Salvador: Ativista americana defende valorização de homens na
comunidade negra
A cura, o bem-estar e a valorização da comunidade
negra, para além de um cenário de violência, são uns dos principais trabalhos
promovidos pela ativista negra norte-americana Victória Santos. Ela chega em
terras soteropolitanas para promover o evento internacional “Uma Jornada Com
Três Homens Pretos - Trauma, Ritual & a Promessa do Monstruoso".
A vivência contará com a participação do professor
e filósofo, Bayo Akomolafe, do mestre em pensamento sistêmico, Orland Bishop, e
do escritor e terapeuta, Resmaa Menaken. O evento, que terá entrada gratuita,
está marcado para o dia 1º de setembro, no Museu de Arte Moderna (MAM), apenas
com homens pretos e, no dia 2 de setembro, na Senzala do Barro Preto,
contemplando também as mulheres pretas. A programação acontecerá sempre das 9h
às 17h.
Victória, idealizadora do evento, é fundadora da
BIPOC ED Coalition, que reúne 200 líderes negros e indígenas em um trabalho
voltado para promover o bem-estar e a saúde, e do Centro de Cura e Libertação,
uma organização que também é voltada para essas práticas e para a justiça
racial. Ao criar essas organizações, a ativista conseguiu conscientizar muitas
pessoas pretas a trabalharem suas dores e também a aspirarem um futuro de
sucesso e realizações.
Em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE, Victória
contou que a Jornada foi idealizada com o desejo de querer ouvir e sentir a
presença da masculinidade negra, além de evidenciar a potência dos homens
negros.
“A inspiração da coragem, a proteção e o
companheirismo dos homens negros. Isso também veio com os eventos que
aconteceram nos Estados Unidos com a morte de George Floyd, com todas essas
violências, e a relação com os próprios homens da minha família, a relação com
meu pai. É algo para ver o que esses três homens [participantes do evento]
estão fazendo, me faz querer engajar nessa conversa com eles”, disse.
Uma das pautas a serem trabalhadas no evento são as
possíveis estratégias para o homem preto conquistar grandes espaços com
dignidade e equidade. Nessa relação, Victória pontuou que o poder da expressão
artística é um quesito importante.
“Uma das coisas que os irmãos disseram, algo que eu
também já sabia, é que os artistas, os pintores, a arte, os músicos, a música,
as expressões artísticas são muito importantes para chegar nesse ponto. Mas vou
deixar os três irmãos responderem isso. Eles, que estão vindo para o evento, estão
fazendo seus trabalhos, cada um no seu espaço e, juntos, vão compartilhar e
harmonizar o que eles fazem nessa direção com os homens pretos do Brasil. No
dia primeiro serão só homens, eles vão compartilhar, falar e construir
estratégias. Já o dia dois será com todo mundo compartilhando e trocando, vamos
conversar com nossos corpos, caminhar juntos, dançar, rezar, fazer coisas
juntos, não serão só conversas”, ressalta.
A ativista busca essa perspectiva para os homens
pretos por causa de um cenário de racismo que afeta a autoestima, os sonhos e a
felicidade de toda a comunidade. Segundo Victória, foi vendido uma história que
separa as pessoas em categorias através da cor da pele e é preciso eliminar
essa mentalidade que ainda persiste no mundo atual.
“Essas categorias diziam quem vale mais, que os
brancos valem mais a partir de suas peles, quem vale mais a partir da cor de
sua pele. Isso foi vendido para nós de uma maneira que foi difícil para eu
entender que sou bonita. Fez eu entender por muito tempo que sou subserviente a
pessoas brancas por conta da cor da minha pele. Então, está na hora de acabar,
acordar desse conto, acordar desse pesadelo que faz com que as pessoas achem
que elas são superiores por conta das cores. É algo que a gente precisa eliminar.
Não é bom nem para as pessoas pretas e nem para ninguém. A gente não pode mais
suportar isso. Nem a terra está mais suportando a nossa ganância”, comenta.
Victória relembrou que o assassinato de George
Floyd foi um sacrifício que o mundo sentiu e o fez mudar de perspectivas. O
ocorrido não só impulsionou novos movimentos, como também deu forças para que
ela pudesse construir novos trabalhos.
“Quando ele deu o seu último suspiro dizendo que
não podia respirar, por muito tempo houve muitos de nós que não conseguiram
respirar. Então, quando ele morreu, uma energia foi liberada. Ele estava
chamando pela sua mãe, mas não apenas a sua mãe física, também a sua mãe
espiritual, uma energia de proteção. Muita coisa saiu dessa experiência com o
Jorge Floyd e continua fazendo brotar coisas novas. Esse sacrifício dele não
foi em vão e é isso que eu faço todos os dias mesmo quando eu nomeio o Jorge
Floyd. Eu o honro fazendo as coisas que eu faço, construindo, vivendo,
existindo em comunidade. Essa é a forma que a gente honra o espírito de George
Floyd”, pontua.
Mesmo com tantos desafios para a população preta, a
preservação da ancestralidade é um marco de resistência. Victória sentiu que a
cultura negra em Salvador está para além da história escravocrata e, por isso,
a realização do evento da Jornada Internacional na capital baiana tem uma
grande relevância.
“É algo que está anterior ao espírito da
escravidão, está preservando o que veio antes desse período. É importante
lembrar isso para que a gente possa se reconectar com o nosso futuro. Eu vi o
que aconteceu nas cavernas com as pessoas africanas, quando elas foram
capturadas pela escravidão. Eu senti o meu coração partir e senti essa ferida
que aconteceu com o nosso povo lá. Quando eu vim para cá, senti essa conexão com
o Brasil. Em termos de se conectar com a ancestralidade brasileira, sinto que
os brasileiros vêm fazendo isso muito bem com o Candomblé, com a Umbanda, com
as religiões de matriz africanas. Para nós, que estamos vindo pra cá, é como
testemunhar o que vocês estão fazendo em termos de ancestralidade”, conclui.
• Rota
Diaspórica Reversa
Em 2023, Os Três Homens Pretos realizam visitas em
países de três continentes, em uma rota diaspórica reversa. Em cada país
visitado, eles buscam construir um processo de fortalecimento da negritude nos
continentes e no mundo.
A primeira parada da Jornada aconteceu no mês de
junho de 2023, em Los Angeles, nos Estados Unidos. O próximo encontro com as
três lideranças é o que acontecerá em Salvador, e o último evento, que finaliza
a jornada, acontecerá em Acra, capital de Gana, em dezembro de 2023.
Fonte: A Tarde
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