Raoni: "Para Bolsonaro, indígena que atrapalha deve morrer"
Líder pede união do movimento indígena para
enfrentar marco temporal e discurso de ódio, que diz serem heranças de
Bolsonaro. Na última sexta, ele organizou encontro de mais de 700 lideranças em
Mato Grosso.Figura fundamental na discussão sobre o artigo que garante os
direitos dos povos indígenas na Constituição Federal de 1988, cacique Raoni diz
se preocupar agora com uma ameaça que vem de Brasília e pode comprometer o
futuro dos povos originários.
Essa ameaça é o marco temporal, que restringiria a
demarcação de terras a territórios ocupados pelos indígenas antes de 5 de
outubro de 1988, o que segundo Raoni seria uma grande violação. A tese está em
análise no Supremo Tribunal Federal (STF), que retomou o debate em junho,
posteriormente suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça.
"O marco temporal ignora nossa memória e
história por ações de colonizadores, latifundiários e empreendimentos
econômicos de deslocamentos forçados, violências, massacres e expulsões vividos
em nossos territórios tradicionais, o que resultou em perdas irreparáveis para
nossas culturas e modo de vida", afirma Raoni em uma carta aberta,
assinada também por mais cinquenta lideranças.
O movimento indígena diz concordar com o voto dado
pelo ministro Alexandre de Moraes na retomada do julgamento, mas discorda do
pagamento de indenização. "Não consideramos justo compensar pessoas e
empresas que são responsáveis pelo assassinato de nossas lideranças e massacre
do nosso povo que historicamente lutam pelo nosso território. Nós é que
deveríamos ser indenizados pelos anos de violências vividos e por receber uma
terra devastada", afirma a carta.
O manifesto foi publicado ao fim do encontro
organizado por Raoni e batizado de Chamado do Cacique Raoni Metuktire. A
reunião, encerrada na última sexta-feira (28/07), levou mais de 700 indígenas à
aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Kapot/Jarina, em Mato Grosso. Na primeira
edição do evento, em janeiro de 2020, Raoni havia convocado lideranças para
darem uma resposta de união frente ao governo de Jair Bolsonaro.
A reunião contou com lideranças como Davi Kopenawa,
xamã yanomami que denuncia há anos o impacto devastador da invasão de
garimpeiros na TI Yanomami. Davi é um dos que demandam a desintrusão imediata
de todas as terras indígenas já demarcadas e homologadas, além de garantias de
proteção, monitoramento e fiscalização.
"Por tempos imemoráveis, nós Povos Indígenas,
temos sido guardiões e guardiãs das florestas, dos rios, do ar e dos animais
das terras por onde nossos ancestrais caminharam. Essas terras representam não
apenas nosso lar, mas também nossa identidade cultural, nossas tradições,
ciência, que sempre existiram de forma conjunta e equilibrada com a natureza. É
fundamental compreender que a posse dessas terras não se trata apenas de um
aspecto material, mas de um elemento essencial para a nossa existência",
diz o manifesto.
Ao fim do encontro, cacique Raoni respondeu a
perguntas da DW. "Foi o vice-presidente da Dilma Rousseff, Michel Temer,
que começou a incentivar as pessoas a terem ódio dos povos indígenas. Depois
veio o Jair Bolsonaro. Ele começou a incentivar de uma maneira muito forte as
pessoas a matarem os indígenas, dizendo 'se o indígena atrapalhar, mate ele'.
Assim era Bolsonaro", declara Raoni.
• O que
levou o senhor a convocar as lideranças indígenas para este segundo encontro?
Cacique Raoni: Quando Lula entrou no governo depois
dessa pessoa [Bolsonaro] que só discursava com ódio, pensei nesta oportunidade
de poder juntar várias lideranças do Brasil para discutir sobre nós mesmos,
sobre nossas causas e sobre o meio ambiente. O encontro é para poder fortalecer
a luta pelo meio ambiente e também fortalecer e empoderar o nosso povo, ter uma
união para poder enfrentar qualquer tipo de ameaça que podemos receber. Ou
seja, preparar a nossa estratégia, nos organizar para lidar com as ameaças.
