quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Vijay Prashad: Níger é o quarto país do Sahel a passar por um golpe anti-Ocidente

Às 3 horas da manhã do dia 26 de julho de 2023, a guarda presidencial do Níger prendeu o presidente Mohamed Bazoum em Niamey, capital do país. As tropas, lideradas pelo general de brigada Abdourahmane Tchiani, fecharam as fronteiras do país e declararam um toque de recolher. O golpe de Estado foi imediatamente condenado pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, pela União Africana e pela União Europeia. Tanto a França quanto os Estados Unidos, que têm bases militares no Níger, disseram que estavam acompanhando a situação de perto. Um conflito entre o Exército, que se posicionou a favor de Bazoum, e a guarda presidencial, chegou a ameaçar a capital, mas logo foi resolvido. Em 27 de julho, o general Abdou Sidikou Issa, do Exército, emitiu uma declaração dizendo que aceitaria a situação para "evitar um confronto mortal entre as diferentes forças que [...] poderia causar um banho de sangue". O general de brigada Tchiani foi à televisão no dia 28 de julho para anunciar que era o novo presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (Conseil National pour la Sauvegarde de la Patrie ou CNSP).

O golpe no Níger ocorre após golpes semelhantes no Mali (agosto de 2020 e maio de 2021), em Burkina Faso (janeiro de 2022 e setembro de 2022) e na Guiné (setembro de 2021). Cada um desses golpes foi liderado por oficiais militares revoltados com a presença de tropas francesas e americanas e com as crises econômicas permanentes infligidas a seus países. Essa região da África – o Sahel – tem enfrentado uma cascata de crises: a seca da terra em decorrência da catástrofe climática, o aumento da militância islâmica devido à guerra da OTAN na Líbia em 2011, o aumento das redes de contrabando para o tráfico de armas, pessoas e drogas pelo deserto, a apropriação de recursos naturais – inclusive urânio e ouro – por empresas ocidentais que simplesmente não pagaram adequadamente por essas riquezas e o enraizamento das forças militares ocidentais por meio da construção de bases e da impune atuação de seus exércitos.

Dois dias após o golpe, o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP) anunciou os nomes dos dez oficiais que o liderarão. Eles vêm de todas as forças armadas, desde o Exército (general Mohamed Toumba) até a Força Aérea (coronel Major Amadou Abouramane), incluindo a Polícia Nacional (general-adjunto Assahaba Ebankawel). Já está claro que um dos membros mais influentes do CNSP é o general Salifou Mody, ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e líder do Conselho Supremo para a Restauração da Democracia, que liderou o golpe de fevereiro de 2010 contra o presidente Mamadou Tandja e que governou o Níger até que o antecessor de Bazoum, Mahamadou Issoufou, vencesse a eleição presidencial de 2011. Foi durante o mandato de Issoufou que o governo dos Estados Unidos construiu a maior base de drones do mundo em Agadez e que as forças especiais francesas guarneceram a cidade de Irlit em nome da empresa de mineração de urânio Orano (anteriormente parte da Areva).

É importante observar que o general Salifou Mody é visto como um membro influente do CNSP dada sua ascendência sobre o Exército e seus contatos internacionais. Em 28 de fevereiro de 2023, Mody se reuniu com o Presidente do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Mark Milley, durante a Conferência dos Chefes de Defesa Africanos, em Roma, para discutir "a estabilidade regional, incluindo a cooperação contra o terrorismo e a luta contínua contra o extremismo violento na região". Em 9 de março, Mody visitou o Mali para se reunir com o coronel Assimi Goïta e o chefe do Estado-Maior do Exército do Mali, general Oumar Diarra, para fortalecer a cooperação militar entre o Níger e o Mali. Alguns dias depois, em 16 de março, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, visitou o Níger para se reunir com Bazoum. No que muitos no Níger perceberam como um afastamento de Mody, ele foi nomeado em 1º de junho embaixador do Níger nos Emirados Árabes Unidos. Dizem que Mody, em Niamey, é a voz que fala aos ouvidos do brigadeiro-general Tchiani, o chefe de estado em exercício.

