Maconha queima neurônio? O efeito é igual para todos? Veja o que é mito
e o que é verdade
Em meio à discussão no Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal,
algumas questões ressurgem: afinal, a maconha vicia? Pode ser porta de entrada
para drogas mais pesadas? Qual a diferença entre fumar um cigarro de maconha e
o uso medicinal da cannabis?
O g1 consultou médicos especialistas para explicar,
em 9 tópicos, o que é mito e o que é verdade sobre a maconha.
Antes, é preciso esclarecer o que está em jogo no
STF: os ministros decidem se o porte de maconha para uso pessoal é crime – o
placar até agora é de 5 a 1 para que não seja crime. Eles também vão deliberar
se é possível diferenciar o usuário do traficante com base na quantidade de
droga encontrada – o placar é de 6 a 0, e já há maioria para definir uma
quantidade-limite. O julgamento foi suspenso após um pedido de vista.
<<<<< Confira abaixo mitos e
verdades sobre a maconha:
• 1.
Maconha pode queimar os neurônios?
❌ MITO! Não há qualquer indício de que a maconha possa queimar
neurônios, segundo o médico Claudio Lottenberg, presidente do Conselho da
Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
Ele lembra, porém, que a droga age no sistema
nervoso central, e o uso recreativo pode, sim, causar danos cerebrais.
O uso indiscriminado e sem controle da maconha,
evidentemente, traz uma série de riscos ao sistema nervoso central. — Claudio
Lottenberg, médico
⚡ Alerta! Entre os mais jovens, o consumo de maconha pode ter um fator
agravante: na adolescência, o córtex pré-frontal, área do cérebro que ajuda a
tomar decisões, não está totalmente formado, e o uso excessivo de maconha pode
afetar o seu desenvolvimento.
Lottenberg ressalta que a questão de eventual dano cerebral
não se aplica à utilização da cannabis para fins terapêuticos. "O uso
medicinal é com acompanhamento, com doses seguras", afirma o médico, que
também atua no mercado da cannabis medicinal.
👉 Mas qual a origem do mito de que a maconha "queima
neurônios"? A crença surgiu após a divulgação de um estudo feito nos
Estados Unidos em 1974 que colocou macacos para respirarem a fumaça de cigarros
de maconha ininterruptamente. Eles morreram em três meses e, na análise do
cérebro dos animais, foi constatada a redução no número de células nervosas.
Depois, descobriu-se que a ação foi resultado da intoxicação pela fumaça, que
reduziu a oxigenação no cérebro dos macacos.
• 2.
Maconha pode viciar?
✔️ VERDADE! A
maconha é uma droga e pode, sim, viciar. No entanto, os especialistas explicam
que, entre as drogas, ela é a com menor potencial de risco para o vício.
"No vício, o metabolismo fica estimulado
sistematicamente para que você tenha vontade de consumir aquilo do qual você
está dependente. Essa não é a resposta do corpo humano à cannabis",
explica Lottenberg, acrescentando que há exceções, como fatores genéticos,
ambientais e comportamentais.
Ele afirma que o THC, substância presente na
cannabis responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos, afeta o sistema
que regula funções como humor, apetite e memória.
O uso repetido da maconha pode levar à tolerância,
exigindo doses maiores para alcançar os mesmos efeitos.
Segundo a médica Carolina Nocetti, que é diretora
do comitê que representa o Brasil na Associação Pan-Americana de Medicina
Canabinoide, ao contrário da cannabis medicinal, em que os níveis de THC são
pequenos, no cigarro de maconha, esses níveis não são controlados e, por isso,
podem ser muito altos, o que aumenta o risco de viciar.
“A gente tem parâmetro suficiente para dizer que,
em produtos ricos em CBD com até 0,2% de THC, não há incidência de dependência
química e tolerância”, explica Carolina.
• 3.
Maconha é 'porta de entrada' para outras drogas?
❌ MITO! A maconha é a droga ilegal mais usada por ser a mais barata.
