Por que Vlad 3º, o Drácula histórico, chorava sangue
"Drácula": basta escutar esse nome para
ficar de cabelos arrepiados. Um morto-vivo que durante o dia dorme num ataúde,
só saindo à noite para sugar o sangue de suas vítimas com uma mordida na
jugular.
Enfim: o mito do vampiro clássico, imortalizado
sobretudo pelo cinema. Até aqui, é só ficção. Mas agora uma pesquisa vem
confirmar que o Drácula histórico de fato sangrava pelos olhos.
A personagem que inspirou o romance homônimo do
irlandês Bram Stoker, publicado em 1897, foi o voivode (príncipe) Vlad 3º (ca.
1428-1477), apelidado Drăculea (Filho do Dragão), que reinou com crueldade
extrema na Valáquia, atual Romênia: a ele se atribuem mais de 80 mil mortes.
Cerca de 550 anos atrás, ele mandou empalar
milhares de presos otomanos, também crianças. Esse suplício consistia em
introduzir uma estaca ou lança pelo ânus da vítima e deixá-la morrer lenta e
dolorosamente por hemorragia. Daí seu outro cognome: Vlad, o Empalador.
• Proteínas
misteriosas nas cartas do príncipe
Para saber mais sobre esse modelo histórico do mito
dos vampiros, uma equipe liderada por Maria Pittala, da Universidade de
Catânia, Itália, examinou três cartas manuscritas, enviadas por Vlad 3º entre
1457 e 1475 aos governantes da cidade de Sibiu. Duas delas jaziam há mais de
cinco séculos, basicamente intocadas, nos arquivos municipais.
Ao todo, os cientistas encontraram 575 peptídios
(cadeias de aminoácidos menores do que as proteínas) de origem humana
diferentes: mesmo no simples ato de escrever uma carta, escamas da pele, suor e
sebo se acumulam no papel, e suas proteínas são detectáveis até séculos mais
tarde.
Além disso, pressionou-se sobre o documento uma
película de acetato-vinilo de etileno (EVA, na sigla em inglês), que aglutina
proteínas e peptídeos. As moléculas assim isoladas são classificadas pela
técnica de espectrometria de massa.
• Hemolacria:
quando os olhos vertem sangue
Dos 575 peptídeos encontrados, isolaram-se 16
provavelmente pertencentes a Vlad. Deles, três eram de suas secreções lacrimais
e sangue. Deduziu-se que ele sofria não só de infecções das vias respiratórias
e da pele, mas de uma afecção rara que o fazia "chorar sangue".
"Ele provavelmente sofria, pelo menos nos
últimos anos de vida, de hemolacria. Ou seja: vertia lágrimas misturadas com
sangue", explica o professor Vincenzo Cunsolo, da Universidade de Catânia.
Em casos raros, infecções e lesões podem causar
hemolacria – sangue nas secreções lacrimais. Outra causa possível é a presença
de um tumor nas glândulas lacrimais.
Mais raramente ainda registra-se também esse
fenômeno insólito durante a menstruação. Daí as narrativas de lágrimas de
sangue em freiras ou mulheres profundamente beatas, como estigma religioso.
• Para
além das lágrimas, a peste
Por mais espetacularmente macabra que pareça a
noção de que o cruel Drácula chorava sangue, é preciso considerá-la com
cautela: afinal, mesmo fechadas durante séculos nos arquivos de Sibiu, as
cartas entraram em contato com diversos indivíduos.
Mas os autores do estudo argumentam: "De fato,
não podemos decartar que na Idade Média outros também tenham pegado nessas
cartas, mas é válido inferir que as proteínas mais acentuadas partam de quem as
escreveu e assinou: Voivode Vlad 3º."
Além das sensacionais lágrimas de sangue do
"vampiro" histórico, os pesquisadores de Catânia detectaram vestígios
de Yersinia pestis, o extremamente perigoso bacilo da Peste Negra. "De
1347 até 1352, essa bactéria causou mais de 25 milhões de mortes na Europa:
foram necessários 150 anos para a população do continente se recuperar dessa
catástrofe", relata a equipe de Maria Pittala.
