segunda-feira, 28 de agosto de 2023


 O difícil problema da manipulação religiosa

O levantamento segundo o qual 17 templos são abertos por dia em média no País traz à tona um tema difícil de ser tratado, mas nem por isso menos real ou menos daninho: a manipulação religiosa, isto é, o uso da religião para fins políticos ou financeiros e a utilização da vulnerabilidade social e econômica para dominação social e política. É uma modalidade de coronelismo, profundamente perversa, que subjuga parcelas crescentes da população à condição de subcidadania.

O tema exige muito cuidado. A liberdade religiosa é um enorme bem para a sociedade, parte essencial dos direitos fundamentais. Sem liberdade religiosa, não há cidadania. Além disso, grandes conquistas civilizatórias foram motivadas por ideais religiosos, como o movimento abolicionista no século 19.

O Estado laico não tem uma religião oficial. Ele é absolutamente incompetente para fazer qualquer afirmação em matéria teológica. Consequentemente, ele também não vê as religiões – nenhuma delas – como inimigas. Ao contrário, reconhecendo a profunda atuação social e humanitária de tantos credos, o poder público trabalha em parceria com muitas igrejas em várias áreas, como saúde e educação. Mais do que uma relação de oposição ou de conflito, o Estado Democrático de Direito – mantendo-se rigorosamente isento nas questões especificamente religiosas – vislumbra nas igrejas uma realidade humana e social que merece ser preservada e respeitada.

Esse é o espírito consagrado na Constituição de 1988, que reconheceu e protegeu a liberdade religiosa. Vendo nas diversas manifestações religiosas um importante bem social, o legislador constituinte estabeleceu a imunidade tributária das igrejas. “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto”, diz o art. 150, VI, b. Ver no fenômeno religioso, seja qual for sua matriz espiritual ou filosófica, uma oposição ao Estado Democrático de Direito é manifestamente inconstitucional: é reconhecer que não se entendeu nada sobre a liberdade própria de uma democracia. O Estado contemporâneo não vem dizer como os cidadãos devem viver – em que devem acreditar ou como devem amar –, e sim assegurar o espaço de liberdade para que cada um, respeitando a lei e os direitos dos outros, viva como bem entender.

As religiões fazem parte do passado, do presente e do futuro do País, de modo que integram nosso patrimônio histórico, arquitetônico, social e cultural, mas todo esse panorama formidável não esconde o fato de que, sob aparência de fenômeno religioso, há muita gente aproveitando-se da condição de vulnerabilidade de outros cidadãos para fins políticos e financeiros. No Brasil, fundar uma igreja virou, muitas vezes, um lucrativo negócio. A imunidade tributária, cujo objetivo é assegurar a liberdade religiosa da população, transformou-se em ocasião de enriquecimento. Não é nenhum exagero: ao longo das últimas décadas, lideranças religiosas acumularam milhões.

No ano passado, criticou-se, neste espaço, “o uso abusivo do estatuto especial das igrejas para fazer proselitismo eleitoral”. Além de constituir uma manipulação de liberdades fundamentais, a prática é vedada pela legislação eleitoral. O problema já foi tratado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), algum limite às atividades eclesiásticas é “medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.

O País não pode fingir que o problema da manipulação religiosa não existe, sob pena de permitir a exploração de cidadãos por seus iguais. Não é fácil estabelecer critérios para a distinção entre o que é religião e o que é instrumentalização da religião. Mas não cabe abdicar dessa tarefa. Só será possível defender efetivamente a liberdade religiosa se, enquanto sociedade, soubermos o que não é liberdade religiosa.

 

       Altar ou Púlpito da Igreja não é Palanque Eleitoral. Por Oliveira Júnior

 

Os púlpitos e altares de algumas igrejas evangélicas e católicas no Brasil, têm sido transformados nas últimas décadas, em palanques eleitorais, com aval de determinadas lideranças religiosas.

Políticos com vida sob suspeição, totalmente descompromissados com a fé cristã, que vivem uma vida profana, fazem uso do Altar, sob a benção de padres, reverendos e pastores, prometendo benefício para a comunidade religiosa, caso sejam eleitos. ‘A defesa da Fé’, será?

A história tem revelado ser bem diferente. Por isso vale o alerta em tempos de eleições .

Que os fiéis não se deixem levar por ações de engano e manipulação, e não se esqueça que o altar ou o púlpito da igreja é lugar santo.

A representação política em todos os segmentos da sociedade é salutar, e necessária, porém o ‘altar da paróquia’ ou o ‘púlpito da igreja evangélica’ é local de oração e adoração a Deus, e o ‘palanque eleitoral’ é o espaço para o político pedir voto independente da religião.

O que passar disto é ilegal. É ‘Crime Eleitoral’.

Está é a minha opinião. Este é o meu ponto de vista.

 

       Púlpito não é palanque: o papel das igrejas em ano eleitoral. Por Valcy Ribeiro

 

Que as igrejas exercem um papel social indispensável e de grande relevância no seio da sociedade ninguém discute. Dentre as muitas atribuições, se ocupam do apoio aos desfavorecidos, auxilia na ressocialização de detentos, bem como no aconselhamento espiritual e emocional aos que padecem das agruras da vida moderna, sempre por meio de uma mensagem de fé e esperança.