Então, quando uma pessoa passa a experimentar drogas, é provável que comece por
ela. No entanto, não há qualquer indício de que a maconha cause no corpo alguma
reação química que leve a pessoa a desejar ou necessitar de drogas mais fortes
- até pelo seu menor potencial de vício.
O médico Luís Fernando Tófoli, professor do
Departamento de Psiquiatria da Unicamp e pesquisador sobre políticas de drogas,
alerta, porém, que é preciso, além do fator químico, observar as questões
sociais do usuário.
A porta de entrada para drogas é a biqueira [ponto
de venda de drogas]. É o tráfico quem faz a gestão de que droga a pessoa
experimenta. Desenvolver o vício não diz respeito apenas ao impacto que a droga
tem no organismo, mas com as condições da pessoa. Precisamos desfocar da
substância e olhar para a pessoa. Ela está em vulnerabilidade social? Tudo isso
importa. — Luís Fernando Tófoli, médico psiquiatra
A médica Carolina Nocetti explica que a maconha vem,
inclusive, sendo usada em políticas de controle, como "porta de
saída" para pessoas em tratamento de dependência química em drogas mais
pesadas.
"Há recomendações de controle de danos que
indicam o uso da maconha como alternativa a outras drogas em pessoas em
tratamento de dependência química. Isso porque os efeitos colaterais e
potencial de vício são menores", afirma.
Exemplo disso acontece no Centro de Atenção
Psicossocial de Itajaí, em Santa Catarina. Em julho, o trabalho deles viralizou
com a divulgação da entrega de kits com folhas de seda – usadas em cigarros de
maconha – a pessoas em tratamento de dependência química. De acordo com a
prefeitura, a ação fazia parte do programa de redução de danos.
• 4. O
efeito de fumar maconha é o mesmo para todos?
❌ MITO! Vários fatores vão interferir em como a pessoa irá se sentir
após usar maconha.
O médico Claudio Lottenberg explica que cada
metabolismo é único e, da mesma forma que o álcool pode provocar efeitos
diferentes em cada pessoa a depender do metabolismo, a maconha também.
Isso é da fisiologia do corpo humano, assim como
para o álcool as pessoas respondem de forma eufórica ou depressiva, os limiares
comportamentais respondem de forma individualizada. É uma droga psicoativa, ela
tem respostas individualizadas e os estudos não são tão seguros sobre como age
em cada tipo de metabolismo. — Claudio Lottenberg
De acordo com Tófoli, o tipo de reação vai depender
de três pontos:
1. A
variação de cada flor da maconha: como um produto natural, não há como padronizar
e controlar a quantidade de substâncias psicoativas em cada erva.
2. O
local onde a pessoa faz o consumo: em uma festa, por exemplo, há mais chance de
a pessoa ficar eufórica.
3. Estado
emocional da pessoa: se estiver triste ou deprimida, a droga pode potencializar
esses pontos.
• 5. É
possível ter overdose e morrer por consumo exagerado?
❌ MITO! Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), não há evidências
de morte por overdose pelo uso de maconha. Ou seja, não é possível morrer
diretamente pelo consumo de maconha.
No entanto, a médica Carolina Nocelli alerta para
as causas indiretas, reforçando que a maconha é uma droga e possui
contraindicações.
“A maconha pode baixar a glicemia e a pressão. Quem
tem esses índices baixos e faz o uso, pode ter uma queda maior e isso impactar
a saúde. Ou quem toma a medicação para controle e soma isso com a maconha,
também. O que precisa ter em mente é que não há quantidade segura sem
acompanhamento médico e que há contraindicações”, explica.
É verdade que a maconha pode viciar — Foto: Pexels
• 6. A
maconha pode causar transtornos mentais?
✔️ VERDADE!
Segundo o pesquisador Luis Fernando Tófoli, há estudos que indicam uma
tendência à psicose, principalmente em pessoas que usam maconha antes dos 21
anos e com frequência de, pelo menos, três cigarros de maconha ao dia.
