Acúmulo de gordura nos músculos: problema é silencioso e deve ser
tratado
Você sabia que a gordura corporal em excesso pode
se infiltrar nos músculos, tanto entre as fibras musculares quanto dentro
delas? Essa doença, ainda pouco difundida, é chamada de mioesteatose. Um estudo
recentemente publicado na revista Radiology aponta que adultos com acúmulo de
gordura nos músculos têm um risco aumentado de morte, similar ao relacionado a
tabagismo ou diabetes. Por isso, os especialistas estão adotando uma nova
abordagem em relação à adiposidade nos músculos, assim como já acontece com o
monitoramento do excesso de gordura no fígado.
Segundo o endocrinologista Clayton Macedo, que
coordena o Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte do Hospital
Israelita Albert Einstein e do ambulatório de Endocrinologia do Esporte da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a mioesteatose é uma infiltração
gordurosa intramuscular que cada vez mais tem aparecido em trabalhos
científicos que a correlacionam com obesidade, com diabetes, com sarcopenia
(que é a diminuição da massa muscular) e também com doenças cardiovasculares.
"O nosso músculo é composto de fibras musculares e, quando temos depósitos
ectópicos [de uma gordura que não deveria estar ali], nós temos a
mioesteatose", explica.
A obesidade, o sedentarismo, o envelhecimento, o
diabetes e a síndrome metabólica podem levar ao acúmulo de gordura nos músculos
da mesma forma que ocorre com o acúmulo de gordura no fígado (esteatose
hepática). Quando a gordura começa a ocupar o espaço dentro da fibra muscular,
o músculo fica doente, inflamado e começa a perder a qualidade, a força e a
mobilidade. A doença não costuma dar sintomas inicialmente, mas, com o tempo, o
músculo vai perdendo a função e passa a ser substituído pela gordura.
"Isso é algo que devemos olhar com cuidado
porque o músculo é considerado o nosso maior patrimônio. Quando o músculo
contrai, ele libera uma série de substâncias (miocinas) que regulam toda nossa
saúde óssea, cardiovascular, metabólica e até nossa neuroplasticidade. Um
músculo com muita gordura não funciona direito e, perdendo função, não vai
executar as tarefas motoras e secretora de hormônios de forma adequada",
alertou Macedo.
Como a mioesteatose não costuma dar sintomas,
normalmente a identificação da doença acontece por causa de exames como
ressonância magnética e tomografia que são feitos para investigar outras
doenças. "Os dois métodos de diagnóstico são considerados padrão ouro e
conseguem definir o conteúdo de gordura no músculo. Essa gordura pode ser
subcutânea (debaixo da pele, entre as fibras musculares) ou intramuscular (dentro
da fibra muscular - essa que é a mioesteatose)", explicou.
• Um
perigo silencioso
Na pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa
Experimental e Clínica da Universidade Católica de Lovania, em Bruxelas, os
cientistas constataram que pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC)
semelhantes poderiam ter problemas de saúde distintos, entre eles, o acúmulo de
gordura nos músculos (a mioesteatose), o que aumenta o risco de morte.
Para chegar aos resultados, eles avaliaram
tomografias abdominais feitas em adultos submetidos a exames de rotina para
câncer colorretal entre 2004 e 2016. Ao todo, foram analisados exames de 8.982
pacientes - 507 morreram no período por problemas cardíacos, AVC, aneurisma,
entre outros. Segundo os pesquisadores, o acúmulo de gordura nos músculos
estava presente em 55% dos falecidos e foi associado a uma maior
vulnerabilidade para problemas de saúde graves.
O estudo aponta que o risco absoluto de mortalidade
entre aqueles adultos com mioesteatose foi de 15,5% - um valor maior do que o risco
associado à obesidade (7,6%) e à esteatose hepática (8,5%). O risco também foi
equiparado ao tabagismo e diabetes tipo 2. Os pesquisadores também observaram
que a relação entre a mioesteatose e o aumento da mortalidade se deu
independentemente do IMC ou do diagnóstico de obesidade nos participantes. Por
isso, para eles, a mioesteatose é um preditor chave do risco de mortalidade,
independentemente da obesidade.
"O resultado desse trabalho é bem interessante
porque avaliou a mortalidade e encontrou a mioesteatose como um preditor melhor
de risco. A musculatura é um determinante de saúde e o excesso de gordura
reflete negativamente na qualidade da musculatura. Isso mostra o quanto o
músculo é importante e o quanto ele ser substituído por gordura vai impactar
num desfecho ruim, que é a morte", disse Macedo.
Segundo os pesquisadores, o diagnóstico da
mioesteatose ainda enfrenta dificuldades porque os médicos focam no excesso de
gordura visceral e no fígado, enquanto a mioesteatose age silenciosamente e só
é descoberta em pacientes que se submetem a exames para investigar outras
patologias.
Para Macedo, isso acontece porque esse é um assunto
ainda muito novo, com poucos trabalhos mostrando essa correlação com
mortalidade. "É mais fácil medir a esteatose hepática e até hoje não
tínhamos dirigido o olhar para a mioesteatose. A ciência vai evoluir e acredito
muito nesse modelo de abordagem, onde enxergamos o músculo como órgão vital
para nosso organismo e nossa saúde cardiovascular e metabólica."
• Como
prevenir?
A prevenção da mioesteatose acontece principalmente
através do exercício físico e de uma dieta equilibrada. Uma alimentação
inadequada e o sedentarismo acabam favorecendo o acúmulo de gordura em locais
onde normalmente não acumularia - entre eles, no músculo, no fígado (esteatose
hepática), em volta do coração (gordura epicárdica) e entre as vísceras no
abdômen (gordura visceral).
Segundo Macedo, o ideal é fazer uma combinação dos
dois tipos de exercício físico: o aeróbio, que atua na queima da gordura, e o
resistido (de força), que ajuda na manutenção da massa muscular e da força.
Ambos contribuem para a manutenção do músculo saudável e também para prevenir a
sarcopenia. A ingestão adequada de carboidratos e proteínas, além do sono
reparador, também são determinantes para uma melhor qualidade e quantidade de
músculos.
Fonte: Agencia Estado
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