domingo, 24 de setembro de 2023

Duas notas militares, públicas, provam o envolvimento das Forças Armadas na tentativa de golpe de Estado em 2022

Atenção para duas notas públicas, assinadas pela cúpula militar, que provam a cumplicidade dos altos oficiais das Forças Armadas na criação de um sentimento pró-golpe junto aos eleitores de Jair Bolsonaro.

Uma foi publicada em 10 de novembro de 2022, outra no dia seguinte, 11 de novembro.

Na primeira nota, as Forças Armadas ressaltam, logo no título, que o seu relatório “NÃO EXCLUIU” a possibilidade de fraude nas urnas. O texto era uma resposta a maneira como a imprensa havia recebido e interpretado o relatório divulgado pelos militares, no qual não se apontava nenhuma fraude.

A cúpula golpista, a começar pelos mais próximos de Bolsonaro, ainda era o comandante-em-chefe, deve ter ficado aborrecida ao constatar que o relatório estava sendo usado, pelas instituições democráticas, para debelar o sentimento golpista predominante nos acompamentos e bloqueios de estrada. Então decide soprar um “apito de cachorro”, como que dizendo: “confiem no golpe! aguardem mais 72 horas!”

A nota 2 é outro apito de cachorro, tanto que foi lida diversas vezes pelos golpistas acampados.

NOTA 1

O texto abaixo foi publicado no site do Ministério da Defesa

Relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas

Com a finalidade de evitar distorções do conteúdo do relatório enviado, ontem (9.11), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Ministério da Defesa esclarece que o acurado trabalho da equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022. Ademais, o relatório indicou importantes aspectos que demandam esclarecimentos. Entre eles:

  • houve possível risco à segurança na geração dos programas das urnas eletrônicas devido à ocorrência de acesso dos computadores à rede do TSE durante a compilação do código-fonte;
  • os testes de funcionalidade das urnas (Teste de Integridade e Projeto-Piloto com Biometria), da forma como foram realizados, não foram suficientes para afastar a possibilidade da influência de um eventual código malicioso capaz de alterar o funcionamento do sistema de votação; e
  • houve restrições ao acesso adequado dos técnicos ao código-fonte e às bibliotecas de software desenvolvidas por terceiros, inviabilizando o completo entendimento da execução do código, que abrange mais de 17 milhões de linhas de programação.

Em consequência dessas constatações e de outros óbices elencados no relatório, não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento.

Por isso, o Ministério da Defesa solicitou ao TSE, com urgência, a realização de uma investigação técnica sobre o ocorrido na compilação do código-fonte e de uma análise minuciosa dos códigos que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas, criando-se, para esses fins, uma comissão específica de técnicos renomados da sociedade e de técnicos representantes das entidades fiscalizadoras.

Por fim, o Ministério da Defesa reafirma o compromisso permanente da Pasta e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem.

# Ministério da Defesa

***

NOTA 2

·         Às Instituições e ao Povo Brasileiro

Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.

A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.

Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.

A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.

Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.

A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.

Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.

Brasília/DF, 11 de novembro de 2022

# Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS

Comandante da Marinha

# General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES

Comandante do Exército

# Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR

Comandante da Aeronáutica

 

Ø  Nota militar incendiou golpistas após ser omitida do Alto Comando do Exército

 

Em 10 de novembro de 2022 em Brasília, um general olhou pela janela do segundo andar do Forte Caxias, o Quartel-General do Exército, e viu a multidão de pessoas e tendas na praça dos Cristais.

Horas antes ele havia recebido uma nota, assinada pelos comandantes Freire Gomes (Exército), Almir Garnier (Marinha) e Baptista Junior (Aeronáutica), que seria publicada no dia seguinte.

Freire Gomes, de forma discreta, havia enviado o texto previamente para poucos colegas de farda. Ele não tinha avisado ao Alto Comando que a nota seria publicada e omitira a informação do encontro que teve naquele dia com todos os generais do Exército.

O dia da publicação da nota seria 11 de novembro —data em que, em 1955, o general Henrique Lott promoveu um golpe preventivo e garantiu a posse de Juscelino Kubitschek. Segundo seis oficiais-generais ouvidos pela reportagem, a escolha da data foi uma coincidência.

O militar que recebeu o texto de forma antecipada disse a Freire Gomes que o tom parecia adequado e não sugeriu alterações. Olhando pela janela, porém, ele avaliou que a nota tinha um teor excessivamente bolsonarista e poderia incendiar o acampamento, de acordo com seu próprio relato à reprortagem.

A construção da nota começou uma semana antes, quando os comandantes participaram de reuniões fora da agenda com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada.

As conversas expressaram preocupações com o bloqueio de estradas, tiveram críticas ao Judiciário e defenderam a legitimidade das manifestações em frente aos quartéis que pediam um golpe para impedir a posse do então presidente eleito Lula (PT).

Na visão dos chefes militares, os manifestantes não se sentiam seguros para protestar em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal) nem viam efetividade em cobrar respostas do Congresso diante do que consideravam abusos de ministros togados. O alvo deles também era o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Por isso, na interpretação deles, os bolsonaristas decidiram recorrer aos quartéis.

A nota, com o título "às instituições e ao povo brasileiro", foi lida por três vezes na manhã de 11 de novembro no acampamento do QG do Exército, em Brasília. As leituras eram intercaladas com a "Canção do Exército".

O texto dizia que as Forças Armadas, "sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história", têm "compromisso irrestrito e inabalável com o povo brasileiro, com a democracia e com a harmonia política".