Foi o vice-presidente da Dilma Rousseff, Michel
Temer, que começou a incentivar as pessoas a terem ódio dos povos indígenas.
Depois veio o Jair Bolsonaro. Ele começou a incentivar de uma maneira muito
forte as pessoas a matarem os indígenas, dizendo 'se o indígena atrapalhar,
mate ele'. Assim era Bolsonaro. Ele pedia para as pessoas derrubarem as
árvores, a floresta, para poder plantar soja, garimpar, pra poder tirar
madeira. Foi ele que incentivou as pessoas a terem ódio. Bolsonaro não tem
noção do que ele fez. Ele não pensa direito.
• Qual
o principal efeito para os povos indígenas do governo Bolsonaro, na avaliação
do senhor?
Quando Jair Bolsonaro entrou no governo, ele
incentivava as pessoas para que estivessem separadas, desunidas, em conflito.
Ele incentivava as pessoas a destruir os povos indígenas, a destruir o meio
ambiente. Esse era o discurso dele, incentivar as pessoas a terem ódio das
coisas. Foi isso o que ele fez durante o tempo dele.
Um presidente no poder, uma liderança no poder que
faz isso, não é bom para todos nós. Por isso, as pessoas, quando me falam sobre
ele, me passam informação sobre ele, eu sempre penso que, antigamente, quem
estava no Brasil éramos somente nós, os povos indígenas.
No dia em que os portugueses chegaram nesta terra,
eles foram dominando tudo. Matando, matando todos nós. Até que os indígenas
aprenderam a matar também e começaram a se confrontar. Então houve conflitos
ali. E aí, depois disso, muita gente aprendeu a brigar com o outro.
O meu povo também brigava, entrava em conflito, em
guerra. Os portugueses trouxeram isso, ensinaram isso para os povos indígenas.
Mas eu evitei isso. Evitei para que não houvesse mais guerra entre povos, para
que todos defendam o que é de direito, defenda a família.
Eu evitei essa guerra entre indígenas e não
indígenas. Mas o discurso do Bolsonaro era esse, de incentivar uns aos outros a
se matarem.
Raoni
e lideranças indígenas cobram extinção da tese do marco temporal
O “Chamado do Raoni” terminou na última 6ª feira
(28/7), após uma semana de debates entre centenas de indígenas de todo o país.
O principal resultado do encontro – promovido pelo cacique Kayapó Raoni Metuktire,
de 93 anos, referência histórica indígena e que representou os Povos
Originários na posse do presidente Lula – é um manifesto no qual 54 Povos
Indígenas do Brasil pedem que o Estado brasileiro se posicione concretamente
contra o marco temporal até 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas.
Além disso, cobra ações contra os impactos das mudanças climáticas e pela
aceleração da demarcação de Terras Indígenas.
No final de maio, um “trator ruralista” pilotado
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aprovou a tese, que entrou na
pauta da casa em regime de urgência. Dias depois, em junho, o Supremo Tribunal
Federal (STF) retomou o julgamento sobre o marco temporal, mas um pedido de
vista do ministro André Mendonça interrompeu a análise da Corte. Na prática,
reforça a Folha, a tese restringe a demarcação das TIs, ao estabelecer que só
podem ser homologadas terras ocupadas pelos povos originários até a promulgação
da Constituição, em outubro de 1988.
“Nossos ancestrais há muitos anos vêm avisando que
a saúde da terra não é responsabilidade só nossa, ela é responsabilidade de
todos, se o céu cair, a terra incendiar e as águas subirem, todos nós iremos
morrer. Não há dinheiro que compre outro planeta”, diz um trecho da carta,
destacado pela Carta Capital.