O que não deixa de chamar a atenção e até incomoda bastante é um fenômeno muito comum em ano eleitoral, qual seja, o desejo irresistível de alguns políticos manifestarem publicamente sua devoção diante dos olhos atentos dos fiéis em templos religiosos espalhados por todo País. Embora, os tais em outras épocas não expressem o mesmo fervor, do contrário, alguns beiram a incredulidade depois de eleitos.

Em que pese este sazonal desejo de cultuar, que coincidentemente aflora em ano eleitoral, não pode o candidato se valer da influência de ministros religiosos, que gozam da confiança dos fiéis, para auferirem vantagem no processo eleitoral, constituindo assim verdadeiro abuso de poder religioso

Há até um fato que se tornou muito conhecido nas últimas eleições de 2018, em que uma dupla de candidatos presidenciáveis, dos quais, uma se considerava ateia, de repente sucumbiu a inarredável vontade de participar de um culto religioso, cuja fé maior seria angariar uma bela fatia do apoio e simpatia dos fieis que ali estavam.

A grande pergunta é! Será que em 2020 as igrejas serão novamente invadidas por estes fervorosos candidatos que incrivelmente se converteram em ano eleitoral? Tudo leva crer, até ao mais incrédulo, que sim. Neste mote, resta saber quais os limites em face às garantias constitucionais do livre exercício de culto e o papel dos líderes religiosos dentro dos templos em ano de disputa eleitoral?

Neste trilhar, é bem verdade que os templos religiosos em sua grande maioria recebem a todos indistintamente e não fazem nenhuma acepção de pessoa, seja político ou não, talvez por isso tenha candidatos que chegam a frequentar no período várias denominações religiosas e estranhamente se convertem a diversas crenças em um curto espaço de tempo, isso é o que podemos chamar ecleticidade ou fé sem limites.

Em que pese este sazonal desejo de cultuar, que coincidentemente aflora em ano eleitoral, não pode o candidato se valer da influência de ministros religiosos, que gozam da confiança dos fiéis, para auferirem vantagem no processo eleitoral, constituindo assim verdadeiro abuso de poder religioso. Cabe destacar que todo e qualquer líder religioso pode e deve exercer sua cidadania, todavia não pode se valer de sermões e estrutura eclesiástica para influenciar o voto dos fiéis, subvertendo a legitimidade do pleito e influenciando diretamente no resultado das eleições, ao arrepio da legislação eleitoral.

É inegável que o poder religioso existe, tanto que não é por acaso que alguns candidatos mal intencionados tentam se valer dele, por isso o Tribunal Superior Eleitoral cada vez mais tem se ocupado no julgamento de casos que se referem aos limites da liberdade religiosa em um contexto eleitoral, mormente porque cerca de 90% da população brasileira pratica alguma religião, sendo a maioria de fé cristã, daí a necessidade do enfrentamento desta matéria, ainda que espinhosa, precisa ser regulada para evitar o propalado abuso do poder religioso.

Inclusive, o tema também já passou a ser abordado no âmbito jurisprudencial. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, no Recurso Eleitoral nº 49381 – Magé/RJ, que teve como relator Leonardo Pietro Antonelli, concluiu que “a entidade religiosa, enquanto veículo difusor de doutrinas apto a alcançar um número indeterminado de pessoas, é talvez o meio de comunicação social mais poderoso de todos, porquanto detém a capacidade de lidar com um dos sentimentos mais intrigantes e transcendentais do ser humano: a fé”. (RE-RECURSO ELEITORAL nº 49381 – Magé/RJ, Relator(a) Leonardo Pietro Antonelli, DJERJ – Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 125, data: 24/06/2013. p. 13/22.)

Destarte, segundo o decisum, o “propósito religioso que restou desvirtuado em prol de finalidades eleitoreiras, com templos transformados em verdadeiros comitês de campanha, cuja localização em áreas humildes da região pressupõe público-alvo, em princípio, mais suscetível a manipulações”.

Como é cediço, alguns lideres religiosos de grandes denominações usufruindo de sua liderança e lealdade dos comandados e seus fiéis tentam direcionar os votos para atender interesse particular, assim como há membros de igrejas que decidem seguir carreira na política, embora tenham essa liberdade, em ambos os casos, a melhor assertiva é: IGREJA NÃO É LUGAR DE FAZER POLÍTICA!

Portanto, espera-se que ano a ano, eleitoral ou não, que as mensagens apregoadas nos púlpitos das Igrejas sejam voltadas a consolar e dar esperança as pessoas, trazer a justiça social, levar o evangelho aos perdidos, ser um farol na comunidade e apoiar causas nobres. Já os candidatos que sejam bem-vindos a ouvir as boas novas em todo tempo e até fazerem parte da membresia da igreja, se assim quiserem, mas em matéria eleitoral que façam bom uso dos palanques, local legalmente reservado a livre manifestação de suas ideias e projetos, isto sim é respeito ao eleitor, fiel ou não.

 

Fonte: Agencia Estado/Portal RMS News

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