A crítica legítima do MST sobre a desatenção do governo Lula
Um dos movimentos que mais influenciou na vitória
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022, o MST demonstra
insatisfação com a lentidão do Governo Federal em atender as pautas
prioritárias que foram prometidas na campanha de Lula.
Um dos membros da coordenação nacional do MST, João
Paulo Rodrigues, disse a Folha que o movimento está perdendo a paciência com a
paralísia na aquisição de alimentos pela Companhia Nacional de Abastecimento, a
Conab, recriada no começo do ano pelo próprio presidente Lula.
De acordo com o coordenador, até agora o governo
não comprou “um quilo” de alimento produzido pela agricultura familiar. “Até
agora o governo não comprou um quilo de alimento da agricultura familiar dentro
do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. As famílias se preparam para isso,
plantam com essa expectativa. A insatisfação é grande”, disse.
É importante lembrar sobre a importância de
programas como o PPA para garantir renda aos pequenos/médios e evitar que a
agricultura brasileira fique centrada somente nos grandes produtores. A balança
precisa se equilibrar para que a economia volte a girar.
Além da questão ecônomica, o PPA também atende a
demandas sociais pois os alimentos fornecidos pela agricultura familiar vão
parar na mesa de entidades filantrópicas, hospitais, asilos, órgãos públicos e,
se houver pensamento estratégico, até mesmo pode parar nas escolas e
universidades federais.
Mas voltando ao MST, a estimativa era que a volta
do PPA pudesse gerar um incremente do R$1,1 bilhão por parte do governo. Mas
segundo o próprio João Paulo, até o momento só foi liberado R$250 milhões. “E
mesmo esse valor menor parece que se perdeu na burocracia”, declarou.
Outro motivo de reclamação é o ritmo no processo de
assentamentos. A demanda do movimento era de 50 mil neste ano, a um custo de R$
2,85 bi. Mas segundo Rodrigues, o governo não fez nada até o momento, correndo
risco de ser alvo de protestos em todo o país.
“Minha preocupação é que em algum momento as
famílias comecem a fazer uma reclamação nacional, indo para a estrada, parando
rodovias, por exemplo. Não está prevista no momento uma jornada de ocupações,
mas já há uma reclamação de que precisaremos de cinco mandatos do Lula para
concluir o processo de reforma agrária”.
Sindicalismo
que gerou Lula e virou pilar do PT sofre com perda de influência
A história política brasileira já reservou um
horário mais nobre ao sindicalismo.
Um dos presidentes mais populares que o país já
teve, afinal, saiu de seus quadros --Lula ganhou envergadura nacional após
liderar, aos 32 anos, a greve dos metalúrgicos do ABC na rabeira dos
ditatoriais anos 1970. Sindicalistas depois formariam a base do seu Partido dos
Trabalhadores, o PT, ao lado de intelectuais e setores progressistas da Igreja
Católica.
Mas os tempos mudaram e oxidaram a era de ouro do
movimento que se apresenta como guardião da classe trabalhadora. Claro que os
sindicalistas ainda têm bala na agulha, sobretudo após o retorno de Lula à
Presidência revigorar elos históricos com o grupo.
A bem da verdade, qualquer troca de guarda com a
gestão Jair Bolsonaro (PL), que fechou portas literais a líderes sindicais ao
sequer recebê-los em Brasília, seria bem-vinda para o movimento. O petista
recriou o Ministério do Trabalho e o entregou a Luiz Marinho, que tal qual o
chefe já esteve à frente do Sindicato dos Metalúrgicos.
O auge, contudo, ficou para trás, segundo
especialistas. Antes pilar da esquerda, hoje o campo se acotovela para ganhar
espaço entre causas mais midiáticas, como a questão identitária protagonizada
por feministas, antirracistas e ativistas LGBTQIA+.
Também tenta emplacar a volta do imposto sindical,
extinto pela Reforma Trabalhista promovida na gestão de Michel Temer (MDB).
A reforma, no entanto, é coadjuvante nessa redução
da densidade sindical, de acordo com Hélio Zylberstajn, professor do
Departamento de Economia da USP e coordenador do Salariômetro, que acompanha o
mercado de trabalho formal mês a mês.
"O fenômeno não é exclusividade brasileira. Há
várias causas, e uma delas é o decréscimo do emprego na indústria, o berço do
sindicalismo."
"Os 'blue collars' [trabalhadores
uniformizados de colarinho azul] ilustravam a imagem típica dos melhores tempos
do sindicalismo, com massas muito parecidas, com aspirações e identidade em
comum", afirma.
O "cada um por si" na chamada uberização
da mão de obra, que implode vínculos empregatícios e impõe nova lógica
trabalhista, colabora para a decadência do monopólio sindical.
Até fatores demográficos perturbam o movimento: há
agora mais mulheres no mercado de trabalho, e elas historicamente aderem menos
à sindicalização.