Um estudo recente do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (IPAM) estima que, se o marco temporal for aprovado, de
230 mil a 550 mil km² de áreas nativas serão desmatadas na Amazônia Legal. Isso
equivale aos territórios de Rondônia e da Bahia, respectivamente. O desmate
levaria à emissão de até 18,7 bilhões de toneladas de CO2 – nada menos que 14
anos das emissões atuais do Brasil.
O presidente Lula era esperado no “Chamado do
Raoni”, que aconteceu na aldeia Piaraçu, na TI Capoto-Jarina, região do Alto
Xingu. Por problemas de saúde, não pôde ir. Por isso, o governo federal foi
representado pelas ministras do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina
Silva, dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e pela presidente da FUNAI, Joenia
Wapichana. A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) também participou do
encontro, informa o Correio Braziliense.
Em entrevista a’O Globo, Raoni lembra o estímulo à
violência contra indígenas promovido pelo governo Bolsonaro, que também tentou
criar desavenças e conflitos entre os próprios indígenas. Mas, para o Cacique,
o abandono se originou no governo Temer, “que começou a incentivar as pessoas a
terem ódio nos Povos Indígenas”. Com Lula, surgiu a oportunidade de solucionar
os problemas. Mas, para isso, era preciso definir uma pauta de luta consistente
– o que estimulou a realização do “chamado”.
“Quando o Lula entrou como liderança do país depois
dessa pessoa que só discursava o ódio, daí eu pensei, né? Essa é a oportunidade
de juntar várias lideranças no Brasil para discutir sobre nós mesmos, o
assunto, a causa dos Povos Indígenas e do meio ambiente para poder fortalecer
essas lutas e também nos empoderar, ter uma união para enfrentar qualquer tipo
de ameaça que nós possamos receber. Ou seja, preparar nossa estratégia de poder
se proteger do que vem por aí”, finaliza Raoni.
Personalidades mundiais manifestaram apoio ao
“Chamado do Raoni” e à luta dos Povos Indígenas do Brasil. O rei Charles III,
do Reino Unido, enviou carta a Raoni dizendo que sua voz “tem sido fundamental
no Brasil, e no mundo, em esforços para preservar a Amazônia e em seu apoio aos
direitos de todos os Povos Indígenas”, relatam Agência Brasil, O Globo, g1,
Metrópoles e Veja. Já o cantor britânico Sting e sua esposa, a atriz Trudie,
enviaram um vídeo ao cacique, agradecendo por sua luta pela preservação
florestal e celebrando a forma como Raoni mantém sua “unidade espiritual e
integridade cultural”, segundo O Globo.
Sting e Raoni se conheceram no final dos anos 1980,
quando saíram em turnê pelo mundo para denunciar a destruição da floresta e o
descaso brasileiro com os Povos Indígenas. Passados quase 40 anos, o cenário
mudou pouco.
• Em
tempo:
O cacique Raoni Metuktire deve ser sucedido por um
grupo de lideranças indígenas que o acompanha para que deem continuidade ao seu
trabalho, contou Beptuk Metuktire, neto do líder Kayapó, ao g1. “Raoni não tem
como parar e vai continuar até onde for, mas ele quer mostrar quem pode
continuar nessa luta. Ele não vai escolher uma só pessoa, ele quer escolher um grupo
para o suceder. São, por exemplo, o cacique Megaron Txucarramãe, que já andou
muito com ele e sabe lidar com o sistema do homem branco. Tem também os
caciques Bedai e Pekan, além de Puyu e Belmoron, e outras pessoas fora do
território”, disse Beptuk.
MPF
investiga construção de casas sem permissão por missionários estrangeiros em
terra indígena no AC
O Ministério Público Federal do Acre (MPF-AC) está
apurando a construção de casas feitas por missionários ligados ao grupo Missões
Novas Tribos Brasil (MNTB) em uma terra indígena no Alto Rio Purus, na foz do
Rio Chandless, entre as cidades acreanas de Sena Madureira e Manoel Urbano,
interior do Acre, da etnia Madija.