"O sul da Romênia era um local
estrategicamente importante, servindo como ponto de encontro para soldados,
escravos e comerciantes de toda a Europa e do Oriente." Assim, as massas
em migração constante transportavam os patógenos causadores de catastróficas
epidemias.
Vampiro:
verdade ou superstição?
Ser da escuridão, ameaça à humanidade. Na calada da
noite, deixa o seu caixão para amedrontar os homens e sugar-lhes o sangue.
Verdade ou superstição, o fato é que o vampiro é um mito conhecido
mundialmente, mas cientificamente pouco estudado. Para os professores alemães
Frank Möbus e Thomas Crozier, no entanto, "nenhum mito consegue manter-se
vivo por tanto tempo, se não estiver enraizado na realidade".
Há seis anos estudando o assunto, o professor de
Biologia e Medicina Möbus e o docente de Literatura Crozier desvendaram alguns
dos mistérios relacionados ao vampirismo. Segundo eles, "séculos atrás, em
caso da morte subseqüente de dois entes da mesma família com sintomas
semelhantes, o primeiro falecido era desenterrado". Às vezes, ao ser
aberto o caixão, o morto era encontrado com o rosto rosado e com a boca cheia
de um líquido vermelho, como sangue".
Acreditava-se que as pessoas enterradas não estavam
completamente mortas e que deixavam seus caixões para atacar os vivos. A
existência de sangue em suas bocas comprovava a teoria, pois tratava-se
"de restos da última refeição dos mortos". Os ruídos produzidos pelos
gases exalados dos corpos eram interpretados como ruídos de mastigação dos
morto-vivos.
• Crendices
populares
Tais explicações não passam de crendices para os
cientistas. Os estudiosos afirmam que todos esses fenômenos são sintomas
naturais da decomposição dos corpos. Além disso, as inúmeras mortes registradas
poderiam ter sido causadas pela ação de doenças contagiosas, sobre as quais
"nada se sabia na época".
Para evitar o ataque sanguinário, a população
passou a enfiar estacas no coração, arrancar a cabeça ou queimar os corpos dos
supostos vampiros. Na Áustria, Sérvia, México e Estados Unidos existem cerca de
25 cemitérios de vampiros, em cujas covas estão esqueletos sem cabeça e corpos
com estacas. Em alguns casos, foram encontrados cadáveres com um crucifixo de
ossos sobre o peito.
• Seguindo
as pistas dos vampiros
Em 1732, houve uma série de mortes de cirurgiões e
soldados austríacos na Sérvia, na região próxima à Turquia. Sem explicações
para as misteriosas mortes, estas foram atribuídas aos vampiros. Mais tarde,
historiadores relacionaram essa série de mortes a uma epidemia de raiva, que se
alastrou pelo sudeste da Europa nessa época.
A notícia do ataque de vampiros na Sérvia
espalhou-se rapidamente pela Europa, causando medo e desespero. As teorias
ligadas ao vampirismo ganharam força total, sendo que sacerdotes de pequenos
vilarejos aproveitaram-se da situação. Eles começaram a lucrar com os rituais
de exorcismo, em que afirmavam expulsar o demônio dos supostos vampiros e de
suas vítimas. A partir de então, deu-se início à grande caça aos vampiros.
• O
surgimento de Drácula
Em 1897, o escritor irlandês Bram Stocker
(1847-1912) fez a ligação do vampirismo com uma figura histórica, o príncipe
Vlad Tepes (1431-1476) da Transilvânia (hoje localizada na Romênia). Ele
recebeu, no livro de Stocker, o nome de conde Drácula e tornou-se uma das
figuras mais conhecidas e exploradas do cinema, da literatura e das artes
plásticas.
Segundo Frank Möbus, pode-se constatar um
verdadeiro renascimento do interesse popular pela figura de Drácula e pelo
vampirismo, desde 1984. Na sua opinião, isto não é nenhum acaso: nessa época,
tornou-se conhecida a Aids e o seu contágio pelo sangue.
Fonte: Deutsche Welle
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