O movimento é capilarizado o suficiente para
mobilizar a base quando precisa, mas quem fomentou as maiores voltagens
políticas recentes foram outras fatias da sociedade civil. Se você pensou nos
protestos de junho de 2013, você pensou correto.
O sindicalismo apanhou um bocado nos últimos anos,
antes mesmo do bolsonarismo entrar em cena.
Sancionada em 2017 por Temer, alçado à Presidência
após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a Reforma Trabalhista drenou
recursos valiosos para os líderes sindicais ao extinguir o imposto sindical
--contribuição obrigatória descontada na folha de pagamento, que surge na
década de 40 para financiar o movimento.
Mas isso é um cisco local perto de uma tendência
global, afirma Zylberstajn.
Aos fatos, primeiro. O IBGE estima que, em 2022,
9,2% dos trabalhadores brasileiros estavam associados a um sindicato. Em 2012,
a taxa era de 16%.
O sociólogo Celso Rocha de Barros, autor de
"PT, Uma História", lembra que o sindicalismo brasileiro tem longa
tradição de combatividade, desde a Velha República. "O que muitas vezes
lhe faltou foi uma democracia em que pudesse se desenvolver plenamente."
Getúlio Vargas, que em 1943 pariu a CLT, conjunto
de leis que protege direitos trabalhistas, manteve sindicatos pela coleira.
Alguma autonomia despontou depois da ditadura varguista, mas a repressão
militar a partir de 1964 os empurrou à clandestinidade.
O ciclo de greves do ABC paulista projetou Lula,
que cria o PT com forte presença sindical. A ligação com a esquerda já está
consolidada, algo que num primeiro momento incomodava o líder metalúrgico, como
lembra Fernando Morais, autor da biografia sobre o hoje presidente da
República.
O petista não se via no lado canhoto do espectro
político e tinha horror a comunistas.
"Refugava irritado quando o irmão mais velho,
o Frei Chico, tentava atraí-lo para o Partidão [Partido Comunista Brasileiro].
O interesse pela estrela que começava a brilhar no ABC fez com que o partido
destacasse um alto dirigente do PCB para viajar do Rio a São Bernardo do Campo,
para tentar recrutar Lula. Ele voltou ao Rio de mãos abanando."
Os anos 1980 foram solo fértil para o sindicalismo
verde-amarelo, aparentado à linha europeia, mais politizada e ideológica,
aponta Zylberstajn --uma contrapartida ao modelo americano, "mais
pragmático do que militante", que "vai barganhar para arrancar
mais" de uma sociedade onde o capitalismo parecia estar dando certo.
A industrialização brasileira, no entanto,
"entra em marcha ré, e a recessão da era Fernando Collor tem um papel
fortemente desmobilizador", afirma Rocha de Barros. A chegada do PT ao
Palácio do Planalto, em 2002, tonifica mais uma vez os sindicalistas.
"O movimento tem sido fundamental para a
conquista de direitos dos trabalhadores", diz Cristiane Pereira Vianna de
Oliveira, que dá aulas de direito do trabalho no Centro Universitário do
Distrito Federal.
Mas os desafios atuais, segundo a professora, se
avolumam e enfraquecem o setor, preso a uma organização defasada.
Os exemplos mais gritantes: a unicidade sindical,
que só permite uma entidade por categoria profissional no município, e a
pressão por uma nova contribuição compulsória dos trabalhadores, que
financiaria as negociações coletivas realizadas pelos sindicatos.
Sua validade depende de decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal), que já formou maioria a favor da causa sindical.
Para Zylberstajn, da USP, o movimento "quer
voltar ao que já teve" e insistir num sistema moldado para tempos passados.
"Mas o mundo é outro. Eles pegaram o rescaldo do que sobrou do lulismo e
estão no aparelho de Estado, mas propondo soluções absolutamente
ultrapassadas."
Ele dá como exemplo Marinho, ministro do Trabalho,
que em fevereiro disse ao jornal Valor Econômico que a Uber deveria se adaptar
à regulamentação do trabalho, ou "posso chamar os Correios, que é uma
empresa de logística, e dizer para criar um aplicativo e substituir". Nada
realista.
Nessa toada, também houve o caso do sindicato de
Sorocaba e região, que virou motivo de polêmica entre trabalhadores neste mês
após a convenção coletiva da categoria trazer a cobrança de contribuição
assistencial de 12% ao ano sobre o valor do salário de profissionais ou
pagamento de uma taxa de R$ 150 para quem se opusesse à cobrança.
Embora as negociações entre o sindicato e as
empresas tenham ocorrido antes de o STF (Supremo Tribunal Federal) julgar
constitucional a cobrança de contribuição assistencial de trabalhadores -desde
que definida em assembleia e com direito à oposição-, as exigências da
convenção chegaram aos trabalhadores após a decisão da corte, o que aumentou a
indignação de quem é contra.