·         A corrupção e o Ocidente

Uma fonte altamente informada no Níger nos diz que o motivo pelo qual os militares agiram contra Bazoum é que "ele é corrupto, um peão da França. Os nigerinos estavam fartos dele e de sua gangue. Eles estão prendendo os membros do sistema deposto, que desviaram fundos públicos, muitos dos quais se refugiaram em embaixadas estrangeiras". A questão da corrupção paira sobre o Níger, um país com um dos depósitos de urânio mais lucrativos do mundo. A "corrupção" de que se fala no Níger não se refere a pequenos subornos de funcionários do governo, mas a toda uma estrutura – desenvolvida durante o domínio colonial francês – que impede o Níger de estabelecer a soberania sobre suas matérias-primas e sobre seu desenvolvimento.

No centro da "corrupção" está a chamada "joint venture" [empresa conjunta] entre o Níger e a França, chamada Société des mines de l'Aïr (Somaïr), que é proprietária e opera o setor de urânio no país. Surpreendentemente, 85% da Somaïr pertencem à Comissão de Energia Atômica da França e mais duas empresas francesas, enquanto apenas 15% pertencem ao governo do Níger. O Níger produz mais de 5% do urânio do mundo, mas seu urânio é de altíssima qualidade. Metade das receitas de exportação do Níger provêm das vendas de urânio, petróleo e ouro. Uma em cada três lâmpadas na França é alimentada por urânio do Níger, ao mesmo tempo em que 42% da população do país africano vive abaixo da linha da pobreza. O povo do Níger tem visto sua riqueza lhes escapar por entre os dedos há décadas. Como marca da debilidade do governo, ao longo da última década, o Níger perdeu mais de 906 milhões de dólares em apenas 10 processos de arbitragem movidos por corporações multinacionais perante o Centro Internacional para Solução de Disputas sobre Investimentos e a Câmara de Comércio Internacional.

A França parou de usar o franco em 2002, quando passou a usar o sistema do euro. No entanto, quatorze ex-colônias francesas continuaram a usar a Communauté Financiére Africaine (CFA) como moeda, o que dá imensas vantagens à França (50% das reservas desses países têm de ser mantidas no Tesouro francês e as desvalorizações francesas da CFA – como em 1994 – têm efeitos catastróficos sobre os países que a utilizam). Em 2015, o presidente do Chade, Idriss Déby Itno, disse que o CFA "puxa as economias africanas para baixo" e que "chegou a hora de romper a corda que impede o desenvolvimento da África". Atualmente, fala-se em todo o Sahel não apenas sobre a retirada das tropas francesas – como ocorreu em Burkina Faso e no Mali -, mas também sobre o rompimento do domínio econômico francês sobre a região.

·         O novo não-alinhamento

Na Cúpula Rússia-África de 2023, em julho, o líder de Burkina Faso, o presidente Ibrahim Traoré, usou uma boina vermelha que lembrava o uniforme do líder socialista assassinado de seu país, Thomas Sankara. Traoré reagiu fortemente à condenação dos golpes militares no Sahel, e também a uma recente visita de uma delegação da União Africana ao seu país. "Um escravo que não se rebela não merece piedade", disse ele. "A União Africana deve parar de condenar os africanos que decidem lutar contra seus próprios regimes títeres do Ocidente."

Em fevereiro, Burkina Faso sediou uma reunião que incluiu os governos de Mali e Guiné. Na pauta está a criação de uma nova federação desses estados. É provável que o Níger agora seja convidado para essas conversas.

 

Ø  'Intervenção ocidental no Níger seria nova colonização', diz chanceler italiano

 

Na visão da chancelaria italiana, "pressão" deve ser exercida sobre golpistas de Niamey para restabelecer a democracia, mas abordagem militar externa deve ser descartada.

Em meio às tensões no Níger após golpe militar, o chanceler italiano, Antonio Tajani, alertou contra o envolvimento militar ocidental no país que agora está sob o controle de uma junta após o presidente nigerino Mohamed Bazoum ser derrubado.

"Acho que devemos pressionar a restauração da democracia, mas qualquer iniciativa militar ocidental deve ser excluída porque seria vista como uma nova colonização", disse Tajani ao Rai News nesta quarta-feira (2).

Os comentários do ministro vieram depois que a junta militar acusou a França de conspirar para "intervir militarmente" para libertar Mohamed Bazoum, que está detido desde 26 de junho.

