporal para demarcação de terras indígenas e o que trata do porte de maconha para uso pessoal.

"Sinceramente, diria que não vejo crise [entre STF e Congresso]. O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo, na boa vontade e na boa-fé. E não tenho nenhuma dúvida que isso acontecerá", afirmou.

Barroso acrescentou que o arranjo institucional brasileiro, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, cria "sobreposições" de tarefas do Legislativo e do Judiciário. E disse que buscará o diálogo "respeitoso" e "institucional" para lidar com essa questão.

Na entrevista, Barroso foi perguntado sobre o julgamento sobre porte de maconha. Ele defendeu debate sobre o tema e afirmou que o Congresso pode também tratar do tema. O presidente do STF explicou que a Corte está definindo qual quantidade será o critério para uso e tráfico.

Indagado sobre a análise da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, o magistrado afirmou que o tema envolve "sentimentos religiosos respeitáveis" e que, talvez, o assunto não esteja maduro. Ele disse considerar que o tema pode voltar à pauta nos próximos dois anos.

·         Reações do Congresso a decisões do STF

Senadores e deputados da oposição, principalmente os conservadores e ruralistas, têm reagido a decisões do STF em temas que, na avaliação deles, deveriam ser tratados no Congresso.

Nos últimos dias, grupos parlamentares decidiram obstruir a pauta de votações da Câmara e do Senado – ou seja, não votar nenhuma matéria – para marcar posição contra o STF.

Além disso, esses políticos têm buscado aprovar projetos que contrariam entendimentos da Corte.

Se, de um lado, alguns congressistas entendem que o Supremo está legislando, de outro há a avaliação de que as decisões do STF preenchem um espaço deixado pela falta de atuação do parlamento em temas importantes.

Apesar de a discussão ser antiga, o desgaste se acirrou nos últimos dias, após decisão do STF de barrar a tese do marco temporal.

Por essa tese, só poderiam ser demarcadas terras que ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

A decisão desagradou a parlamentares da bancada ruralista.

·         Indicação para o STF

Também na entrevista, Luís Roberto Barroso foi questionado sobre a indicação que o presidente Lula fará para a vaga aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber no STF.

Três nomes aparecem como favoritos ao cargo: Flávio Dino (ministro da Justiça), Bruno Dantas (presidente do Tribunal de Contas da União) e Jorge Messias (advogado-geral da União).

O novo presidente do STF evitou fazer comentários sobre a indicação, mas elogiou o perfil dos cotados. "Os três nomes, eu, pessoalmente, acho que são excelentes nomes do ponto de vista de qualificação técnica e idoneidade", disse.

·         Retirada das Forças Armadas da fiscalização das urnas

Barroso também comentou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que retirou as Forças Armadas da lista de entidades fiscalizadoras do processo eleitoral.

O presidente do STF disse considerar a decisão da Corte Eleitoral "perfeitamente razoável".

Ele disse também que, quando era presidente do TSE, criou uma Comissão de Transparência das Eleições e que um militar do Exército foi indicado para representar a instituição no colegiado.

"Devo dizer que o general [indicado] se comportou exemplarmente bem. Mas, lamentavelmente, as coisas não se passaram bem ali, porque o desejo era que contribuíssem para a transparência e para a segurança; e, seguindo orientações do comandante-em-chefe [Jair Bolsonaro], trabalhavam para levantar desconfianças. Foi uma pena"

Barroso ressaltou que o relatório final da comissão constatou que não houve fraude nas eleições, e, portanto, a participação das Forças Armadas também legitimou as eleições.

 

Fonte: O Globo/Jornal GGN

 

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