Em vez de "pregar no deserto", é preciso
"pensar fora da caixa" num mundo que caminha cada vez mais para
profissionais autônomos.
"É uma imagem difícil de ser aceita pelo
sindicalismo. Ele não está aberto para reconhecer que a produção se organiza
hoje em esquemas muito diferentes, que prescindem do vínculo trabalhista, e
portanto da representação específica dos trabalhadores."
Miguel Torres, presidente da Força Sindical, não
nega as pedras no caminho. "Hoje tem muita gente que não está mais no
mercado de trabalho formal. Gente de home office, distante do mundo sindical,
em plataformas. A tecnologia diminuiu os empregos."
Mas aposta em campanhas de mobilização, como as que
garantiram vitórias nas negociações com patrões durante cortes e reduções de
jornadas na pandemia da Covid-19. Também vê fôlego renovado no Lula 3.
"Nos quatro anos de Bolsonaro, não fomos recebidos nenhuma vez pelo
presidente. Até nos ministérios não nos recebiam. Hoje, não. Já tive audiência
em 22 ministérios [no novo governo]."
Ivone Silva, que presidia o Sindicato dos Bancários
até assumir em julho o comando do Instituto Lula, diz que o sindicalismo está
se atualizando sempre e hoje conta com notas identitárias. Uma forma, diz ela,
de rejuvenescer a faixa etária no grupo e formar novas lideranças.
"Há [uma ala] que entende a importância da
luta coletiva em temas da diversidade como gênero, raça e orientação sexual.
Isso e um ambiente mais democrático têm sido fundamentais para o engajamento da
juventude."
PT
teme Dino e quer pôr Messias no STF
Um grupo de lideranças petistas que tem trabalhado
bastante para influenciar as próximas indicações de Lula para o Supremo fechou
questão na semana passada em apoio à candidatura do ministro Jorge Messias, da
Advocacia-Geral da União.
Mas apesar da escolha, essa ala do petismo, que
inclui os deputados Rui Falcão (SP), Zeca Dirceu (PR), José Guimarães (CE) e o
senador Humberto Costa (PE), vive um dilema aparentemente insolúvel.
De acordo com o que esses parlamentares tem dito a
interlocutores, eles consideram importante colocar alguém do PT no Supremo,
além de evitar que o ministro da Justiça, Flávio Dino, seja o escolhido para a
vaga que será aberta nesta semana, com a aposentadoria de Rosa Weber.
Só que, para esse grupo, a maior missão do
integrante do STF a ser nomeado por Lula deveria ser trabalhar para “frear” o
ministro Alexandre de Moraes.
Eles consideram que o ministro está poderoso demais
e que, embora sua atuação tenha sido importante na batalha contra o golpismo de
Jair Bolsonaro – e portanto essencial para a vitória eleitoral de Lula –,
Moraes nunca foi próximo do PT e nao hesitaria em aplicar ao lulismo a mesma
mão pesada que tem adotado contra os bolsonaristas.
Nenhum deles vai dizer em público, mas
reservadamente alguns dos membros desse grupo acharam excessivas as penas
aplicadas aos primeiros réus julgados no STF por terem participado dos atos de
8 de janeiro.
Na expressão que os próprios petistas usam, é
“questão de tempo” até Moraes e o governo Lula estarem em polos opostos, até
porque não são poucos entre eles que acreditam que o ministro do Supremo tem
ambições políticas.
Um primeiro ruído já surgiu na semana passada,
quando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o Brasil é um dos únicos
lugares que tem lugares que tem Justiça Eleitoral no mundo, e que isso “é um
absurdo”. Em resposta, Moraes, que presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
divulgou uma nota afirmando que manifestações como a de Gleisi são “errôneas e
falsas” e que a Justiça Eleitoral continuará a combater “forças que não
acreditam no Estado democrático de Direito”.
Por isso seria importante colocar no cargo alguém
capaz de funcionar como um pólo de poder alternativo a Moraes e alinhado ao
petismo. Na visão dessa ala do PT, Flavio Dino não só não é alinhado ao petismo
como é próximo de Moraes e tenderia a reforçar a liderança do ministro no
Supremo.
O dilema vem justamente do fato de que os próprios
petistas reconhecem que, apesar de Messias ser um deles e ter a confiança do
grupo, ele não tem estofo nem liderança para ser essa alternativa que os
petistas procuram.
O atual advogado-geral da União tem 43 anos e é a
primeira vez que ocupa um cargo no primeiro escalão de um governo.
Um terceiro candidato ao STF, o atual presidente do
Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, já identificou essa insegurança e
tem procurado explorá-la em conversas reservadas com os petistas. Embora também
seja jovem (tem 45 anos), Dantas está no TCU desde 2014, e portanto é mais
experiente do que Messias, além de ter o apoio de várias lideranças do MDB e do
Centrão.
Fonte: O Cafezinho/FolhaPress/O Globo
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