O grupo de estrangeiros norte-americanos construiu
duas ou três casas na localidade sem autorização das lideranças indígenas
locais ou da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), segundo o MPF.
Um desses missionários é identificado como Anthony
Paul Goddard. O g1 entrou em contato com ele, que chegou a visualizar as
mensagens, mas não retornou. A reportagem também pediu um posicionamento do
grupo filantrópico sobre as denúncias, mas não recebeu resposta até esta
publicação.
Ainda segundo o MPF, consta na denúncia que a
Funai, o Distrito Sanitário Especial (Dsei) e Polícia Federal já teriam
conhecimento da ocorrência dos fatos noticiados, no entanto, pouco teriam feito
para apurar a ocorrência, segundo o noticiante. O órgão tem ainda a informação
de que a região onde o grupo se instalou é próxima de locais de trânsito dos
Mashco Piro (indígenas isolados).
Diante das informações, o MPF afirmou que tem
acompanhado o que os órgãos competentes têm feito – no caso Funai e PF – por
meio de requisição de documentos que comprovem a atuação no caso. Caso no
decorrer do procedimento seja caracterizado algum crime de atribuição do MPF, o
órgão disse que também irá apurar e tomar as providências.
O MPF-AC relatou que, em 12 de maio, a Funai
notificou o grupo e deu um prazo de 30 dias para que deixassem a terra
indígena, porém não houve informações sobre a desintrusão até o momento. Ainda
não há denúncia formal contra os missionários.
O g1 entrou em contato com a Funai para confirmar a
expulsão do grupo de missionários da terra indígena e questionar sobre as
medidas adotadas pelo órgão e o impacto da presença desses indivíduos para os
povos indígenas da região. Em nota, confirmou que foi feita uma fiscalização na
área em maio de 2023 em parceria com a Polícia Federal.
“Durante a operação, os envolvidos foram
notificados sobre a irregularidade de suas residências na Aldeia Santo Amaro,
uma vez que o território é de usufruto exclusivo dos povos Huni Kuin e Madjá,
conforme estabelecido por lei. Após a notificação, emitida no dia 12 de maio de
2023, os missionários em questão desocuparam o local. A Funai esclarece que as
autorizações de ingresso em Terras Indígenas acontecem após a devida instrução
do processo administrativo e com a anuência prévia dos representantes dos povos
indígenas afetados. Neste caso, constatou-se que os missionários da Missão
Novas Tribos do Brasil (MNTB) não seguiram o procedimento administrativo
necessário ao adentrar a Aldeia Santo Amaro”, destaca a nota.
A Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) disse que
não possui informações sobre o caso, pois “não trabalha” com os Madija. A reportagem
também tentou contato com lideranças indígenas do povo Huni Kuī, também da
região do Purus, e com o Dsei Alto Rio Purus, que informou que presta Serviços
de Saúde e que acompanha o caso pela imprensa.
A Polícia Federal do Acre (PF-AC) limitou-se a dizer
que está acompanhando o caso em conjunto com o MPF. No âmbito estadual, o g1
entrou em contato com a Secretaria Indígena, ligada a Secretaria de Meio
Ambiente do estado, e aguarda retorno.
• Sobre
a TI
A Terra Indígena Alto Rio Purus tem cerca de 263
mil hectares e ocupa as cidades de Manoel Urbano e Santa Rosa do Purus e a área
é habitada pelas etnias Huni Kuin, Kulina e Yaminawá.
A terra foi autodemarcada em dois momentos, no ano
de 1975 (somente a margem esquerda) e em 1985 (as duas margens). Foi demarcada
oficialmente em 1992 e homologada em 5 de janeiro de 1996.
Fonte: Deutsche Welle/ClimaInfo/g1
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