Paris afirmou que só reconhece Bazoum, eleito democraticamente em 2021, como legítimo poder em Niamey, mas negou as acusações de que uma greve está sendo planejada para libertá-lo. Na segunda-feira (1º), a chefe da diplomacia francesa, Catherine Colonna, disse à mídia que a afirmação é falsa.

Os líderes da junta em Mali e Burkina Faso declararam há dois dias atrás que qualquer intervenção militar estrangeira no vizinho Níger seria considerada uma declaração de guerra contra Bamaco e Ouagadougou.

A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) emitiu um ultimato de uma semana aos golpistas no domingo para libertar Bazoum e restaurar a ordem constitucional no Níger.

O organismo regional ameaçou usar a força caso a junta chefiada pelo general Abdourahamane Tchiani, comandante da Guarda Presidencial, não cumprisse as diretivas.

Em resposta, Bamaco e Ouagadougou anunciaram que sairiam da CEDEAO e "adotariam medidas de autodefesa em apoio às forças armadas e ao povo do Níger" se o bloco usasse a força.

A Rússia pediu um diálogo nacional na ex-colônia francesa, com a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, dizendo que a ameaça de intervenção militar apenas exacerbará a crise.

 

Ø  Níger: uma semana após golpe, junta militar reabre fronteiras aos países vizinhos

 

A junta militar do Níger, que governa o país após dar um golpe contra o presidente Mohamed Bazoum, anunciou na noite de terça-feira (01/08) que reabriu suas fronteiras com cinco países vizinhos. 

As fronteiras foram fechadas ao mesmo tempo que a junta havia anunciado o afastamento de Bazoum, que foi eleito democraticamente em 2021. Agora, uma semana depois, os militares nigerinos afirmaram que a medida será de reabertura terrestre e aérea com Argélia, Burkina Faso, Mali, Líbia e Chade. 

Com a medida, as fronteiras reabertas, em sua maioria, são em áreas distintas e desérticas. Segundo a agência de notícias Reuters, as entradas principais do Níger, que envolvem a passagem de comércio, permanecem fechadas por conta das sanções estabelecidas pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao)

Isso por que, os países que integram a Cedeao impuseram bloqueios financeiros e de viagens aos militares que lideraram o golpe no Níger, suspendendo ainda relações diplomáticas com a nação. 

A comunidade deu uma semana, que vence no próximo domingo (06/08), para que o presidente deposto seja reinstituído ao cargo. Caso isso não ocorra, a Cedeao não descarta ações militares no Níger, o que, para os governos de Burkina Faso e Mali, seria uma "declaração de guerra".

Os dois governos, inclusive, afirmaram que qualquer intervenção militar contra o Níger "levaria à saída de Burkina Faso e Mali da Cedeao, bem como à adoção de medidas de legítima defesa no apoio às forças armadas e ao povo do Níger".

Os ministros da Defesa dos países que formam a Cedeao iniciam nesta quarta-feira (02/08) uma reunião de dois dias na Nigéria, a fim de debater o que está ocorrendo no Níger. Ainda de acordo com a Reuters, uma delegação da comunidade deve chegar em Niamei, capital nigerina, para iniciar negociações com a junta militar. 

Quem lidera a junta militar é o geral Abdourahmane Tiani.

·         Histórico de golpes de Estado

O Níger era uma antiga colônia francesa no Noroeste da África, que alcançou sua independência em 1960. Desde então, o país teve cinco presidentes civis, sendo que os três primeiros foram vítimas de golpes de Estado: Hamani Diori (primeiro presidente da história do país), em 1974; Mahamane Ousmane, em 1996; e Mamadou Tandja, em 2010.

Também houve um golpe de Estado contra o presidente militar Ibrahim Baré Maïnassara, em 1999, em ação ainda mais violenta, já que terminou com o assassinato do então mandatário.

O golpe contra Bazoum foi, portanto, o quinto registrado nos 63 anos de história do país, e interrompe um período democrático de 12 anos, desde a posse do presidente civil Mahamadou Issoufou, em abril de 2011.

 

Fonte: Globetrotter/Sputnik Brasil/Oprta Mundi

 

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