Com recados ao Judiciário, os comandantes falavam em condenar ações de indivíduos que "alimentem a desarmonia na sociedade" e que o país possuía instrumentos legais para solucionar "possíveis controvérsias".

"Reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua liberdade."

Os bolsonaristas acampados entenderam a nota como apoio dos militares aos protestos nos quartéis. "Forças Armadas, comunismo não. Forças Armadas, salvem a nação", cantavam na manhã de 11 de novembro.

Os ânimos dos radicais se alteraram durante os dois meses em que estiveram acampados em súplica por um golpe militar. A segunda semana de novembro, quando houve recorde de público mesmo sob chuva, foi marcada pela euforia com a nota dos comandantes das Forças Armadas.

Com o passar do tempo, porém, a cúpula das três Forças decidiu se manter calada. O silêncio abriu espaço para um sem-número de teorias serem levantadas pelos bolsonaristas —a principal, que circulava pelas redes, dava conta de que cinco generais do Alto Comando do Exército seriam comunistas.

Apelidados de "melancias", por serem vistos nesses grupos bolsonaristas como "verdes por fora e vermelhos por dentro", os generais Richard Nunes, Amin Naves, Tomás Paiva, André Luiz Novais e Valério Stumpf viraram alvo dos radicais acampados no Setor Militar Urbano, em Brasília.

"[Eles] querem que Lula assuma, já se acertaram com ele e o TOMAZ é o que está querendo ser o comandante do exército do Lula. Repasse para ficarem famosos", dizia uma das mensagens divulgadas pelo WhatsApp.

As acusações irritaram a cúpula do Exército. Os generais citados conversaram com o então comandante Freire Gomes na segunda quinzena de novembro e contaram que, em alguns casos, filhos dos militares passaram a ser ofendidos.

Freire Gomes decidiu enviar um comunicado à Força.

"Tais publicações têm se caracterizado pela maliciosa e criminosa tentativa de atingir a honra pessoal de militares com mais de 40 anos de serviços prestados ao Brasil, bem como de macular a coesão inabalável do Exército de Caxias", diz trecho do informe interno.

Com o florescer dos acampamentos, generais do Exército viram-se obrigados a discutir uma situação considerada incômoda.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, usou constantemente a academia do Comando Militar do Planalto para fazer musculação durante três anos.

O ministro fazia sucesso no local. Militares ouvidos pela reportagem contam, surpresos, que ele prendia pesos nas pernas quando realizava a barra, exercício que consiste em subir e descer por uma estrutura metálica somente com a força dos braços.

Em novembro, com a insatisfação dos militares com Moraes e o estabelecimento dos acampamentos na frente do local, generais decidiram interromper a rotina do ministro. Por celular, eles informaram a Moraes que a academia passaria por reformas e, portanto, não seria possível utilizar o espaço durante algumas semanas.

O ministro entendeu o recado e procurou outra academia discreta para realizar os exercícios físicos. Só voltou a ser convidado para usar as instalações do Comando Militar do Planalto pelo atual comandante do Exército, Tomás Paiva, neste ano.

A atuação dos militares nas semanas que sucederam a derrota de Bolsonaro para Lula seguem sob escrutínio e entraram na mira de investigadores da Polícia Federal.

A revelação mais recente que colocou novamente as Forças Armadas sob pressão foi a do tenente-coronel Mauro Cid, que em depoimento de delação premiada disse que Bolsonaro chegou a consultar militares de alta patente sobre um possível golpe de Estado.

Ainda segundo o relato de Cid, revelado pelo UOL e pelo jornal O Globo e confirmado pela Folha, o então comandante da Marinha, Almir Garnier, se manifestou favoravelmente ao plano golpista durante as conversas de bastidores. Cid afirmou ainda aos investigadores que não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.

 

Ø  É preciso separar indivíduo da instituição, diz Santos Cruz à CNN sobre delação de Cid

 

O ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), general Carlos Alberto dos Santos Cruz, afirmou à CNN, neste sábado (23), que a conduta individual dos militares citados na delação do tenente-coronel Mauro Cid deve ser separada da postura institucional das Forças Armadas.

 “A gente tem que separar muito bem as responsabilizações individuais daquilo que é institucional. Nesse caso, a instituição impediu que se fizesse uma aventura política no Brasil”, declarou Santos Cruz. “A instituição militar tem ponto extremamente positivo, a responsabilização individual das pessoas é outra coisa.”

Na delação, Cid disse que, após receber a minuta golpista, Jair Bolsonaro convocou uma reunião com a cúpula das Forças Armadas para consultá-la sobre a possibilidade de uma intervenção militar para que o então presidente não deixasse o poder mesmo após ter perdido as eleições.

·         Marinha teria aceitado golpe de Estado, mas Exército teria sido contra

Ainda segundo Mauro Cid, a cúpula da Marinha teria embarcado na proposta de golpe de Estado e respondido que as tropas estavam prontas para agir, apenas aguardando as ordens de Bolsonaro.

No entanto, o comando do Exército não teria aceitado o plano e teria se recusado a agir.

À CNN, o general e ex-ministro de Bolsonaro taxou como correta a postura do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes.

“O ex-comandante do Exército Freire Gomes foi bem claro em não participar, não aprovar qualquer decisão ilegal por parte da Presidência da República naquele momento. É fundamental a gente perceber que houve das Forças Armadas, do Exército, no caso, uma postura constitucional, uma postura legal, que não estimulou e não deixou que acontecesse um trancamento do fluxo normal do processo eleitoral”, disse.

 

Fonte: O Cafezinho/FolhaPress/CNN Brasil

 

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