“Apesar da estatística, ainda não há como dizer de
forma absoluta se as pessoas que depois vão desenvolver psicose têm tendência a
procurar maconha ou se elas procuram maconha e isso desencadeia a psicose. Um
jovem de 21 anos que usa maconha em alta frequência é um sinal de problema de
saúde”, diz.
• 7.
Maconha pode agravar um quadro de depressão?
✔️ VERDADE! O
professor de psiquiatria da Unicamp afirma que não há estudos que indiquem
depressão como efeito, mas que há dados que mostram que pessoas com depressão
podem ter mais dificuldade de sair do estado depressivo com o uso da
substância.
A maconha tem um efeito muito individual. O que
temos de informação é que há pessoas que, se aumentam o consumo da maconha já
em um quadro de depressão, têm dificuldade de sair desse estado depressivo. A
maconha pode se tornar algo a que a pessoa recorre para tentar se acalmar ou
dormir e isso dificulta a busca por ajuda e recuperação. — Luís Tófoli
• 8. O
cigarro é mais prejudicial que a maconha?
✔️ VERDADE! O
cigarro tem potencial de vício e de morte maior que a maconha. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas
por ano. Sobre a maconha, não há casos de morte pelo uso.
No vício, o corpo tem uma necessidade constante
daquela substância. No caso da maconha, o corpo não responde dessa maneira na
maior parte dos casos.
A médica Carolina Nocetti explica que o risco de
vício é de 9% entre os usuários da droga. Já no caso do cigarro, a nicotina tem
uma resposta de vício em 90% dos usuários.
Ela lembra que a maconha, frente ao cigarro, é
avaliada como redução de danos, mas sem levar em consideração os riscos, como
procedência da droga e forma de uso.
Como é uma droga ilícita, não se tem controle do
que há em um cigarro de maconha, por exemplo. Há outras substâncias que são
incluídas, algumas delas tóxicas e que podem sim causar problemas de saúde.
Outra coisa é que fumar a maconha também tem um potencial de risco para o
câncer.
— Carolina Nocetti
• 9. A
maconha recreativa e maconha medicinal são a mesma coisa?
❌ MITO! A quantidade e a forma de uso são totalmente diferentes.
• Maconha
para uso recreativo: o usuário, geralmente, fuma um cigarro com as flores da
planta Cannabis sativa, mas também é possível consumi-la de outras maneiras,
como ingerindo no meio de alimentos.
• Cannabis
para uso medicinal: o paciente usa óleos, pomadas, extratos ou medicamentos
(alguns já disponíveis em farmácias) feitos a partir de substâncias presentes
na maconha. Serve para tratar de sintomas de condições como epilepsia,
Parkinson e dores crônicas.
A planta Cannabis sativa é composta por diversas
substâncias químicas chamadas de canabinoides. Os mais conhecidos são o
tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). A diferença entre os dois é
que:
• O THC
é o responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos.
• O CBD
possui diversas possibilidades terapêuticas e até efeitos protetores contra os
danos do próprio THC, incluindo efeitos antipsicóticos.
A médica Carolina Nocetti explica que a diferença
entre o uso recreativo e medicinal é a quantidade, forma de uso e o propósito.
"Na medicina, usamos em óleo e o paciente
consome a substância via oral. Não se fuma maconha para tratamento. Com a
prescrição, essa substância é controlada, a gente sabe quanto de cada
substância tem nesse extrato. A proposta medicinal é usar o efeito como
tratamento para doenças", explica.
No caso do CBD, por exemplo, ele tem um efeito
relaxante, sedativo e é usado na medicina para o tratamento da dor crônica.
Lottemberg ainda reforça que o uso medicinal tem segurança
e o recreativo, não.
“Não se pode confundir as duas coisas. No uso
medicinal, há segurança de dose, pois há acompanhamento. É como qualquer
substância: se você usar de forma indiscriminada, sem saber o que tem ali, pode
ter consequências. É preciso lembrar que a maconha é um psicotrópico com
contraindicações”, explica.
Fonte: g1
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